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terça-feira, 1 de julho de 2025

Sessenta anos de plenitude: União Ibérica, tempo kairológico e o ciclo de Kondratiev nos desígnios da Providência

1. Introdução: quando a história se dobra à Divina Providência

A história não é uma sucessão aleatória de eventos. Há ritmos, padrões e ciclos em sua tessitura — e, por vezes, esses ciclos convergem de modo tão harmônico que se revelam como marcas do tempo de Deus na história dos homens. A União das Coroas Ibéricas (1580–1640) é uma dessas convergências. Durante sessenta anos, os impérios missionários de Portugal e Espanha estiveram sob um mesmo cetro, e esse período coincide não só com um auge civilizacional e espiritual — uma verdadeira Era de Ouro —, mas também com o tempo exato de um ciclo econômico de Kondratiev, cuja duração é de aproximadamente sessenta anos.

Mas há algo mais profundo ainda: esse período manifesta os sinais de um tempo kairológico — o tempo qualitativo da visitação divina, aquele em que a história recebe o influxo da eternidade e a missão de Cristo se manifesta com potência inconfundível.

2. Sessenta anos de união: plenitude imperial e espiritual

De 1580 a 1640, sob a Casa de Habsburgo, Portugal e Espanha operaram como uma só monarquia católica. Não se trata apenas de uma unificação política, mas de uma convergência espiritual, cultural e missionária:

  • Os impérios missionários se fundem, levando o Evangelho a quatro continentes;

  • O milagre de Guadalupe (1531) — já ocorrido, mas ainda circunscrito ao México — é difundido e torna-se símbolo de unidade entre povos europeus e indígenas;

  • A ação da Companhia de Jesus se intensifica, com espanhois e portugueses atuando juntos na Ásia, África e América;

  • A Contra-Reforma encontra expressão política concreta, com o poder monárquico atuando em favor da ortodoxia católica;

  • A arte barroca floresce, dando forma visível ao espírito tridentino com exuberância sacramental.

Esse período marca, portanto, o cume de uma ordem católica universal visível, algo que nenhuma outra união política posterior conseguiu realizar com tamanha densidade espiritual.

3. Era de Ouro e tempo kairológico

A tradição bíblica e patrística distingue dois modos de tempo:

  • Chronos (χρόνος): o tempo cronológico, marcado pela sucessão dos dias e dos eventos.

  • Kairos (καιρός): o tempo qualitativo, o momento oportuno e providencial em que Deus age na história com potência escatológica.

Durante a União Ibérica, o tempo chronos é transcendido por um kairos missionário e civilizacional. Trata-se de um tempo:

  • De convergência entre ação política e missão espiritual;

  • De superação das rivalidades seculares em nome da fé comum;

  • De simultaneidade global de ação evangelizadora, conectando os confins do mundo sob o mesmo batismo, o mesmo rito e a mesma esperança.

Essa unificação, com todos os seus defeitos terrenos, ainda assim se alinha à promessa de Cristo: “Ide e fazei discípulos de todas as nações” (Mt 28,19). Trata-se, pois, de um kairos de plenitude geográfica e espiritual, como que um eco visível da catolicidade da Igreja. 

4. O número sessenta e sua simbologia bíblica

O número sessenta não é arbitrário. Na Escritura, ele aparece como número de estrutura completa, ordem estabelecida e maturidade espiritual:

  • Isaías 60: uma das mais belas profecias messiânicas, descrevendo a glória de Sião e a conversão das nações.

  • Cânticos 6,8: “Sessenta são as rainhas, oitenta as concubinas...” — sessenta como número régio e pleno.

  • Em Levítico e Números, múltiplos de seis aparecem em contextos de jubileu, restituição e sacralidade econômica.

O número sessenta também representa três vezes vinte, sendo vinte o número da espera e da maturação. Multiplicado por três, torna-se plenitude trinitária da espera — um selo de missão realizada e de estrutura sagrada prestes a ser transfigurada ou encerrada.

5. O ciclo de Kondratiev: tempo econômico e Providência

Nikolai Kondratiev (1892–1938), economista russo, observou que o capitalismo ocidental apresentava ciclos de longa duração, com aproximadamente 50 a 60 anos de crescimento, saturação e declínio. Esses ciclos envolvem:

  • Inovações tecnológicas disruptivas;

  • Expansão industrial e comercial;

  • Período de maturação e crise;

  • Transição para nova estrutura produtiva e espiritual.

Aplicado à União Ibérica, temos:

Fase Tempo histórico Acontecimento
Expansão 1580–1600 Unificação missionária e comercial
Maturação 1600–1620 Conquista e estabilização dos territórios
Saturação 1620–1640 Resistência colonial, crises locais, declínio espiritual

Essa leitura permite compreender que a história econômica obedece também a ritmos providenciais, e que o ciclo ibérico de sessenta anos cumpriu um papel essencial no plano da evangelização das nações. 

6. O fim do kairos e o tempo da provação

O encerramento da União Ibérica em 1640 inaugura um novo ciclo: o tempo da dispersão e da resistência. Entre os sinais dessa nova fase, podemos destacar:

  • O avanço das potências protestantes (Holanda, Inglaterra);

  • A substituição da linguagem cristã pela retórica secular das soberanias nacionais;

  • O surgimento do iluminismo e do racionalismo, que passam a corroer as bases da ordem espiritual;

  • A queda das ordens religiosas, perseguidas por Estados absolutistas ou revolucionários;

  • A paulatina substituição do Reino de Cristo pela religião dos direitos humanos.

O tempo kairológico se fecha. E a missão, que antes florescia na unidade dos impérios católicos, agora se torna trabalho de resistência em tempos adversos, ecoando as palavras de Cristo: “Virá a noite, quando ninguém poderá trabalhar” (Jo 9,4).

7. Conclusão: sessenta anos de plenitude nos méritos de Cristo

A União Ibérica foi mais do que um fato político. Foi:

  • Uma Era de Ouro para a cultura e a missão católica;

  • Um tempo kairológico, em que Deus visitou os povos ibéricos com uma responsabilidade histórica sem paralelo;

  • Um ciclo providencial de sessenta anos, no qual a economia, a cultura e a fé se alinharam sob o estandarte de Cristo Rei.

Essa leitura não apenas dignifica o passado, mas aponta para o futuro. Pois, se houve um kairos na história ibérica, haverá outros kairoi — e o mesmo Deus que uniu reinos para evangelizar o mundo é Aquele que volta para julgar as nações.

Notas

  1. KONDRÁTIEV, Nikolai. The Major Economic Cycles. Moscow, 1925.

  2. TURNER, Frederick Jackson. The Significance of the Frontier in American History. 1893.

  3. CASTELLI, Enrico. O Tempo e a História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1992.

  4. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. Brasília: Edições CNBB, 2008.

  5. FERRÃO, Francisco. A União Ibérica e a Missão Global. Lisboa: Gradiva, 2007.

  6. PIEPER, Josef. O Tempo e a Eternidade. Lisboa: Tenacitas, 2003.

  7. GONZÁLEZ, Justo L. A Era dos Descobrimentos e a Missão Cristã. São Paulo: Vida Nova, 2002.

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