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terça-feira, 8 de julho de 2025

"Holiday on Ice": férias ou fuga imaginativa? O mal-entendido cultural na tradução brasileira de "holiday" e "vacation"

No Brasil, a palavra “férias” é tradicionalmente traduzida para o inglês como vacation (inglês americano) ou holiday (inglês britânico). Embora corretas nos dicionários, essas traduções escondem uma sutileza semântica importante: tanto vacation quanto holiday carregam, na experiência nativa anglófona, a ideia de deslocamento para longe de casa, preferencialmente a lugares exóticos, paradisíacos ou ao menos distintos da rotina comum. Trata-se, portanto, de um tempo de “ausência do mundo habitual”.

No contexto brasileiro, porém, férias significa algo mais doméstico, cotidiano, muitas vezes limitado ao descanso em casa ou ao convívio familiar. Nem todo brasileiro viaja durante as férias — de fato, a maioria não o faz. Assim, ao usar vacation ou holiday como tradução direta de férias, perde-se o valor de deslocamento simbólico que essas palavras carregam no inglês nativo.

Essa diferença de significação revela-se com clareza em eventos culturais como o famoso espetáculo Holiday on Ice, apresentado regularmente no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, durante os anos 1980 e 1990. Muitos brasileiros presumiam que o termo “holiday” no título fazia referência direta às férias escolares — o que explicaria o sucesso do evento entre as crianças. No entanto, essa é uma leitura limitada e, em certo sentido, equivocada.

O “holiday” de Holiday on Ice não está associado apenas ao recesso do calendário escolar, mas sim a uma viagem imaginativa e estética, um afastamento do ordinário por meio do encantamento. Trata-se de um espetáculo que transforma o gelo em palco de sonhos e transporta o público, sem sair do lugar, a um mundo mágico — o “lugar distante” evocado pelo termo holiday. Nesse sentido, o holiday não é físico, mas simbólico. O gelo torna-se paisagem de outro mundo; a patinação, uma forma de levitação poética. O brasileiro, entretanto, muitas vezes assistia ao show sem captar essa referência.

Esse desencontro entre significados revela mais do que um problema de tradução: expõe um descompasso entre imaginários culturais. A cultura americana e britânica pressupõe uma mobilidade individual e geográfica que nem sempre encontra paralelo na experiência social brasileira. Para os anglófonos, férias significam estar fora de casa. Para muitos brasileiros, férias são estar em casa, sem obrigações.

A tradução literal apaga essa nuance e, com isso, transforma um “feriado imaginativo” num simples “intervalo de aulas”. O nome Holiday on Ice torna-se, assim, um produto importado cujo sentido pleno permanece em boa parte inacessível ao seu público brasileiro — não por ignorância, mas por diferença de cosmovisão.

Como tantos outros elementos da cultura globalizada, esse caso evidencia o quanto é necessário ir além da tradução literal, atentando para os significados culturais implícitos. Traduzir não é apenas trocar palavras; é também compreender mundos.

Notas

  1. HOLIDAY ON ICE. História do espetáculo. Disponível em: https://www.holidayonice.com

  2. A diferença entre vacation e holiday no inglês é discutida em diversos guias de estilo e dicionários de uso. Ver, por exemplo: GARNER, Bryan A. Garner’s Modern English Usage. Oxford University Press, 2016.

  3. Sobre o imaginário das férias e o deslocamento simbólico, cf. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

  4. Dados sobre o acesso dos brasileiros às viagens nas férias podem ser encontrados no IBGE: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Turismo (última edição disponível).

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