Nos últimos anos, tornou-se visível e desconcertante o modo como certos homens reagem diante da vulnerabilidade feminina, especialmente em cenários de guerra e crise humanitária. Um dos casos mais vergonhosos veio à tona quando o então deputado Arthur do Val, conhecido pelo codinome “Mamãe Falei”, viajou à Ucrânia em meio ao conflito bélico, não para prestar solidariedade, mas para comentar com tom libidinoso sobre a beleza e a “facilidade” das mulheres refugiadas¹.
A repercussão não foi à toa: esse episódio expôs, de forma pública e escandalosa, uma estrutura de pensamento perversa — uma ética de conquista que nada tem de nobre ou viril, mas que se ancora na exploração da dor, na inversão da caridade, e na instrumentalização do outro para fins pessoais. É o oposto do que o amor cristão ensina.
1. A mulher frágil como campo de caça: crítica ao modelo predatório
O comportamento desse tipo de homem — travestido de coragem por se “aventurar” em zona de guerra — revela, na verdade, uma covardia moral. Ao invés de proteger, usa a fragilidade como alavanca para seu desejo. Ao invés de elevar, rebaixa.
Essa postura representa o modelo predatório de masculinidade, no qual o outro é reduzido a ocasião de consumo. A mulher em situação de guerra ou pobreza deixa de ser um “próximo” no sentido evangélico (cf. Lc 10,29-37), para ser vista como um “objeto sexualmente disponível”.
Esse imaginário é uma forma moderna de colonialismo afetivo: o homem "ocidental", rico ou ao menos em situação de estabilidade, se vale da ruína alheia para extrair o que deseja, sem compromisso, sem entrega, sem reciprocidade.
2. A liberdade no amor e a ética cristã da honra
Em contraste a esse modelo está o homem honrado, que se orienta por outro princípio: o da liberdade fundada na verdade. Em minha experiência pessoal, por exemplo, tenho mantido contato com mulheres ucranianas por meio de plataformas de relacionamento como o Amal Date. E, embora muitas delas tenham se mostrado receptivas e até empenhadas em conquistar minha atenção, não vejo nisso uma brecha para exploração, mas um convite à responsabilidade.
Esse olhar é cristão porque vê o outro como um fim em si mesmo, não como meio. O verdadeiro amor não se aproveita da liberdade do outro, mas se submete a ela. Ele não invade, mas convida. Como diz São Paulo, “o amor é paciente, é benigno; [...] não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não suspeita mal” (1Cor 13,4-5).
A liberdade, neste caso, não é a de fazer o que se quer, mas de agir segundo a verdade do bem. E isso supõe o domínio de si, o controle do desejo e o reconhecimento da dignidade alheia. É o que Aristóteles chamava de sophrosyne, e que Santo Tomás traduz em termos de temperança.
3. Josiah Royce e a lealdade como fundamento da amizade verdadeira
O filósofo americano Josiah Royce, em sua obra A Filosofia da Lealdade, estabelece que o bem mais alto da convivência humana está em se viver por uma causa que transcenda o interesse próprio². A lealdade, nesse sentido, não é um mero sentimento de fidelidade, mas uma escolha ativa de dedicar-se a uma causa digna, como a verdade, a justiça ou — neste caso — o amor que edifica.
Relacionamentos fundados na desigualdade e na manipulação do outro estão em contradição direta com esse ideal. Se a mulher ama ou se entrega apenas porque se sente sem saída, não há ali liberdade, logo, não há verdadeira reciprocidade. A lealdade exige liberdade interior de ambas as partes.
4. O exílio como campo de prova da honra masculina
Vivemos tempos de dispersão e exílio. Muitos de nós não habitamos mais as terras onde nascemos, seja física ou espiritualmente. E é justamente nesse estado de "estrangeiros no mundo" (cf. Hb 11,13) que a honra se torna mais necessária.
Se, como ensinava Olavo de Carvalho, o exílio é uma condição espiritual antes de ser geográfica, então é justamente nesse estado que somos chamados a reafirmar a nossa fidelidade ao que é justo, belo e verdadeiro³. E isso inclui o trato com as mulheres, especialmente com as mais vulneráveis.
Ser homem, à imagem de Cristo, é carregar a cruz, não impô-la ao outro. É proteger, não possuir. É amar até o fim, mesmo que o fim não traga vantagem alguma.
Conclusão
Enquanto o mundo celebra o cinismo, a esperteza e a conquista a qualquer custo, o homem honrado — aquele que ama nos méritos de Cristo — se distingue pela reverência ao mistério da liberdade alheia. Ele vê no rosto da mulher estrangeira, ferida, solitária, não um corpo a ser usado, mas uma alma a ser ouvida, cuidada e, se Deus quiser, amada.
Ao contrário do predador que vagueia em meio aos escombros da guerra à procura de prazer, o homem justo se aproxima com temor e tremor, sabendo que, diante dele, está uma filha de Deus. E com isso, cumpre aquilo que está escrito: “O que fizerdes a um destes pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
Notas de rodapé
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A viagem de Arthur do Val à Ucrânia e seus comentários foram amplamente repercutidos na imprensa brasileira em março de 2022, culminando em sua renúncia ao cargo de deputado estadual e sua inelegibilidade por oito anos.
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Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908. Ver especialmente o capítulo “Loyalty and the Moral Life”, onde o autor sustenta que o bem moral está no comprometimento com uma causa contínua e partilhada.
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Cf. Carvalho, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995. O autor mostra como a perda do eixo espiritual leva o homem moderno a um estado permanente de desterro existencial, sendo a fidelidade à verdade o único remédio contra a dissolução da alma.
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