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sábado, 26 de julho de 2025

A forma de como se discorda revela o ethos do interlocutor

 “Não é o simples ato de discordar que afasta, mas a forma como a discordância se impõe: quem se recusa a dialogar com honra revela, já no modo de falar, que o que preserva não é a verdade, mas a conveniência pessoal dissociada dela.”

1. Introdução

Discordar é um ato moral e, como tal, revela o que está no coração de quem o pratica. Quando alguém diz simplesmente “discordo” com tom de autoridade — como se seu juízo bastasse — rompe-se a possibilidade do verdadeiro diálogo. A discordância torna-se, então, uma forma de negar o outro, não de buscá-lo. A verdade, porém, exige caridade. Como ensina Santo Tomás de Aquino, “a correção fraterna é um ato de caridade”¹. E onde não há caridade, não há verdade compartilhável.

2. O ato de discordar exercido com honra

É sempre um prazer ouvir alguém que, ao discordar, o faz com reverência e raciocínio:

“José, se você me der licença para discordar, creio que isso que você afirma não funciona por razões A, B e C. E vou lhe explicar por quê.”

Esse tipo de postura pressupõe três virtudes cardeais do diálogo civilizado:

  • Humildade, ao reconhecer que o outro merece consideração.

  • Justificação racional, ao não fazer juízo sem demonstração.

  • Busca do bem comum, ao dialogar com vistas à verdade.

Como observa Aristóteles, “é próprio do homem virtuoso ser verdadeiro tanto no discurso quanto na ação”². A discordância honrada, portanto, é virtude em ato.

3. O ato de discordar exercido com arrogância

Em contraste, há quem diga “discordo” de forma seca, imperativa, como se bastasse enunciar a rejeição para que tudo o que foi dito se tornasse falso. Isso revela uma relação patológica com o saber. Ao invés de desejar compreender, o sujeito deseja calar o outro. Olavo de Carvalho, refletindo sobre esse fenômeno, observa:

“O debate não é a luta entre opiniões, mas o encontro entre consciências diante da verdade. Quem entra num debate apenas para fazer valer a própria opinião já está moralmente vencido.”³

Essa forma de “discordar” revela o orgulho ferido, não a inteligência desperta.

4. Sobre um critério que encontrei com base na experiência pessoal

Na minha trajetória de debates e estudos, nunca encontrei alguém que iniciasse uma objeção com um “discordo” imperativo e seco e que depois demonstrasse real abertura para a verdade. Sempre que esse padrão se repete, logo descubro que tal pessoa conserva, em seu interior, não um amor à realidade, mas um amor ao próprio ego.

A prudência, então, recomenda afastar-se. Como ensina a Escritura: “Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo uma ou duas vezes” (Tt 3,10). E como também indica São Bento em sua Regra: *“Evita discussões, pois nada são mais prejudicial à caridade”*⁴ — sobretudo aquelas que nascem do orgulho.

5. Conclusão

A forma como alguém discorda é, muitas vezes, mais reveladora do que o conteúdo de sua discordância. O tom imperativo denuncia um espírito vaidoso e autorreferente. O tom respeitoso, por outro lado, revela amor à verdade e ao próximo.

Diante disso, afirmo: a maneira como se discorda revela o ethos do interlocutor. E, por isso, aquele que busca a verdade precisa saber quando calar, quando ouvir e quando se retirar.

Notas de Rodapé

  1. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 33, a. 1. A correção fraterna é um dever de caridade quando se trata de ajudar o próximo a superar um erro moral ou intelectual.

  2. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1991. Livro IV, cap. 7.

  3. CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 2000. Capítulo 2: O Debate como Encontro de Consciências.

  4. BENTO, São. Regra de São Bento. Tradução de Frei Basílio Penido. São Paulo: Vozes, 2002. Capítulo 6 e 69: Contra a tagarelice e contra as disputas. 

Referências Bibliográficas

  • ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.

  • AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001. Vol. 5.

  • BENTO, São. Regra de São Bento. Trad. Frei Basílio Penido. Petrópolis: Vozes, 2002.

  • CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 2000.

  • BÍBLIA. Tradução Ave-Maria. São Paulo: Ave-Maria, 2002.

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