“Não é o simples ato de discordar que afasta, mas a forma como a discordância se impõe: quem se recusa a dialogar com honra revela, já no modo de falar, que o que preserva não é a verdade, mas a conveniência pessoal dissociada dela.”
1. Introdução
Discordar é um ato moral e, como tal, revela o que está no coração de quem o pratica. Quando alguém diz simplesmente “discordo” com tom de autoridade — como se seu juízo bastasse — rompe-se a possibilidade do verdadeiro diálogo. A discordância torna-se, então, uma forma de negar o outro, não de buscá-lo. A verdade, porém, exige caridade. Como ensina Santo Tomás de Aquino, “a correção fraterna é um ato de caridade”¹. E onde não há caridade, não há verdade compartilhável.
2. O ato de discordar exercido com honra
É sempre um prazer ouvir alguém que, ao discordar, o faz com reverência e raciocínio:
“José, se você me der licença para discordar, creio que isso que você afirma não funciona por razões A, B e C. E vou lhe explicar por quê.”
Esse tipo de postura pressupõe três virtudes cardeais do diálogo civilizado:
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Humildade, ao reconhecer que o outro merece consideração.
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Justificação racional, ao não fazer juízo sem demonstração.
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Busca do bem comum, ao dialogar com vistas à verdade.
Como observa Aristóteles, “é próprio do homem virtuoso ser verdadeiro tanto no discurso quanto na ação”². A discordância honrada, portanto, é virtude em ato.
3. O ato de discordar exercido com arrogância
Em contraste, há quem diga “discordo” de forma seca, imperativa, como se bastasse enunciar a rejeição para que tudo o que foi dito se tornasse falso. Isso revela uma relação patológica com o saber. Ao invés de desejar compreender, o sujeito deseja calar o outro. Olavo de Carvalho, refletindo sobre esse fenômeno, observa:
“O debate não é a luta entre opiniões, mas o encontro entre consciências diante da verdade. Quem entra num debate apenas para fazer valer a própria opinião já está moralmente vencido.”³
Essa forma de “discordar” revela o orgulho ferido, não a inteligência desperta.
4. Sobre um critério que encontrei com base na experiência pessoal
Na minha trajetória de debates e estudos, nunca encontrei alguém que iniciasse uma objeção com um “discordo” imperativo e seco e que depois demonstrasse real abertura para a verdade. Sempre que esse padrão se repete, logo descubro que tal pessoa conserva, em seu interior, não um amor à realidade, mas um amor ao próprio ego.
A prudência, então, recomenda afastar-se. Como ensina a Escritura: “Evita o homem faccioso, depois de admoestá-lo uma ou duas vezes” (Tt 3,10). E como também indica São Bento em sua Regra: *“Evita discussões, pois nada são mais prejudicial à caridade”*⁴ — sobretudo aquelas que nascem do orgulho.
5. Conclusão
A forma como alguém discorda é, muitas vezes, mais reveladora do que o conteúdo de sua discordância. O tom imperativo denuncia um espírito vaidoso e autorreferente. O tom respeitoso, por outro lado, revela amor à verdade e ao próximo.
Diante disso, afirmo: a maneira como se discorda revela o ethos do interlocutor. E, por isso, aquele que busca a verdade precisa saber quando calar, quando ouvir e quando se retirar.
Notas de Rodapé
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AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. II-II, q. 33, a. 1. A correção fraterna é um dever de caridade quando se trata de ajudar o próximo a superar um erro moral ou intelectual.
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 1991. Livro IV, cap. 7.
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CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 2000. Capítulo 2: O Debate como Encontro de Consciências.
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BENTO, São. Regra de São Bento. Tradução de Frei Basílio Penido. São Paulo: Vozes, 2002. Capítulo 6 e 69: Contra a tagarelice e contra as disputas.
Referências Bibliográficas
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ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
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AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001. Vol. 5.
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BENTO, São. Regra de São Bento. Trad. Frei Basílio Penido. Petrópolis: Vozes, 2002.
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CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. Rio de Janeiro: Record, 2000.
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BÍBLIA. Tradução Ave-Maria. São Paulo: Ave-Maria, 2002.
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