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terça-feira, 15 de julho de 2025

O Centrão e A Classe Senatorial Romana: estabilidade pela adesão

Resumo

Este artigo busca traçar um paralelo entre o chamado centrão da política brasileira contemporânea e a antiga classe senatorial romana. Embora separados por mais de dois milênios, ambos os grupos compartilham traços notáveis no que diz respeito à sua relação com o poder, o pragmatismo político e a manutenção de uma ordem estável, ainda que à custa de princípios ideológicos. A análise será feita à luz da história política romana, da teoria das elites e da realidade institucional brasileira.

1. Introdução

Na política brasileira, o termo centrão refere-se a um conjunto informal de partidos e parlamentares com perfil fisiológico, que se destacam pela sua capacidade de influenciar o Executivo por meio de negociações pragmáticas e adesismo sistemático. Essa prática política, por vezes criticada como oportunista, pode ser melhor compreendida se for observada sob uma lente histórica.

Neste artigo, propomos uma comparação com a classe senatorial da Roma Antiga, especialmente no período da transição da República para o Império, momento em que o Senado também se destacou por seu pragmatismo, sua resistência a reformas e sua busca pela sobrevivência política, mesmo diante da centralização do poder nas mãos dos imperadores.

2. O Centrão: entre o fisiologismo e a governabilidade

O centrão surgiu como força política na redemocratização, mas consolidou-se a partir da Constituição de 1988. Sua lógica interna não é ideológica, mas pragmática: prioriza o acesso a cargos, controle de emendas e distribuição de recursos orçamentários.

"Centrão é a biruta da política brasileira", como bem expressa o senso comum, pois acompanha o vento mais favorável no Executivo — seja ele de esquerda ou de direita.

Esse comportamento adesista serve, paradoxalmente, como estabilizador do sistema, evitando crises institucionais agudas, mas também perpetuando a lógica do toma-lá-dá-cá, o que dificulta reformas estruturais.

Segundo Maria Hermínia Tavares de Almeida (2005), o presidencialismo de coalizão no Brasil só funciona com a cooptação de partidos sem identidade programática clara, cuja lealdade depende da barganha constante com o Executivo¹.

3. O Senado romano: elite pragmática e conservadora

Na Roma Antiga, o Senado era o principal órgão de deliberação da República. Composto inicialmente apenas por patrícios, e mais tarde também por plebeus ricos, o Senado exercia funções políticas, religiosas, jurídicas e administrativas. Seu poder, entretanto, foi gradualmente sendo corroído pela ascensão dos imperadores, sobretudo a partir de Júlio César e, definitivamente, com Augusto.

Apesar disso, o Senado não desapareceu. Ao contrário, adaptou-se ao novo regime, mantendo prerrogativas simbólicas e funções práticas na administração do Império. Muitos senadores preferiram aderir ao novo modelo do que enfrentá-lo, preservando sua influência pessoal e o status quo aristocrático.

Segundo Fergus Millar (2002), o Senado romano, embora eclipsado pelo poder imperial, continuou sendo um fórum central para a elite romana, operando como um espaço de negociação entre a aristocracia e o imperador².

 4. Semelhanças entre Centrão e Senado Romano

Critério Centrão Brasileiro Senado Romano
Pragmatismo político Adesismo ao governo vigente Alinhamento com o imperador
Base de poder Emendas, cargos e clientelismo Terras, clientelas e tradição
Função estabilizadora Evita rupturas e crises Contenção de conflitos entre elite e César
Resistência à mudança estrutural Boicote a reformas que afetem seu poder Conservadorismo aristocrático
Sobrevivência pelo poder de barganha Apoia o governo em troca de benefícios Apoia o imperador para manter privilégios

Ambos representam uma classe dirigente com baixa vocação reformadora, mas com alta capacidade de adaptação.

5. Diferenças estruturais relevantes

Apesar das semelhanças funcionais, há diferenças relevantes:

  • O Senado era uma instituição formal e centenária; o centrão é uma aliança informal e fluida.

  • A elite senatorial romana era hereditária e socialmente distinta; o centrão é transversal a partidos e origens.

  • O Senado, ao menos em teoria, competia com o Executivo; o centrão vive da simbiose com o Executivo.

Como observa Norberto Bobbio (2000), a diferença entre a aristocracia clássica e os grupos de pressão modernos reside na formalização da autoridade. O centrão é um grupo de pressão fluido, não uma aristocracia institucionalizada³.

6. Conclusão

A comparação entre o centrão e o Senado romano ilumina a persistência de estruturas políticas intermediárias que operam com base no pragmatismo e no conservadorismo, mesmo em regimes formalmente distintos. Embora o centrão não tenha o prestígio simbólico do Senado romano, exerce função análoga: manter a máquina funcionando, mesmo ao custo de inércia institucional.

Ambos são birutas — não por fraqueza, mas por cálculo: giram ao sabor dos ventos, mas sempre aterrissam onde está o poder.

Referências

  1. ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. A cabeça do poder: Presidencialismo, coalizão partidária e sistema de governo no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

  2. MILLAR, Fergus. The Emperor in the Roman World (31 BC–AD 337). Ithaca: Cornell University Press, 2002.

  3. BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo. Brasília: UnB, 2000.

Notas de rodapé

  1. ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. A cabeça do poder: Presidencialismo, coalizão partidária e sistema de governo no Brasil. São Paulo: Editora UNESP, 2005, p. 97-103.

  2. MILLAR, Fergus. The Emperor in the Roman World (31 BC–AD 337). Ithaca: Cornell University Press, 2002, p. 18-22.

  3. BOBBIO, Norberto. Teoria das formas de governo. Brasília: UnB, 2000, p. 134.

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