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quarta-feira, 24 de julho de 2024

Bicentenário da imigração dos povos de língua alemã para o Brasil - transcrição de um podcast

(0:03) Há 200 anos, começava uma migração em massa do território onde hoje fica a Alemanha (0:09) para o Brasil, um fenômeno que duraria décadas e que levaria quase 300 mil alemães ou falantes (0:15) de língua alemã para diferentes regiões brasileiras, com maior concentração nos estados (0:20) do sul. (0:20) Quando ainda fazia parte do reino de Portugal, Brasil e Algarves, o Brasil já havia tentado (0:26) a instalação de colônias alemãs na Bahia, por exemplo, mas o projeto não vingou. (0:30) Nova Friburgo, na Serra do Rio de Janeiro, já havia sido fundada por suíços, mas na (0:35) época o Brasil ainda não era independente.

(0:38) Por isso, a primeira colônia fundada efetivamente para imigrantes provindos de territórios (0:43) onde hoje se situa a Alemanha após a proclamação da independência em 7 de setembro de 1822 (0:50) foi a de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul. (0:53) Foi lá que os primeiros 39 imigrantes chegaram no dia 25 de julho de 1824, depois de uma (1:01) viagem que durou pelo menos três meses. (1:04) Mas e como e por que esses imigrantes escolheram o Brasil como destino? (1:08) Bom, há uma série de razões.

(1:10) É uma história complexa e cheia de nuances geopolíticas e econômicas que eu explico (1:15) a partir de agora. (1:17) Quem me ajuda a contar um pouco dessa saga é o escritor e pesquisador Rodrigo Trespa, (1:21) autor do livro 1824, Como os Alemães Vieram Parar no Brasil. (1:27) A promessa na Alemanha era de que todos receberiam sementes, ferramentas, animais, subsídios (1:33) e 77 hectares de terra.

(1:35) A divisão foi feita de forma que uns receberam muito mais do que isso e outros menos da metade (1:41) e de forma bastante irregular. (1:42) Isso já nos primeiros anos, desde a demarcação de terra. (1:45) Mostra o quão corrupto era o governo da época.

(1:48) Eu entrevistei o Rodrigo para um documentário sobre os 200 anos da imigração alemã para (1:53) o Brasil, que poderá ser assistido no canal da DW Brasil no YouTube e em emissoras de (1:58) televisão parceiras no Brasil. (2:13) Está no ar o DW Revista, o podcast semanal produzido pela redação brasileira da DW. (2:20) Eu sou o Guilherme Becker e falo diretamente de Bonn, na Alemanha.

(2:23) Nesta edição, vamos explorar por que o Brasil foi um dos países que mais recebeu imigrantes (2:29) alemães a partir do século XIX. (2:31) E este não será o único episódio sobre o tema. (2:34) Ao longo das próximas semanas, vamos lembrar de outros capítulos, alguns deles um tanto (2:39) desconhecidos sobre a imigração alemã para o Brasil.

(2:57) Se a gente tivesse que resumir o início do processo que levou milhares de alemães a (3:02) imigrarem para o Brasil ao longo dos séculos XIX e XX, podemos citar quatro principais (3:07) motivos. (3:08) Primeiro, uma Europa devastada devido às guerras napoleônicas entre o fim do século (3:13) XVIII e o início do século XIX. (3:16) Depois, a Revolução Industrial, que afetou muitas regiões do interior da Europa, ou (3:20) da Alemanha, neste caso, também entre o fim do século XVIII e o início do século XIX. (3:25) Terceiro, a Independência do Brasil, consumada em 1822. (3:30) E por fim, o caminho aberto para a abolição da escravatura. (3:34) Tudo isso que eu citei aqui fez com que os habitantes dos então reinos do território (3:38) onde hoje se situa a Alemanha enxergassem uma grande oportunidade para mudar de vida, (3:43) para vislumbrar uma melhor qualidade de vida, ainda que em um lugar desconhecido e distante.

(3:49) Aqui vale lembrar que a Alemanha como conhecemos hoje só foi formada em 1871, depois de a Prússia (3:56) e outros reinos derrotarem a França e, anos antes, a Áustria e a Dinamarca, em guerras (4:01) que começaram na década de 1860. (4:04) Na maior parte do século XIX, a Alemanha era, portanto, uma grande colcha de retalhos, (4:10) vamos dizer assim, um punhado de reinos, tendo a Prússia como o maior deles e também outros (4:15) com nomenclaturas hoje conhecidas por intitularem estados alemães, como é o caso de Bayern, (4:21) Baviera em português, Hessen e Sachsen, Saxônia em português, ou mesmo cidades como Hanover (4:28) e Hamburgo. (4:29) E também por isso, a imigração alemã para o Brasil é conceituada primeiramente como (4:34) uma imigração de povos de língua alemã, em vez de considerada propriamente de alemães.

(4:40) Fato é que a data de 25 de julho de 1824 ficou consolidada porque o então chefe da (4:45) colônia de São Leopoldo, o doutor Johann Daniel Hillebrand, registrou esse dia como (4:50) sendo o da chegada dos primeiros 39 imigrantes alemães ao local, a cerca de 30 quilômetros (4:55) de Porto Alegre, ao norte de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. (4:59) Mas, como o Rodrigo me explicou no bate-papo que tivemos para o documentário, há controvérsias (5:04) em relação ao ano e a data da chegada dos imigrantes. (5:08) Ouçam só.

(5:09) Há o ano porque nós temos a presença de alemães ou populações que falavam o idioma (5:14) alemão antes de 1824. (5:16) A gente vai ter exemplos de alemães que foram enviados para a construção da Forteza do (5:20) Macapá, por exemplo, no norte do Brasil. (5:22) A gente vai ter a presença de... as primeiras experiências coloniais, digamos assim, são (5:26) com naturalistas alemães no sul da Bahia, em 1816, 1817, 1818.

(5:32) Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, em 1819, com os suíços, mas também havia, nesse (5:37) grupo que chega em 1920, há pessoas com origem nos estados que hoje formam a Alemanha, principalmente (5:45) da região sul, Baden, Baviera. (5:47) O fato de 25 de julho, porque quando foi instituída a data para se comemorar, ela é baseada no (5:52) documento do Rio Lebran, que era o diretor da colônia, que ele fez para o governo da (5:56) província a lista de todos os imigrantes que haviam chegado na província de 1924 até (6:01) então, na década de 1950. (6:02) Província no caso de São Pedro do Rio Grande do Sul, que hoje é o estado do Rio Grande (6:06) do Sul.

(6:07) E ele faz isso baseado em algumas cartas, documentos de época, mas ele não tem todas (6:11) as informações necessárias para isso. (6:12) Ele aponta o 25 de julho, mas a gente tem uma carta do governador da província, da época, (6:17) em que ele notifica o governo imperial que os imigrantes alemães já haviam deixado (6:24) Porto Alegre alguns dias antes. (6:26) E de Porto Alegre até San Leopoldo não leva mais do que um dia para se chegar.

(6:30) Então eles podem ter chegado no dia 23, dia 24, antes do dia 25. (6:35) O fato é que se instituiu dia 25, o Rio Lebran registrou nisso num livro, os primeiros 39 (6:40) imigrantes alemães, 25 de julho de 1924. (6:43) E aí ficou marcado com uma data que se lembra essa efeméride, lembra essa data e que marca (6:48) o bicentenário.

(6:49) Eu também perguntei ao Rodrigo sobre as questões geopolíticas e econômicas do início (6:53) do século XIX que acabaram influenciando a emigração de alemães rumo ao Brasil. (6:58) Questões essas provocadas, por exemplo, por Napoleão Bonaparte. (7:02) Talvez se não fosse o Napoleão, o Brasil seria diferente com a evolução francesa, (7:06) com o aumento do império francês, a consolidação do império francês através do Napoleão.

(7:11) Ele acaba expandindo a França, numa época de conquistas, de expansionismo. (7:15) Ele vai obrigar o Dom João VI, que é o rei de Portugal, a deixar Portugal e vir para o Brasil, (7:20) que é, inclusive, uma ideia bastante antiga de Portugal, de mudar a capital para a sua colônia. (7:25) Já vinha de tempo, mas o Napoleão impele isso, para que ele venha para o Brasil.

(7:28) O Brasil vai se transformar de uma simples colônia, ou de uma colônia de exploração (7:33) portuguesa, para um país. (7:34) Vai receber toda a estrutura e os aparatos que um país tem para se organizar. (7:39) A corte vem toda para cá.

(7:40) Então, é culpa do Napoleão. (7:42) E é o Dom João VI que começa, através de acordos comerciais com a Inglaterra, (7:46) a trabalhar essa ideia de substituir a mão de obra escrava, abolir a escravidão, (7:51) e proporcionar, ou patrocinar, as primeiras experiências com imigração. (8:02) Antes de voltar a falar com o Rodrigo, eu queria lembrar que o DW Revista pode ser acessado (8:07) por meio de plataformas como o Spotify, onde basta procurar pela playlist DW Revista.

(8:12) Além disso, tem no Deezer, iTunes, Google Home e Alexa. (8:15) Em tablets ou celulares, é só baixar o aplicativo Google Assistente para Android ou iOS. (8:22) Bom, então quem eram esses imigrantes alemães que chegaram em 1824 ao Brasil? (8:28) É importante dizer, sim, que eles eram bem diversificados.

(8:31) Quando o Bonifácio envia o Schiffer para a Alemanha... (8:33) Só um rápido parêntese aqui, o José Bonifácio foi um dos principais organizadores da independência (8:38) do Brasil e, consequentemente, um dos mentores da abertura do país para a imigração europeia. (8:42) E o Georg Anton von Schiffer, citado agora pelo Rodrigo, (8:46) foi o emissário enviado pelo Bonifácio à Europa para recrutar imigrantes. (8:50) São dois grupos que ele pede, que busque famílias de colonos, agricultores e artesãos, (8:56) e também soldados para fornecer a mão de obra especializada e homens para o exército.

(9:02) O Brasil tinha essa ideia de que iria romper com Portugal, como de fato rompeu na sequência, (9:06) e não tinha o exército formado. (9:08) E aí também entra o Napoleão, porque a Alemanha é um país que participou (9:12) relativamente das guerras napoleônicas, fornecendo, inclusive, a alguns estados alemães. (9:15) Como o pessoal da região do Hessen, a região do Reno, (9:18) foi anexada ao Império Francês, fazia parte do Império Francês, (9:21) então essa população tinha uma experiência militar, porque havia servido nos exércitos de Napoleão, (9:26) então serviria bem para o exército brasileiro.

(9:28) Boa parte dos oficiais que vieram tinham ligação com a França, com a Alemanha e com a França. (9:33) Então, assim, a população, depois de anos de guerra, é uma população empobrecida (9:38) por anos difíceis de guerra, de produção ruim na agricultura, (9:43) invernos rigorosos, nos últimos anos havia invernos rigorosos, a agricultura não conseguia produzir mais. (9:48) Outra coisa que o Napoleão tem de importante é a imposição da vacinação (9:51) para populações que baixam, aumentam a taxa de vida.

(9:55) Vacinado consegue sobreviver mais a doenças e limita algumas, (9:59) e isso faz com que essa população do Reno, por exemplo, (10:01) que é a população que estava na França, seja beneficiada. (10:05) A questão da Revolução Industrial, por exemplo, é o oposto, (10:10) ela prejudica essa população que trabalha com artesanato, (10:13) porque a máquina começa a substituir o homem, (10:15) um sapateiro, por exemplo, vai produzir menos do que a fábrica, (10:18) o tecido, enfim, de essas profissões... (10:21) Tecelão, ferreiro... (10:22) Várias. (10:23) Passa a deixar a idade média, digamos assim, a aldeia, a produção para o consumo local, (10:30) a produção é muito maior.

(10:31) Bom, falando dessa primeira leva de imigrantes que chegou ao Brasil em 1824, (10:36) é impossível desconsiderar que a pobreza dessas pessoas era imensa. (10:41) A maioria era pobre, quase totalidade. (10:43) Por exemplo, os solteiros.

(10:44) Quem não podia pagar passagem, por exemplo, para vir, (10:46) iria servir quatro anos no Exército Imperial. (10:49) A gente vai ter aí, são quase 3 mil alemães que servem no Exército Imperial brasileiro, (10:52) desse grupo de 11 mil. (10:53) Os solteiros vão servir no Exército.

(10:56) Pagam essas terras que eles vão receber servindo no Exército. (10:59) Mas, assim, esse é um projeto específico do primeiro reinado. (11:03) Eles vão receber terras, vão receber auxílio, mas é uma minoria. (11:06) Dentro do contexto, a gente vai ter aí quase 300 mil alemães ao longo da história no Brasil. (11:10) Então, só 11 mil que vieram para cá nesse período. (11:12) A maioria precisou custear e pagar passagem dentro de outros projetos. (11:16) Iniciativa privada, que trouxe muita gente. (11:19) O Entreguerras, que foi um período que muitas pessoas deixaram fugir da Europa. (11:23) As províncias também, como eu falei antes, (11:25) as províncias estabeleciam projetos diferentes dentro dos seus contextos.

(11:29) Algumas cobravam, outras faziam um sistema diferente. (11:33) Então, o que nós falamos aqui hoje, o que a gente lembra dos 200 anos, (11:36) é esse projeto do primeiro reinado. (11:37) Brasil independente, que completa 200 anos em 1824, relembrando 1824.

(11:42) E por que São Leopoldo, no extremo sul do Brasil? (11:45) A ideia, voltamos ao Bonifácio. 

(11:47) A ideia do Bonifácio, ele escreve um documento que lhe dá o chifre, que ele vai para a Europa, (11:52) criar colônias rural-militares, (11:55) produzissem produtos agrícolas, artesanato e fornecesse homens para o exército. (12:01) E a região mais complicada do Brasil, de fronteira, é a região sul.

(12:06) Era a região sul, historicamente, conflito com Espanha e Portugal, (12:10) o Rio Grande do Sul mudou muitas vezes de lado. (12:12) E a ideia foi guarnecer essa região, (12:15) proteger essa região do que acontecia do outro lado do Prata, que é a Argentina. (12:19) E o Rio Grande do Sul era muito pouco povoado, (12:22) populações indígenas, mas sem estrutura europeia de cidades, enfim. 

(12:26) Para ter uma ideia, Porto Alegre tinha menos de 10 mil habitantes na época. (12:30) E era a principal cidade. (12:31) Era a principal cidade, a capital.

(12:32) Desorganizada, a colônia de São Leopoldo também enfrentou problemas nas divisões dos lotes (12:37) e outras promessas feitas pelo então governo imperial brasileiro. (12:41) Ouçam só. (12:42) As divisões dos lotes também foram feitas de forma equivocada, (12:46) porque a promessa na Alemanha era de que todos receberiam sementes, (12:51) ferramentas, animais, subsídios e 77 hectares de terra.

(12:55) A divisão foi feita de forma que uns receberam muito mais do que isso (12:59) e outros menos da metade e de forma bastante irregular. (13:02) Isso já nos primeiros anos, desde a demarcação de terra. (13:05) Mostra o quão corrupto era o governo da época, tanto o imperial quanto o provincial, (13:10) nessa questão de distribuição.

(13:11) É porque o projeto era financiado pelo governo brasileiro, imperial. (13:15) Isso só vai mudar a partir de 1934, (13:17) porque eles chegavam num lugar estranho, (13:19) porque eles não sabiam o que plantar, não sabiam que árvore cortar. (13:22) Então eles tinham que ter um subsídio.

(13:24) E por isso que o governo deu as terras e também o subsídio. (13:26) Isenção de impostos durante 10 anos. (13:28) Depois de 1834, 10 anos depois, (13:31) o governo imperial concedeu às províncias brasileiras, aos estados brasileiros, autonomia.

(13:36) Cada uma província iria decidir da forma que achasse melhor como isso seria feito. (13:41) Santa Catarina de um jeito, Espírito Santo de outro. (13:43) Por isso que a gente vai ter, por exemplo, a criação de Blumenau, mais tarde, (13:46) com lotes de terra menor.

(13:47) Porque também as províncias terceirizaram essa empreitada. (13:52) Passaram a empresas privadas, (13:53) ou o processo de ir para a Europa, trazer colonos, agenciar colonos. (13:58) Custear o navio, pagar a passagem, se fosse o caso.

(14:00) Depois seria cobrado, eles pagariam posteriormente. (14:03) Então muda sempre esse contexto. (14:05) Esse contexto que a gente fala.

(14:06) Dos 200 anos, o primeiro projeto de imigração alemã foi financiado pelo governo. (14:11) Os demais projetos têm cada um a sua particularidade, (14:14) dependendo da época em que vieram, do lugar que foram. (14:28) A edição desta semana do DW Revista, (14:31) que é uma produção da DW em Bonn, na Alemanha, fica por aqui.

(14:35) Fica aqui também meu muito obrigado ao Rodrigo Trespar (14:37) por todas essas informações compartilhadas neste episódio. (14:41) Mais conteúdos você encontra no nosso site dw.com.br e também no canal da DW Brasil no YouTube. (14:48) A produção, apresentação e edição técnica do DW Revista são minhas, Guilherme Becker.

(14:53) Revisão final, Leila Endrovaite e Fernando Kaulit. (14:56) Coordenação, Erika Kokkai. (14:58) O DW Revista volta na sexta-feira que vem.

(15:01) Obrigado por acompanhar a gente e um bom final de semana.

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