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quinta-feira, 25 de julho de 2024

A empresa que forjou o mundo moderno: a Companhia das Índias Orientais

 

Navio da Companhia das Índias Orientais em missão comercial na Índia

(0:00) Quando a Companhia das Índias Orientais encomendou a pintura dos eventos que aconteceram em 1623 em (0:08) Amboina, uma ilha produtora de cravo no que é hoje o arquipélago indonésio, a pintura inflamou e tocou (0:15) fogo na opinião pública. Intitulada As atrocidades de Amboina, a pintura retratava a tortura e (0:21) decapitação de dez comerciantes ingleses por agentes holandeses, alegadamente por tentarem (0:27) tomar o controle do lucrativo comércio de especiarias na região. A pintura era tão incendiária que após (0:33) apenas duas semanas em exibição na sede da Companhia, o rei ordenou que fosse removida e ela nunca mais (0:39) fosse vista em público.

Mas a memória dos eventos em Amboina perdurou. Entre 1624 e 1781, a Companhia (0:47) das Índias Orientais publicou uma dúzia de vezes um panfleto intitulado Uma Verdadeira Relação dos (0:52) Procedimentos Injustos, Cruéis e Bárbaros contra os Ingleses, com duas ilustrações assustadoras na (0:58) capa que retratavam interrogadores holandeses torturando os comerciantes ingleses, todos (1:03) eles agora transformados em mártires. O massacre de Amboina, como ficou conhecido, tornou-se parte da (1:09) história de origem da Companhia e, por extensão, do Império Britânico na Ásia.

A derrota em Amboina e (1:16) as mortes cruéis de seus comerciantes afastaram a Companhia do comércio de especiarias das Índias (1:21) Orientais e da competição com a Companhia das Índias Orientais Holandesas, VOC, VOC. Em vez (1:28) disso, a Companhia das Índias Orientais voltou-se para o comércio de têxteis, de algodão e seda com (1:33) o Império Mughal, no sul da Ásia, expandindo eventualmente seu comércio lucrativo para (1:38) produtos como chá e o tráfico ilegal de ópio, ao mesmo tempo que estendia sua influência pelo (1:43) subcontinente indiano até o Golfo Pérsico, China e outras partes da Ásia. O que começou no massacre (1:48) de Amboina acabaria por resultar na criação de um império que se estendia pelo globo e que, (1:54) por fim, forjou o mundo moderno como o conhecemos.

A Companhia das Índias Orientais, possivelmente a (2:05) parceria público-privada mais doloradora da história, contribuiu para a formação do Império (2:11) Britânico, impulsionou a industrialização da Europa e uniu a economia global. Ela era principal (2:16) entre dezenas de outras companhias que obtiveram direitos de monopólio e reivindicações soberanas (2:21) por meio de concessões políticas emitidas. Essas companhias, avatares da coroa, uniram a busca pelo (2:28) lucro com as prerrogativas do governo, embora muitas vezes governassem conforme o seu desejo, (2:34) sem respeito nenhum por leis, muito menos por costumes locais.

Importando matérias-primas, (2:40) elas alimentaram o setor de manufatura da Revolução Industrial, estimularam a demanda (2:44) por produtos estrangeiros e dominaram os crescentes mercados de capital de Londres, (2:49) ao mesmo tempo que executavam os desejos do Estado na construção do Império Britânico. (2:54) Essas companhias ajudaram a reivindicar quase um terço do território mundial para o Reino Unido, (2:59) tornando-se o Império o maior já conhecido. Desde essa época, os historiadores debatem (3:04) o significado e o impacto duradouro dessas empresas da Era Imperial.

Alguns deles, usando (3:09) o lucro e a escala delas como parâmetro, enxergam as gigantes corporações de hoje em dia como (3:14) manifestações contemporâneas de companhias desse tipo que eram comuns naquela época. (3:19) Outros veem na maior delas, a Companhia das Índias Orientais, como ainda mais poderosa. Ela já foi (3:25) descrita como a CIA, a NSA e a maior e mais terrível multinacional da Terra, tudo isso (3:31) junto na mesma empresa.

Uma corporação cujo poder, assim como o de uma empresa como o Meta, (3:36) permaneceu praticamente sem controle por anos. Essas companhias muitas vezes existiam além do (3:43) alcance da regulamentação estatal e, de muitas formas, funcionavam como estados (3:48) independentes, com suas próprias formas de soberania. Originárias de guerras incessantes, (3:53) a Companhia das Índias Orientais e a VOC tornaram-se duas das corporações mais poderosas (3:59) que o mundo já conheceu.

Ambas receberam monopólios garantidos pelo Estado e possuíam (4:03) poderes normalmente associados a estados soberanos, incluindo o direito de construir fortalezas, (4:08) ter exércitos, cunhar moeda, declarar guerra, assinar tratados e se envolver em diplomacia com (4:16) entidades não europeias. Elas eram também inconfundivelmente empresas comerciais na (4:21) vanguarda da inovação financeira, que combinadas com a ambição desenfreada e a licença para fazer (4:26) a guerra, geravam riqueza incrível, suficientes para impulsionar a era de ouro holandesa do século (4:31) XVII e a revolução industrial britânica no século XVIII e XIX. Em Amsterdã, pinturas de grandes (4:37) artistas como Rembrandt e Johannes Vermeer enfeitavam a época e ideias inovadoras, incluindo (4:43) a dos filósofos Baruch Spinoza e Hugo Grotius, se espalharam por todo o lugar.

Em Londres, (4:50) commodities importadas contribuíam para o crescimento da produção nacional e o surgimento (4:55) de uma classe média urbana. Muitos na época, incluindo o pensador e conservador Edmund Burke, (5:00) viam as fortunas da Companhia das Índias Orientais e as da Grã-Bretanha como estando (5:06) inexoravelmente ligadas. A VOC surgiu como a primeira empresa de capital aberto do mundo, (5:12) pagando dividendos médios anuais de 18% por quase dois séculos.

Em seu auge, a VOC valia o equivalente (5:19) a cerca de US$ 7,9 trilhões de hoje, um valor maior que a soma dos valores atuais combinados (5:27) de Alibaba, Alphabet, Amazon, Apple, AT&T, Bank of America, Brackshire Hathaway, Chevron, (5:34) ExxonMobil, Facebook, Johnson & Johnson, McDonald's, Netflix, Samsung, Tessent, Visa e Walmart. (5:42) Já a Companhia das Índias Orientais evoluiu para uma empresa de capital aberto permanente em 1657. (5:49) Semelhante às corporações modernas, ela tinha o status legal de uma pessoa jurídica com direitos, (5:55) mas poucas obrigações, ações transferíveis, responsabilidade limitada e uma separação entre (6:01) gestão, os diretores, e proprietários, os acionistas.

Assim como na VOC, qualquer um poderia (6:07) investir na empreitada de comércio imperial, lucrando financeiramente e até reivindicando (6:12) um certo poder ultramarino. Se vocês terem uma ideia, no início do século XIX, a Companhia (6:18) das Índias Orientais tinha um exército privado de 200 mil soldados, duas vezes o tamanho do Reino (6:23) Unido. Era responsável por quase metade do comércio do país e governava a maior parte do (6:28) subcontinente indiano.

Acionistas elegiam anualmente comerciantes e estadistas que (6:34) elaboravam e implementavam políticas, determinando o destino de milhões de (6:38) habitantes das regiões que eram submissas à Companhia. A VOC e a Companhia das Índias Orientais (6:44) borraram as fronteiras entre o público e o privado em busca de lucro e poder, mas elas não estavam (6:49) sozinhas. Estados europeus concederam esse tipo de licença e ajudaram dezenas de empresas privadas (6:56) que, por sua vez, forneceram os motores da expansão imperial e capitalista ao redor do mundo.

(7:01) Na marcha da Inglaterra para construir seu império, havia dezenas de outras companhias do tipo que (7:06) receberam direitos de monopólio e que financiaram e impulsionaram as primeiras tentativas de fundar (7:12) colônias inglesas e lucrar com o comércio de todo tipo de matérias-primas, bem como de pessoas (7:17) escravizadas. Mercadores ingleses estabelecendo as bases econômicas e políticas do império ainda (7:23) assim dependiam da intervenção do Estado para garantir o seu acesso aos mercados. Navios (7:28) militares mantinham as portas do comércio abertas, por exemplo, na China durante as guerras do Ópio no (7:33) século XIX.

A marinha policiava as águas coloniais, protegendo o transporte de mercadorias especialmente (7:39) após a Batalha de Lagos, uma devastadora derrota em 1693. As empresas imperiais contribuíram (7:46) generosamente para os cofres do Estado por meio de taxas afandegárias, com apenas 5 empresas, (7:52) principalmente a Companhia das Índias Orientais, respondendo por cerca de um terço do orçamento (7:57) público da Grã-Bretanha em meados do século XVIII. As empresas também ajudaram a gerar muitos (8:03) empregos, seja nos portos de Londres ou em alto mar e nos campos de batalha do império.

A Levant (8:09) Company sozinha empregava cerca de 5 mil marinheiros até o final do século XVII. Mas, interpretar (8:16) o Império Britânico como uma história de colonialismo corporativo ainda deixa apenas uma (8:21) imagem parcial dessa história. David Livingstone, o famoso missionário e explorador britânico do (8:29) século XIX, resumiu o credo imperial do Reino Unido em três palavras, cristianismo, comércio e (8:36) civilização.

O poder e o lucro certamente impulsionaram os Estados e empresas, assim como (8:41) fazem com as corporações hoje em dia. Mas os Estados e empresas, na Era do Império, não operavam (8:46) em vácuos ideológicos, assim como as corporações modernas. A noção de missão civilizadora do Reino (8:53) Unido era vista como algo muito importante tanto na metrópole quanto no resto do Império.

Isso (8:58) levou inúmeros missionários, como Livingstone, a espalhar o Evangelho e as normas ocidentais ao (9:04) redor do mundo, enquanto jovens administradores coloniais tentavam remodelar os súditos do Império (9:10) à imagem liberal e moderna do Reino Unido. Mas a Companhia das Índias Orientais não era (9:14) uma unanimidade, muito menos era eterna e, eventualmente, se viu desmontada e eliminada (9:20) pelo Estado britânico. Já no século XVII, um membro do parlamento inglês escreveu a Companhia (9:26) como sugadora de sangue do bem-estar comum.

O comportamento destrutivo delas se estendeu às (9:33) populações locais por meio de medidas que geravam fome, políticas de trabalho exploradoras e táticas (9:39) de terra arrasada. O famoso economista Adam Smith chegou a ridicularizar as empresas desse tipo por (9:45) sua negligência, insistindo que eram resquícios de uma era passada de organização capitalista que (9:50) impediam o crescimento econômico e davam origem a uma má gestão e ao abuso. O próprio Burke, (9:56) quando político, liderou o julgamento de impeachment de Warren Hastings, o governador (10:02) geral de Bengala da Companhia das Índias Orientais, na Câmara dos Lords.

Indignado não (10:08) com a ambição imperial da Grã-Bretanha, mas com a conduta de Hastings e dos funcionários da (10:13) Companhia das Índias Orientais, a quem Burke ridicularizou. Meninos sem tutores, menores sem (10:20) guardiões, ele disse no julgamento. O mundo é liberado sobre eles, com todas as suas tentações, (10:27) e eles são liberados sobre o mundo, com todos os poderes que o despotismo envolve.

O parlamento, (10:34) especialmente após a crise fiscal da Companhia das Índias Orientais e o massivo resgate governamental (10:39) na década de 1770, insistiu em diminuir a soberania corporativa da empresa, substituindo-a (10:46) por um aumento na supervisão até que, após a rebelião sísmica na Índia em 1857, nacionalizou (10:52) a administração da empresa sobre o poder da coroa britânica. Menos de 20 anos depois, a empresa foi (10:58) dissolvida, embora suas práticas corruptas vivessem nos outros estados e empresas do Império, (11:03) bem como em algumas das corporações multinacionais de hoje. Os governos e as corporações de hoje podem (11:09) e devem aprender com os erros dos gigantes globais que financiaram e impulsionaram os (11:13) impérios europeus.

Essas empresas, lançadas como empreendimentos capitalistas, rapidamente se (11:19) tornaram parcerias público-privadas, adquirindo e mantendo territórios enquanto transcendiam (11:24) fronteiras soberanas e frequentemente se mantinham à distância das leis dos estados soberanos. (11:30) Assim como algumas das multinacionais de hoje, elas eram muito boas em fazer lobby e criar novas (11:36) estruturas e formas de empresas para evitar legislações conduzidas pelo Estado que não (11:40) conseguiam contê-las. O recente questionamento do Congresso dos Estados Unidos a Mark Zuckerberg e (11:46) a influência desproporcional do Facebook nos resultados políticos tinha certas semelhanças (11:50) com os interrogatórios de Hastings por Burke no século XVIII no parlamento.

Essas críticas (11:56) necessárias podem serem satisfatórias diante de crises globais existenciais que exigem soluções (12:02) em vez de lamentos e advertências. Seja a Companhia das Índias Orientais ou o Facebook, (12:08) as empresas multinacionais muitas vezes exploram as fraquezas do Estado ou a mais completa ausência dele.

Porfessor HOC

Postagem Original:

https://www.youtube.com/watch?v=eENBbr-uBo0

Versão em francês:

https://blogdejoseoctaviodettmann.blogspot.com/2024/08/lentreprise-qui-forge-le-monde-moderne.html