Introdução: quando a solidão é virtude
Vivemos a era do excesso. Games disputam atenção com velocidade, luzes e recompensas imediatas. Nesse cenário de competição desenfreada, a experiência do jogador solitário e contemplativo se torna cada vez mais rara — mas não menos necessária. O surgimento de jogos como Saelig, Medieval Dynasty e o modo online de Red Dead Redemption 2 sinalizam algo maior: o desejo de um outro tipo de imersão. Um modo de habitar o tempo digital com mais densidade, menos pressa, e maior profundidade existencial.
Este artigo propõe um novo paradigma: a criação de um MMORPG contemplativo, fundado na lentidão, na simulação histórica e na liberdade espiritual. Um jogo que, longe da lógica do vício e da vaidade, se aproxime mais de uma vida interior moldada pelo trabalho, pela terra, pela comunidade e pelo silêncio.
O passado que não morre: Ultima Online
Lançado em 1997, Ultima Online não foi apenas o primeiro MMORPG da história. Foi, em certo sentido, o mais ousado. Em vez de guiar o jogador por caminhos já definidos, ele o soltava num mundo persistente e dinâmico. Havia crimes, comércio, arquitetura, leis, religião e política — tudo isso sustentado por jogadores reais. A liberdade ali era autêntica, mesmo que custasse a perda de progressão rápida e de recompensas previsíveis.
Até hoje, Ultima Online sobrevive, não por nostalgia, mas por fidelidade dos seus jogadores, que compreenderam algo essencial: o verdadeiro MMO não é um parque de diversões, mas um mundo para se viver.
A Trindade do Contemplativo Digital: Saelig, Medieval Dynasty e Red Dead Online
Cada um desses jogos, à sua maneira, rompe com o paradigma dominante da indústria:
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Saelig simula a vida medieval anglo-saxã com uma precisão relacional rara. Aqui, casar, trabalhar e herdar são mais importantes que guerrear.
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Medieval Dynasty coloca o jogador como fundador de uma linhagem em uma região remota, num ciclo longo de colheitas, invernos, construção e silêncio.
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Red Dead Online, apesar das limitações herdadas da Rockstar, oferece momentos em que cavalgar sozinho ao entardecer vale mais do que qualquer combate ou missão.
Esses jogos não recompensam o “grinder”; recompensam o “habitante”. O jogador não joga — ele vive.
Proposta: Frontier – The Contemplative Age
E se uníssemos o espírito desses três jogos num só mundo? Surge então a ideia de Frontier – The Contemplative Age, um MMORPG que se recusa a ser “massivo” no sentido moderno e se dedica ao “massivo” no sentido espiritual: o peso da história, da terra, da alma e do tempo.
Características-chave:
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Tempo Real: Estações, colheitas, envelhecimento e construção seguem um ciclo real. Um castelo leva meses para ser erguido. Um filho leva anos para crescer.
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Economia Viva: Baseada em oferta e demanda real, com escassez, mercados regionais e necessidade de transporte físico. Uma caravana pode ser mais valiosa que um exército.
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Profissões Livres: O jogador pode ser monge, ferreiro, médico, pastor, comerciante ou camponês. Sem combates, se quiser. Sem obrigação de “progredir”.
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Solidão Respeitada: Não há chats globais. Apenas cartas, correios e mensageiros. A presença do outro é rara e, por isso, significativa.
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Morte e Sucessão: O personagem pode envelhecer, morrer e deixar herança. A dinastia é mais importante que o herói.
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Religião e Rito: Igrejas, jejum, festas, batismos, juramentos. Não se trata de um sistema moral fictício, mas de uma tentativa de reconstruir a lógica espiritual medieval — não como alegoria, mas como vivência.
Os obstáculos culturais e técnicos
É evidente que um jogo assim não atrairia os jogadores moldados pelo TikTok, pelo lootbox e pelo PvP frenético. É um jogo para uma minoria. Uma minoria exigente, paciente e espiritualmente madura. Mas esta minoria existe — e está órfã.
Do ponto de vista técnico, há desafios reais: servidores persistentes, sincronização climática, gerenciamento de latência. Mas nada disso é impossível com a tecnologia atual, especialmente com o suporte de comunidades como as que sustentam até hoje jogos como Dwarf Fortress e Project Zomboid.
Conclusão: habitar o tempo, redimir o espaço
Um MMORPG contemplativo não é uma fuga da vida. É uma forma de educar o olhar, de treinar o espírito, de reaprender a paciência, a lealdade e a responsabilidade. Ele não nos torna mais eficientes. Torna-nos mais humanos.
O futuro desse gênero não depende das grandes corporações. Depende de nós — dos solitários, dos pensativos, dos construtores de sentido. Aqueles que, como os fundadores de mosteiros, sabem que o tempo verdadeiro não se conta em segundos, mas em colheitas, preces, legados e bênçãos.
Se você, leitor, se vê nesse perfil — talvez já esteja jogando esse jogo sem saber. Talvez você já o tenha sonhado. Agora é hora de torná-lo realidade.
Referências:
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Richard Garriott. Ultima Online (Origin Systems, 1997).
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Stardew Valley e a cultura do tempo lento. Artigo em: Game Studies Quarterly, 2021.
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Red Dead Redemption 2: análise da imersão atmosférica. In: Journal of Virtual Worlds Research, 2020.
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Estudos de caso: Saelig e Medieval Dynasty. Fórum do Steam e comunidade Reddit, 2017–2025.
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