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sábado, 19 de julho de 2025

A nacionidade cristã na Era da Rede: política relacional, sociedade conectada e vínculo espiritual transnacional

“Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.”
— Gálatas 3, 28

Resumo

Este capítulo articula como a noção de política relacional, aliada à sociedade em rede de Castells, fundamenta uma teoria cristã da nacionidade que transcende fronteiras. Demonstramos que, na era dos fluxos transnacionais, assumir duas pátrias como casa em Cristo gera repercussões sociais, familiares e políticas — configurando uma presença que é, simultaneamente, espiritual e real.

Palavras-chave: rede, identidade, nacionidade cristã, vinculação relacional, Castells, transnacionalismo.

1. Sociedade em rede e crise da soberania nacional

Manuel Castells aponta que vivemos numa sociedade em rede, caracterizada por fluxos globais de informação, capital e pessoas que constituem novas formas de poder e organização social, além das fronteiras territoriais tradicionais¹. Esse modelo propicia um “espaço de fluxos” que desafia o espaço físico dos Estados-nação, reduzindo sua soberania efetiva, apesar de manterem sua influência².

A identidade coletiva e individual emerge nesse contexto a partir da tensão entre esse espaço global e o “eu” situado. Para Castells, os movimentos sociais formam-se como respostas a essa fragmentação, buscando rearticular identidades nacionais, étnicas, religiosas ou culturais como contrapeso à lógica da rede³.

2. Identidade nacional relacional no cristianismo transnacional

A política relacional cristã vê o indivíduo como participante de uma rede de aliança espiritual que não está confinada a um território — mas se estende pela fé, o batismo e a tradição. Quando alguém adota duas nações como uma mesma morada em Cristo, essa escolha gera vínculos morais e culturais dupla‑raiz, cujos efeitos reverberam nas famílias e nas comunidades eclesiais em ambas as nações.

Esses vínculos:

  • ampliam a experiência identitária e histórica da pessoa e sua linhagem;

  • multiplicam deveres de lealdade, justiça e educação moral;

  • provocam impacto político, uma vez que o mundo percebe tal pessoa como elo entre povos.

Essa configuração lembra Abraão que gerou uma descendência “para todas as nações” (Gn 17,4) — uma metáfora de ponte espiritual e cultural entre povos.

3. Repercussões sociais, políticas e familiares

No modelo da sociedade em rede, o testemunho pessoal religioso torna‑se ato político, já que flui pelas conexões familiares e sociais, gerando repercussão pública. Castells coloca que a identidade é central na formação de significados frente ao fluxo global — e que **movimentos identitários” (religiões, etnias) emergem como resistências ou como geradores de sentido num mundo líquido⁴.

Quando um cristão relacional vive simultaneamente por duas nações em Cristo, ele encarna uma diplomacia espiritual local e global:

  • crianças herdam múltiplas raízes culturais e espirituais;

  • famílias tornam-se pontes entre nações;

  • lideranças eclesiais influenciam paisagens políticas, culturais e diplomáticas.

4. A nacionidade cristã como ponte de mediação

Tal figura se aproxima do modelo do soldado-cidadão cristão: quem compreende as leis de Cristo e do Estado, serve corretamente a mais de uma nação sem trair nenhuma — mas sim, testifica a reconciliação. Missionários, exilados por consciência cristã e pais que educam sob dupla cidadania encarnam esse modelo.

Vivida com autenticidade, essa nacionidade permanece fiel ao Reino universal de Cristo. Vivida de modo instrumental, gera duplicidade moral e riscos familiares e sociais.

5. Conclusão

O entrelaçamento da política relacional, da sociedade em rede casteliana e da teoria cristã da nacionidade permite captar realidades contemporâneas: viver como cidadão de duas nações em Cristo não é mera abstração, mas fato político-relacional com consequências reais. Requer discernimento, fidelidade e sabedoria para não se tornar instrumento de manipulação ou confusão identitária.

Notas de rodapé

¹ CASTELLS, Manuel. The Rise of the Network Society. v. I de The Information Age: Economy, Society and Culture. Cambridge/Oxford: Blackwell, 1996.
² CASTELLS, M. “The Power of Identity”, v. II de The Information Age. Cambridge/Oxford: Blackwell, 1997, p. 243.
³ CASTELLS, M. “Materials for an Exploratory Theory of the Network Society”. British Journal of Sociology, v. 51, n. 1, p. 5‑24, 2000.
⁴ CASTELLS, M. Conversations with Manuel Castells, traduzido por Ince, Martin. Oxford: Polity Press, 2003.

Bibliografia

CASTELLS, Manuel. The Rise of the Network Society. v. I de The Information Age: Economy, Society and Culture. Cambridge/Oxford: Blackwell, 1996.

CASTELLS, Manuel. The Power of Identity. v. II de The Information Age: Economy, Society and Culture. Cambridge/Oxford: Blackwell, 1997.

CASTELLS, Manuel. “Materials for an Exploratory Theory of the Network Society”. British Journal of Sociology, v. 51, n. 1, p. 5‑24, 2000.

CASTELLS, Manuel; INCE, Martin (orgs.). Conversations with Manuel Castells. Oxford: Polity Press, 2003.

WIKIPÉDIA. Sociedade em rede. Disponível em: pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_em_rede. Acesso em: jul. 2025.

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