Resumo
Este artigo propõe uma reinterpretação teológico-jurídica do imposto de renda como expressão legítima da gratidão dos cidadãos a uma autoridade política que, reconhecendo-se como vassala de Cristo, patrocina obras que aperfeiçoam a liberdade espiritual e material do povo. Partindo de exemplos históricos como o patrocínio régio à Companhia de Jesus na América Portuguesa e o financiamento das indústrias de luxo na França absolutista, demonstra-se que a tributação é justa quando deriva de uma autoridade ordenada ao bem comum segundo a ordem natural e divina. A perspectiva aqui adotada recupera os fundamentos tradicionais do direito natural, opostos ao modelo fiscal expropriatório e burocrático do Estado moderno, e propõe critérios teológicos e morais para a legitimidade do imposto sobre a renda.
Palavras-chave: imposto de renda; autoridade; direito natural; monarquia católica; liberdade; bem comum.
1. Introdução
Na tradição jurídica ocidental, especialmente sob a influência do pensamento cristão, o poder político não é autônomo, mas derivado da ordem natural estabelecida por Deus. A autoridade legítima é aquela que se reconhece vassala do verdadeiro Rei, o Cristo, e que exerce o poder temporal para servir à verdade e ao bem comum. A tributação, nesse contexto, não é mero instrumento de arrecadação, mas expressão concreta da justiça distributiva e da gratidão do povo a uma autoridade que, servindo a Deus, aperfeiçoa a liberdade dos súditos.
Este artigo busca demonstrar que o imposto de renda, especificamente, só é moral e juridicamente legítimo quando recolhido por uma autoridade que emprega os recursos públicos para elevar espiritualmente e civilizar moralmente o povo, como exemplificado no patrocínio da Monarquia Portuguesa às missões jesuíticas ou na política de incentivo às indústrias de luxo sob o reinado de Luís XIII e Luís XIV, contexto no qual atuou São Vicente de Paulo.
2. O fundamento natural e teológico da autoridade política
A autoridade política, segundo o ensinamento clássico da Igreja, não é invenção do contrato social, mas sim deriva da própria natureza social do homem, criada por Deus. São Paulo já ensinava que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13,1), e Santo Tomás de Aquino reafirma que a política é uma arte ordenada ao bem comum⁽¹⁾.
O Papa Leão XIII, na encíclica Diuturnum Illud, reafirma que:
“A autoridade, como a sociedade, tem sua origem na natureza, e é, por consequência, estabelecida por Deus.”⁽²⁾
Esse princípio implica que a legitimidade do tributo está condicionada à legitimidade da autoridade que o exige. O tributo é justo não por si mesmo, mas porque é recolhido por uma autoridade que realiza sua função natural e divina: proteger os bons, punir os maus e promover o bem comum em conformidade com a verdade.
3. A Monarquia Portuguesa e o patrocínio à evangelização como exemplo de autoridade legítima
Durante o período em que éramos parte de Portugal, a Monarquia Portuguesa financiou largamente as missões da Companhia de Jesus na América. Não se tratava apenas de uma política de domínio territorial, mas de uma missão espiritual civilizadora: formar almas para Cristo, estabelecer escolas, alfabetizar os indígenas, ensinar ofícios e organizar a vida comunitária segundo o Evangelho⁽³⁾.
Serafim Leite relata:
“O Padre, mestre e missionário, substituía a autoridade ausente e tornava-se, em muitos casos, o verdadeiro pai espiritual e civilizador do gentio. E para isso era sustentado pelo próprio rei.”⁽⁴⁾
Esse modelo confirma que a Coroa portuguesa exercia autoridade conforme o direito natural, pois subsidiava não o mero domínio político, mas a difusão da verdade e a formação moral dos súditos, que é o que verdadeiramente liberta (cf. Jo 8,32).
4. A indústria do luxo no tempo da Monarquia Francesa e a superação da miséria
Outro exemplo de autoridade que aperfeiçoa a liberdade nos méritos de Cristo encontra-se na França dos séculos XVII e XVIII, onde a monarquia absolutista investia no desenvolvimento das chamadas indústrias de luxo — tapeçarias, manufaturas, porcelanas, alta-costura — como forma de promover a economia e gerar trabalho para os mais pobres.
Nesse mesmo contexto, São Vicente de Paulo atuava em Paris e nas províncias, organizando instituições de caridade, hospitais, orfanatos, e conciliando a ação da Igreja com a política de promoção social indireta promovida pela Coroa⁽⁵⁾.
Portanto, quando o soberano utiliza os tributos para financiar obras que elevam moral e espiritualmente o povo, a cobrança do imposto de renda é justa, pois representa a participação do cidadão nos frutos de uma autoridade santificadora.
5. O tributo sobre a renda como sinal de gratidão à autoridade justa
Assim compreendido, o tributo sobre a renda não é mera prestação pecuniária compulsória ao Estado, mas expressão de justiça e gratidão para com aquele que, no exercício da autoridade, aperfeiçoa a liberdade dos governados por meio do patrocínio a instituições de ensino, arte, religião, e assistência.
Esse tributo se justifica nos méritos de Cristo, quando recolhido por uma autoridade que não busca a sua glória, mas a glória de Deus na santificação da sociedade. Tal autoridade não é tirânica nem burocrática, mas paternal e subsidiária, como ensina Pio XI:
“Não se pode tirar aos particulares e transferir para a comunidade o que eles podem realizar por sua própria iniciativa e com seus próprios meios.”⁽⁶⁾
6. O imposto de renda como dízimo à autoridade vassala de Cristo
O imposto de renda, quando recolhido por uma autoridade que se reconhece vassala de Cristo, assume natureza de dízimo: não se trata de caridade, nem de auxílio, mas de reconhecimento e justiça. Assim como os hebreus ofereciam o dízimo ao Templo em gratidão pelo Deus que os libertou do Egito, o cidadão cristão oferece parte de sua renda ao soberano que, nos méritos de Cristo, o livra da ignorância, da tirania e da miséria.
Essa concepção eleva o tributo a uma forma de ato ritual de gratidão ordenada, cujo significado pode ser expresso na seguinte fórmula:
“Senhor, recebei o meu tributo — não é uma esmola, porque não sois mendigo; nem um auxílio, porque não precisais dele. Esta oferta representa a minha gratidão, pois o que eu tenho eu recebi de vós, nos méritos de Cristo.”
É esse o verdadeiro espírito da tributação cristã: o tributo sobre a renda é o dízimo social da liberdade recebida por meio da autoridade justa, e sua legitimidade depende de estar a serviço da verdade e ordenado ao bem comum sobrenatural.
7. Conclusão
O tributo sobre a renda, na perspectiva cristã clássica, só é legítimo quando cobrado por uma autoridade que age como vassala de Cristo, buscando o bem espiritual e material de seus súditos. O patrocínio à educação religiosa, às artes, ao cuidado dos pobres e ao desenvolvimento de ofícios são expressões de um governo justo, e a resposta justa a esse governo é a gratidão expressa no tributo voluntário e moralmente devido.
Ao contrário da exação moderna, fundada na soberania autônoma do Estado, o modelo tradicional nos ensina que a liberdade dos cidadãos cresce na medida em que a autoridade se ordena ao Todo que vem de Deus. Esse é o verdadeiro fundamento jurídico e moral do tributo sobre a renda.
Referências Bibliográficas
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TOMÁS DE AQUINO, Santo. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001, I-II, q. 90-97.
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LEÃO XIII. Diuturnum Illud, 1881. In: Cartas Encíclicas. Petrópolis: Vozes, 2003.
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MARITAIN, Jacques. O Homem e o Estado. São Paulo: É Realizações, 2005.
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LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Livraria Portugália, 1938, v. I, p. 203.
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BERDIAEFF, Nicolas. A Idade Moderna e o Destino do Homem. São Paulo: Paulus, 2000.
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PIO XI. Quadragesimo Anno, 1931. Disponível em: https://www.vatican.va
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BENTO XVI. Caritas in Veritate. Vaticano, 2009.
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BENTO XVI. Jesus de Nazaré: Do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007.
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