Resumo
Este artigo analisa criticamente a estrutura do Estado brasileiro após a Proclamação da República (1889), com foco na apropriação indevida de institutos herdados da Monarquia. Argumenta-se que, ao esvaziar os fundamentos morais e simbólicos dessas instituições, o Brasil Republicano converteu mecanismos de ordem em instrumentos de opressão. A análise é enriquecida com comparações a modelos fiscais e institucionais de países como Paraguai, Estados Unidos, França, Polônia e Hungria, além de fundamentação na tradição católica e constitucional monárquica do século XIX.
1. Introdução
A tradição política brasileira foi brutalmente interrompida com a queda da Monarquia e a instalação do regime republicano, em 1889. A despeito das promessas de modernização, o novo regime herdou a estrutura institucional do Império, mas sem conservar seu princípio espiritual e moral. O resultado foi a perversão dos institutos monárquicos, que passaram a servir a fins contrários àqueles para os quais foram concebidos.
2. A tributação monárquica: prestação de contas de um filho à pátria-mãe
Na Monarquia, o súdito é visto como filho da pátria, e o soberano, como pai do povo. Tal concepção tem raízes bíblicas, patrísticas e escolásticas, sendo retomada por pensadores como Plínio Salgado (1935), que via o rei como síntese viva da autoridade moral da nação.
O fisco, nesse contexto, não é confisco nem opressão, mas um instrumento de solidariedade e manutenção da ordem. Conforme destaca João Camilo de Oliveira Torres:
“A monarquia é uma instituição baseada na tradição e no costume, e nela o povo vê no rei a encarnação da continuidade, da estabilidade e da justiça” (TORRES, 1965, p. 123).
Sob o Império, o cidadão brasileiro devia tributo por vínculo espiritual e moral: contribuía com a manutenção de uma casa comum, um corpo político hierárquico, mas orgânico.
3. A inversão republicana: o confisco travestido de legalidade
Com a Proclamação da República, os vínculos orgânicos foram substituídos por relações puramente contratuais e burocráticas. Contudo, o Estado republicano brasileiro manteve muitos dos mecanismos imperiais — entre eles, a arrecadação — mas sem o princípio moral que a justificava. O resultado foi um sistema opressivo, centralizador e ilegítimo, onde o Estado cobra como pai, mas governa como padrasto.
A Constituição de 1988 consolidou essa perversão ao constitucionalizar um modelo de Estado fiscal onipresente, que tributa não apenas a produção territorial, mas também a renda mundial dos seus cidadãos — algo que apenas regimes imperiais e estados ideologizados praticam.
4. O exemplo do Paraguai: uma república territorial legítima
O Paraguai, em contraste, aplica um modelo tributário mais fiel ao espírito republicano moderno. Lá, tributa-se o que é produzido no território nacional, independentemente da nacionalidade do produtor. O governo não cobra como se fosse pai moral, mas como gestor do solo nacional.
Esse modelo é transparente, previsível e favorável ao investimento estrangeiro, sendo um exemplo de como um país pode exercer soberania fiscal sem se tornar totalitário. A lógica paraguaia é semelhante à dos Estados Unidos, antes da criação do imposto de renda permanente em 1913: o tributo estava ligado à jurisdição territorial, não à moralidade cidadã.
5. A confusão entre chefia de Estado e chefia de governo: o caminho para o totalitarismo
A monarquia distingue claramente chefe de Estado (o rei) e chefe de governo (o ministro). O rei, símbolo da continuidade e da unidade nacional, atua como poder moderador, garantindo o equilíbrio entre os demais poderes. Essa separação protege o povo contra o arbítrio das maiorias, das facções e das paixões partidárias.
No Brasil republicano, tal separação inexiste. O presidente da república é chefe de governo e chefe de Estado. Essa concentração de funções, denunciada por Benjamin Constant já no século XIX¹, conduz à hipertrofia do Executivo e à criação de um Estado-personalidade, no qual o governante se considera encarnação da pátria.
A atual estrutura política brasileira, como observa Francisco Weffort (1989), mistura carisma pessoal com autoridade institucional, produzindo governos que confundem mandato com missão histórica, e lei com vontade pessoal.
6. Comparações Internacionais: onde forma e substância se alinham (ou não)
6.1. Estados Unidos
Os EUA adotam a tributação mundial da renda, como o Brasil, mas o fazem com base em um ethos fundacional quase religioso, derivado do protestantismo cívico. Lá, a cidadania é um compromisso moral com a Constituição, o que justifica (ainda que questionavelmente) a cobrança de impostos a cidadãos no exterior. Porém, esse modelo tem sido alvo de críticas e evasão em massa (cf. GREEN, 2018).
6.2. França
A França pós-revolucionária tentou substituir o rei pelo Estado laico centralizador. O resultado foi a estatização do poder espiritual, com o Leviatã republicano ocupando o lugar do soberano. Assim como no Brasil, a chefia de Estado e governo são confundidas na figura do presidente, que pode nomear o premier sem consulta direta ao povo.
6.3. Polônia e Hungria
Estes países, após libertarem-se do comunismo, restauraram a dignidade simbólica do Estado sem reincidirem no totalitarismo. Na Hungria, por exemplo, o primeiro-ministro Viktor Orbán afirma que o Estado deve se basear na "tradição cristã e patriótica da nação", buscando reconstituir uma autoridade moral legítima, mesmo sob forma republicana (ORBÁN, 2018). Já a Polônia reconhece o papel da Igreja como mediadora moral, o que impede a dissolução total da ordem simbólica.
7. Conclusão
O Brasil Republicano é, essencialmente, uma farsa institucional. Apropriou-se dos institutos da Monarquia, como o fisco, a autoridade simbólica e a centralidade do Estado, mas os utiliza para fins espúrios e ideológicos, desprovidos de moralidade pública.
O resultado é um Estado que cobra como se fosse pai, mas governa como tirano; que exige sacrifício, mas não oferece proteção; que oprime em nome da liberdade e corrompe em nome da legalidade.
A esperança de restauração nacional passa, necessariamente, por recuperar os princípios morais que fundamentavam a Monarquia, seja pela revalorização dos símbolos, seja pela separação entre Estado e governo, seja pela tributação justa e territorial. É preciso reconciliar forma e substância, autoridade e serviço, governo e bem comum.
Bibliografia
-
GREEN, Andrew. Taxing the American Emigrant. New York: Global Policy Institute, 2018.
-
ORBÁN, Viktor. State of the Nation Address 2018. Budapeste: Governo da Hungria, 2018.
-
SALGADO, Plínio. O Rei dos Reis. São Paulo: Editora Voz do Oeste, 1935.
-
TORRES, João Camilo de Oliveira. Interpretação da Realidade Brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965.
-
WEFFORT, Francisco. Formas do Estado autoritário no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
Notas de rodapé
-
Benjamin Constant, em suas reflexões sobre o poder monárquico moderador, argumentava que a chefia de Estado deveria ser neutra, isenta e permanente, de modo a garantir o equilíbrio entre os poderes (CONSTANT, Benjamin. Princípios de Política, 1815).
Nenhum comentário:
Postar um comentário