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terça-feira, 8 de julho de 2025

O Corredor do Sahel: nova disputa geopolítica no coração da África

Resumo

Este artigo analisa o crescente interesse geopolítico na região do Sahel, na África, e sua importância estratégica como um corredor de integração continental que conecta o Oceano Atlântico, através de Dacar (Senegal), ao Mar Vermelho, via Eritreia e Sudão. À luz de analogias históricas como o Mapa Cor-de-Rosa português e o atual redesenho das rotas de influência global, argumenta-se que o Sahel está se tornando uma peça-chave no tabuleiro da nova disputa neocolonial por influência, recursos e corredores logísticos alternativos aos eixos eurasiáticos tradicionais.

1. Introdução

A história dos impérios está marcada pela busca por corredores estratégicos. No século XIX, Portugal projetou o Mapa Cor-de-Rosa, uma ambiciosa tentativa de conectar suas colônias africanas de Angola a Moçambique por terra. Mais de um século depois, vislumbra-se um projeto semelhante, agora não por um império específico, mas por uma coalizão de interesses geopolíticos globais que atuam no cinturão do Sahel — uma zona de transição ecológica e civilizacional entre o deserto do Saara e a savana africana.

2. A geografia estratégica do Sahel

O Sahel compreende uma faixa que atravessa o continente africano de oeste a leste, incluindo países como Senegal, Mali, Burkina Faso, Níger, Chade, Sudão e Eritreia. Historicamente, essa região foi palco de rotas transaarianas de comércio, incluindo escravizados e ouro. Hoje, é palco de guerras civis, insurgências jihadistas, golpes militares e interesses externos convergentes¹.

A localização do Sahel é estratégica por duas razões:

  • Conecta o Atlântico (porto de Dacar) ao Mar Vermelho, ponto de acesso ao Canal de Suez, por onde transita cerca de 12% do comércio global²;

  • Está situado entre o Magreb árabe e a África subsaariana, servindo como elo político, cultural e militar entre essas duas regiões.

3. O corredor geopolítico em formação

A tentativa de organizar um corredor transaheliano é evidente. Ele seria composto por:

  • Dacar, no Senegal, como ponto de partida no Atlântico;

  • Níger e Chade, como zona de transição e interconexão;

  • Sudão e Eritreia, como portais de saída no Mar Vermelho.

Esse corredor favorece rotas comerciais, deslocamentos militares e acesso a recursos como urânio (Níger), petróleo (Chade e Sudão), ouro (Burkina Faso) e mão de obra barata. A infraestrutura desejada inclui ferrovias, oleodutos, cabos de dados e bases militares³. 

4. A nova corrida pelo Sahel

Hoje, diversos atores internacionais disputam o controle e a influência no Sahel:

  • A França, com sua Operação Barkhane (agora em retirada), buscava conter a insurgência jihadista;

  • Os Estados Unidos, com drones e forças especiais, mantêm presença em Níger;

  • A Rússia, com apoio paramilitar (Grupo Wagner), atua em Mali, Burkina Faso e Sudão⁴;

  • A China, com investimentos em infraestrutura e logística, busca garantir escoamento de minérios e acesso ao Suez;

  • A Turquia e os países árabes do Golfo, expandem sua influência cultural, religiosa e econômica, sobretudo no Chifre da África⁵.

5. Uma Linha Global: Dacar – Balboa

Chama atenção o fato de que uma linha reta de Dacar, atravessando o Atlântico Sul, conecta-se ao Brasil (especialmente ao Nordeste) e pode ser prolongada até o Canal do Panamá, mais precisamente até Balboa, porta de saída para o Pacífico. Essa conexão sugere uma linha contínua de trânsito geopolítico e comercial, alternativa ao eixo Eurásia-Oriente Médio-Europa.

Assim como o Brasil já foi um entreposto logístico de Portugal entre a África e a Ásia, hoje o país pode desempenhar papel semelhante numa nova arquitetura atlântica, com o Sahel como pivô africano.

6. Conclusão

O projeto de um corredor transaheliano é mais do que uma questão africana: trata-se de uma peça-chave na redefinição das rotas comerciais, militares e diplomáticas do século XXI. Tal como o Mapa Cor-de-Rosa foi um projeto de império, o corredor do Sahel é um projeto de múltiplos impérios informais — financeiros, logísticos e militares. A disputa em curso mostra que o Sahel, antes periférico, tornou-se um epicentro geopolítico global.

Notas

  1. BODLEY, John H. Anthropology and Contemporary Human Problems. Lanham: Rowman & Littlefield, 2011.

  2. THE WORLD BANK. Suez Canal Authority Statistics 2023. Washington D.C.: World Bank Data Repository.

  3. AFRICAN UNION. Trans-Sahelian Corridor Development Plan. Addis Ababa: AU Publications, 2022.

  4. INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Russia’s Influence in the Sahel: What It Really Means. Brussels, 2023.

  5. TELL, Karam. “The Horn of Africa and Turkey’s Rise in Africa.” Middle East Policy, vol. 29, no. 1, 2022.

Referências 

AFRICAN UNION. Trans-Sahelian Corridor Development Plan. Addis Ababa: AU Publications, 2022.

BODLEY, John H. Anthropology and Contemporary Human Problems. Lanham: Rowman & Littlefield, 2011.

INTERNATIONAL CRISIS GROUP. Russia’s Influence in the Sahel: What It Really Means. Brussels, 2023.

TELL, Karam. The Horn of Africa and Turkey’s Rise in Africa. Middle East Policy, [S.l.], v. 29, n. 1, 2022.

THE WORLD BANK. Suez Canal Authority Statistics 2023. Washington D.C.: World Bank Data Repository.

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