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terça-feira, 8 de julho de 2025

A formalidade como fidelidade: entre a zombaria e a memória do Império

É comum que, em ambientes onde a informalidade se impôs como norma cultural, a postura formal seja vista como artificial, afetação ou até arrogância. Para quem, como eu, adota um trato cerimonioso mesmo no seio da própria família, não é raro ouvir piadas, comentários maliciosos ou tentativas de ridicularização. No entanto, o que para muitos é apenas uma excentricidade, para mim é expressão consciente de uma fidelidade: a forma que encontrei para me manter espiritualmente vinculado ao Império do Brasil, que é a realidade histórica com a qual me identifico.

A forma molda o espírito

A linguagem formal não é apenas um código social; ela é uma forma de ordenar o mundo interior. Assim como um rito preserva a sacralidade de uma celebração, a formalidade no trato cotidiano preserva uma hierarquia interior, um senso de ordem que resiste ao nivelamento igualitário típico da modernidade. Ao escolher ser formal com todos — inclusive com os mais íntimos — não estou me distanciando das pessoas, mas me aproximando de um ideal civilizacional que reconhece a dignidade do outro, mesmo quando o outro não reconhece a sua própria.

O Império do Brasil não é, para mim, um dado de museu ou um saudosismo oco. É a estrutura legítima da brasilidade enquanto expressão católica, hierárquica e orgânica, profundamente enraizada na nossa história. Quando uso do "senhor", do "vossa senhoria", ou trato meus pais e tios com reverência verbal, não estou copiando etiquetas europeias — estou, isso sim, praticando uma memória ativa, um gesto de resistência simbólica contra a república informal que dissolveu os vínculos entre forma, conteúdo e sentido.

A zombaria e o espírito revolucionário

A zombaria dirigida à formalidade não é neutra. Como bem alertava Gustavo Corção, há no riso moderno uma intenção política — o riso do homem moderno é frequentemente a gargalhada do demônio, que zomba da ordem e das hierarquias. Por trás da piada está o espírito igualitarista que não suporta ver alguém tratando as coisas com reverência. A zombaria é o escudo do ressentimento.

Isso também foi percebido por autores como Gilberto Freyre, que via na formalidade luso-brasileira uma forma de urbanidade que sobrevivia ao tempo, embora cada vez mais marginalizada. Para Freyre, o Brasil patriarcal não era perfeito, mas era humano — e sua formalidade era uma das formas de preservar o tecido social.

O Império como pátria espiritual

Há pessoas que se sentem americanas, mesmo tendo nascido em outro lugar. Outras se identificam com o Oriente ou com a Revolução Francesa. Eu me identifico com o Império do Brasil. E essa identificação não é uma escolha arbitrária, mas o reconhecimento de uma vocação pessoal, como se minha alma tivesse sido chamada a servir aquilo que a modernidade dissolveu.

Minha formalidade é, portanto, um ato de lealdade invisível, uma espécie de uniforme espiritual. Quando todos ao meu redor tratam o mundo com desdém, eu me esforço por tratá-lo com honra. Quando tudo parece se dissolver em gírias, piadas e apelidos, eu me apego ao "senhor", ao "você" com sua carga original — "vossa mercê" — e ao modo imperial de ser brasileiro: digno, civilizado, cristão.

A forma é já uma forma de resistência

Enquanto zombam de mim, sigo firme. A zombaria, afinal, é sintoma de uma época que já perdeu os laços com seu passado e com seu futuro. E se não posso restaurar o Império pelas mãos, posso restaurá-lo nos modos, no falar, no trato. Pois como já ensinava Dom Bertrand de Orleans e Bragança, a restauração começa no coração e na conduta daqueles que recusam a mentira revolucionária.

Minha formalidade é, pois, meu modo de dizer: eu me lembro. E quem se lembra, resiste.

Bibliografia Recomendada:

  • CORÇÃO, Gustavo. A Descoberta do Outro. São Paulo: Agir, 1967.

  • FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Global, 2003.

  • DOM BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA. Psicose Ambientalista. São Paulo: Editora Resistência Cultural, 2012.

  • GALVÃO DE SOUSA, José Pedro. O Direito Natural. São Paulo: Ed. Vera Cruz, 1950.

  • MACINTYRE, Alasdair. After Virtue. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1981.

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