Em poucas modalidades esportivas o desgaste físico e mental é tão constante quanto no beisebol profissional. Na Major League Baseball (MLB), por exemplo, as equipes enfrentam uma maratona de 162 jogos durante a temporada regular, sem contar os playoffs. Com partidas praticamente todos os dias — muitas vezes em cidades diferentes, exigindo viagens aéreas constantes e mudanças de fuso horário —, a manutenção da performance dos atletas se torna um desafio tanto físico quanto estratégico.
Nesse contexto, a prática de conceder dias de folga remunerada aos jogadores mais produtivos não é apenas um gesto de cortesia. Trata-se de uma medida calculada, com objetivos de curto, médio e longo prazo. A folga, nesse caso, não é sinônimo de ausência ou displicência — é parte de um plano de conservação e maximização do talento ao longo de uma longa e exigente jornada competitiva.
Descanso como ativo
Tomemos como exemplo Clayton Kershaw, arremessador do Los Angeles Dodgers. Em várias temporadas, Kershaw teve seu calendário cuidadosamente administrado, com folgas intercaladas durante a temporada regular, mesmo estando em plena forma. O objetivo? Preservar seu braço para outubro, quando os Dodgers esperavam disputar a World Series¹.
Outro exemplo é Aaron Judge, astro do New York Yankees, conhecido por sua explosão ofensiva. Em 2022, mesmo em meio a uma temporada histórica com 62 home runs — quebrando o recorde da Liga Americana —, o técnico Aaron Boone o poupou em algumas partidas estratégicas para manter sua consistência ao longo da temporada². Resultado: Judge não apenas terminou como líder em home runs, mas também foi coroado com o prêmio de MVP.
Esses casos revelam que o descanso, longe de ser sinal de fraqueza ou luxo, é ativo tático fundamental em uma liga que exige constância e resiliência.
Desenvolvimento de novos talentos
Essas folgas abrem espaço para outro objetivo igualmente importante: dar rodagem aos jovens jogadores das ligas menores (Minor Leagues). Cada franquia da MLB possui um sistema de desenvolvimento robusto, com várias equipes afiliadas em categorias como Triple-A, Double-A e Single-A. Quando um titular recebe folga, é comum que o time promova um jovem promissor para ocupar temporariamente sua vaga no elenco principal.
Foi o que aconteceu, por exemplo, com Juan Soto, promovido ao time principal do Washington Nationals em 2018, aos 19 anos, após uma lesão e descanso programado de alguns veteranos³. O jovem dominicano brilhou de imediato, tornando-se peça-chave na campanha que culminou no título da World Series em 2019.
Esses testes antecipados são fundamentais para preparar os jogadores para a atmosfera das grandes ligas, ensinando-lhes a lidar com a pressão do público, com a mídia, com o calendário apertado e, sobretudo, com o nível técnico dos adversários.
Comparações com outras modalidades
Essa filosofia de rotatividade e descanso seletivo também pode ser observada, com adaptações, em outras modalidades esportivas. Na NBA, por exemplo, tornou-se comum o conceito de load management, sobretudo com estrelas como Kawhi Leonard ou LeBron James, que em determinadas partidas da temporada regular são poupados para preservar seu rendimento nos playoffs⁴.
No futebol europeu, clubes como o Real Madrid ou o Manchester City frequentemente fazem rotação de elenco durante os torneios nacionais menos relevantes, poupando suas estrelas para a Champions League. A diferença, no entanto, é que o beisebol não oferece essa mesma flexibilidade tática durante os jogos: a substituição de um jogador é, na maior parte das vezes, definitiva. Isso exige ainda mais planejamento por parte dos técnicos.
Uma lição de gestão
No fundo, a prática de conceder folgas estratégicas é expressão de uma filosofia organizacional madura: reconhecer o valor do descanso, valorizar os talentos formados em casa e preparar o futuro sem sacrificar o presente. A franquia que consegue equilibrar essas dimensões forma uma cultura vencedora, onde o desempenho individual é protegido, o coletivo é fortalecido e o futuro é cultivado com sabedoria.
Em um mundo que glorifica a produtividade contínua e o esforço ininterrupto, o beisebol ensina algo precioso: saber parar é, muitas vezes, o que permite continuar vencendo.
Notas de rodapé
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VERDUCCI, Tom. Inside the Dodgers' master plan to manage Clayton Kershaw. Sports Illustrated, 2017.
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MLB. Aaron Judge rests as Yankees plan postseason push. Major League Baseball, 2022.
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SHEEHAN, Joe. The meteoric rise of Juan Soto. Baseball Prospectus, 2019.
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LEMIRE, Joe. The NBA's load management dilemma: science or strategy? The Athletic, 2021.
Referências bibliográficas
LEMIRE, Joe. The NBA's load management dilemma: science or strategy?. The Athletic, 2021. Disponível em: https://theathletic.com. Acesso em: 08 jul. 2025.
MAJOR LEAGUE BASEBALL. Aaron Judge rests as Yankees plan postseason push. MLB, 2022. Disponível em: https://mlb.com. Acesso em: 08 jul. 2025.
SHEEHAN, Joe. The meteoric rise of Juan Soto. Baseball Prospectus, 2019. Disponível em: https://www.baseballprospectus.com. Acesso em: 08 jul. 2025.
VERDUCCI, Tom. Inside the Dodgers' master plan to manage Clayton Kershaw. Sports Illustrated, 2017. Disponível em: https://www.si.com. Acesso em: 08 jul. 2025.
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