Pouco antes de incorporar a inteligência artificial ao meu cotidiano de estudos, comprei na Steam um jogo chamado Evil Bank Manager. O título, como o nome sugere, gira em torno do controle de bancos, empréstimos e influências políticas em um mundo ambientado no auge do capitalismo de Estado. O jogo trazia tradução para o português — mas não o português com o qual eu cresci falando. Era o português de Portugal, com suas expressões específicas e construções sintáticas por vezes desconcertantes para brasileiros. Poderia ter mudado para o inglês, língua para a qual o jogo claramente foi pensado. Mas fiz outra escolha: decidi jogar em polonês.
Essa decisão não foi apenas estética ou caprichosa. Foi um retorno ao espírito dos anos 90, quando eu jogava títulos em inglês sem tradução, munido apenas de um dicionário e muita intuição. Naquela época, o desafio linguístico fazia parte da jogabilidade: interpretar o menu, entender os comandos, avançar sem saber exatamente o que estava escrito — tudo isso era parte da diversão. A dificuldade que surgia dessa barreira linguística não havia sido prevista pelos desenvolvedores; era um subproduto cultural da própria globalização do entretenimento digital.
O jogo como escola: mais que diversão, formação
Ao optar pelo polonês, impus a mim mesmo um desafio que ia além do enredo e da mecânica. Passei a ver o ato de jogar como uma forma de leitura, de tradução, de encontro cultural. A língua tornou-se um território a ser desbravado dentro do próprio território do jogo. Isso ampliou a experiência e a transformou: deixei de ser apenas um jogador e me tornei um aprendiz.
Evil Bank Manager, nesse processo, deixou de ser apenas um simulador de poder financeiro. Tornou-se um manual informal de vocabulário bancário em polonês, um exercício de leitura contextualizada, uma porta para uma cultura de outra raiz — a eslava —, mas escrita com o mesmo alfabeto latino que uso todos os dias.
A intervenção da inteligência artificial
Com a introdução da inteligência artificial no meu dia a dia, esse processo ganhou novas camadas. Agora, posso transcrever o texto do jogo e obter uma tradução quase instantânea, muitas vezes explicativa, graças a ferramentas como o ChatGPT. Isso acelerou e aprofundou meu aprendizado, transformando a IA em uma espécie de professor assistente sempre disponível — e, sobretudo, sem juízo de valor quanto à minha escolha de jogar de forma “errada”.
Não se trata de pular etapas, mas de construir pontes. A IA não substitui meu esforço de aprender a língua; ela potencializa esse esforço, ajudando a fixar vocabulário, esclarecer contextos e evitar falsos cognatos. Ela amplia a minha liberdade de escolha — inclusive a liberdade de enfrentar o difícil por vontade própria.
A diferença do alfabeto e o abismo cultural
No caso do polonês, o desafio é significativo, mas o terreno é familiar: trata-se de uma língua eslava escrita com o alfabeto latino. Reconheço as letras, mesmo quando a fonética me escapa. Isso me dá uma vantagem inicial. O texto “parece” legível, mesmo quando não compreensível de imediato. Posso sublinhar palavras, adivinhar significados pelo contexto, e recorrer à IA para confirmar minhas suspeitas.
Já o chinês é outro universo. Antes mesmo de tentar entender o conteúdo, é preciso aprender a ver o idioma. Não há alfabeto fonético como o nosso. Há ideogramas — unidades gráficas complexas, cheias de história e simbolismo, que exigem não apenas memorização, mas uma nova forma de raciocínio. Jogar em chinês é, para mim, como atravessar uma floresta sem trilhas. Cada clique é um passo no escuro. E, ainda assim, o desafio atrai, porque é puro desconhecido.
Aprender jogando, jogar aprendendo
No fim das contas, seja com Evil Bank Manager em polonês, seja com qualquer outro jogo em idioma estrangeiro, o que permanece é a verdade de que os jogos, quando bem utilizados, são instrumentos de autoconhecimento e vetores de cultura. E agora, com a mediação da inteligência artificial, essa função se torna ainda mais poderosa.
Em vez de reduzir o aprendizado à passividade ou à memorização mecânica, a IA, quando bem utilizada, oferece o contrário: ela me instiga a explorar mais, a fazer perguntas melhores, a não me contentar com traduções rasas. Ela me ensina a voltar ao texto original, a verificar o contexto, a comparar versões. E assim o jogo, antes apenas um passatempo, se converte numa escola — uma escola onde eu escolho o ritmo, o conteúdo e o grau de dificuldade.
Essa é, talvez, a forma mais profunda de liberdade: poder aprender jogando e jogar aprendendo, superando as fronteiras da língua com esforço próprio, curiosidade genuína e ferramentas inteligentes.
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