Pesquisar este blog

quarta-feira, 30 de julho de 2025

A usucapião por herdeiro exclusivo no imóvel de família durante o inventário: interpretação do STJ e seus limites jurídicos

Resumo:

Este artigo analisa a possibilidade jurídica de um herdeiro, que reside sozinho em imóvel deixado pelos pais, requerer usucapião do bem ainda durante o processo de inventário. A discussão se apoia na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e nos requisitos legais exigidos pela doutrina brasileira. Sustenta-se que a posse exclusiva, com ânimo de dono e sem oposição dos demais herdeiros, pode gerar efeitos jurídicos aptos à aquisição originária da propriedade, desde que presentes os requisitos legais da usucapião. 

1. Introdução

A morte de um ente querido acarreta, além das consequências emocionais, uma série de implicações patrimoniais, entre elas o processo de inventário. É comum que um dos herdeiros permaneça no imóvel deixado pelos pais, muitas vezes como medida prática ou por necessidade. Surge então a dúvida: poderá esse herdeiro, que reside sozinho no imóvel, tornar-se proprietário exclusivo por meio da usucapião?

2. A natureza da copropriedade hereditária

Nos termos do artigo 1.791 do Código Civil, “a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros”¹. Durante o inventário, todos os bens do espólio pertencem à comunhão hereditária, e os herdeiros são coproprietários em condomínio pro indiviso. Isso significa que nenhum herdeiro, por si só, possui domínio exclusivo sobre qualquer bem específico.

3. Requisitos Gerais da Usucapião

A usucapião, como forma originária de aquisição da propriedade, exige o preenchimento de requisitos específicos, conforme a modalidade. De forma geral, exige-se:

  • Posse contínua, mansa e pacífica, com ânimo de dono (animus domini);

  • Decurso de tempo, variando entre 5, 10 ou 15 anos, conforme o tipo;

  • Imóvel suscetível de usucapião (não pertencente ao poder público ou legalmente inalienável). 

4. A jurisprudência do STJ

O STJ tem admitido, em decisões recentes e pontuais, a possibilidade de usucapião entre herdeiros, desde que comprovada a posse exclusiva e adversa, ou seja, contra os demais coproprietários.

No REsp 1.603.709/MG, por exemplo, a Terceira Turma do STJ entendeu que:

“É admissível a usucapião de bem indivisível por um dos coproprietários, desde que este exerça a posse com exclusividade e com animus domini, de forma inequívoca, sem oposição dos demais condôminos.”²

O mesmo entendimento foi reiterado em julgados posteriores, como o REsp 1.787.878/MG e o REsp 1.947.207/MG, em que se reconheceu que a posse exclusiva, prolongada e com exclusão dos demais herdeiros pode caracterizar o elemento subjetivo necessário à aquisição da propriedade.

5. Elementos Comprobatórios da Posse Adversa

Para que se configure a usucapião, o herdeiro que permanece no imóvel precisa:

  • Provar que excluiu, de fato e de direito, os demais herdeiros do uso do imóvel;

  • Demonstrar que agiu como único e verdadeiro proprietário;

  • Arcar com todas as despesas do imóvel (IPTU, manutenção, reformas, taxas etc.);

  • Comprovar que os demais herdeiros tinham ciência da situação e não se opuseram;

  • Contar com prova testemunhal e documental robusta, muitas vezes acompanhada de laudos periciais ou certidões cartoriais.

6. A decisão não é automática

Importante frisar: não é o simples fato de morar sozinho que gera usucapião. A posse deve ser exercida de forma exclusiva, contínua, com animus domini e sem a chancela dos demais herdeiros. Se os irmãos concordaram tacitamente, ou mesmo toleraram a ocupação sem abdicar de seus direitos, a posse não é adversa, e a usucapião será indeferida.

7. Considerações Finais

A jurisprudência do STJ abre uma possibilidade real, porém excepcional, de herdeiro se tornar proprietário exclusivo por usucapião. Não se trata de regra geral, tampouco automática. Cada caso deve ser analisado à luz das provas e circunstâncias particulares, sob pena de se ferir o direito sucessório dos demais herdeiros.

Referências

  1. BRASIL. Código Civil. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

  2. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.603.709/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 05/12/2017.

  3. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

  4. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito das Coisas. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.

Nenhum comentário:

Postar um comentário