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segunda-feira, 7 de julho de 2025

A Geometria Fractal e A Teoria da Nacionidade: a superação da fronteira luso-espanhola pela forma complexa

1. Introdução

Muito antes de se tornar uma linguagem matemática formalizada no século XX, a geometria fractal já estava, por assim dizer, implícita nas contradições não resolvidas entre povos que disputavam o mesmo espaço com medidas diferentes. Dentre os exemplos mais emblemáticos dessa tensão, destaca-se a fronteira entre Portugal e Espanha, que, embora estabilizada pela diplomacia, foi palco de sucessivas disputas que transcenderam a mera geografia, tornando-se símbolo de duas ordens culturais em conflito e em simbiose.

Este artigo propõe uma leitura simbólica e hermenêutica da geometria fractal como uma resposta conceitual à crise das fronteiras fixas, particularmente no contexto ibérico. Por meio da articulação com a teoria da nacionidade, será demonstrado como a busca de um “terceiro conciliador” entre formas de medir, governar e nomear o mundo é central tanto à matemática moderna quanto à fundação das identidades históricas.

2. Portugal e Espanha: Conflito de Medidas, Conflito de Mundos

Durante a formação dos Estados ibéricos, as fronteiras entre os reinos cristãos da Península (Leão, Castela, Aragão, Portugal, Navarra) eram frequentemente alteradas por guerras, casamentos, tratados e litígios eclesiásticos. A delimitação dos territórios, longe de ser pacífica, revelava divergências nas formas de cartografar e de interpretar o mundo físico.

Um exemplo maior foi o Tratado de Tordesilhas (1494), que dividia as terras recém-descobertas entre portugueses e espanhóis com base em uma linha imaginária a 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Embora o tratado buscasse a paz, gerou novos conflitos: cada parte media a Terra de maneira distinta, e aplicava coordenadas conforme seus próprios instrumentos e técnicas astronômicas¹.

Esse problema reapareceu no Oriente (Tratado de Saragoça, 1529), e em colônias africanas e sul-americanas nos séculos seguintes. O conflito não era apenas territorial, mas epistemológico: como fundar uma medida comum para um mundo que cada um interpreta com sua régua?

3. Mandelbrot e a Costa da Bretanha: a forma que escapa à medição

Séculos depois, o matemático Benoît Mandelbrot se deparou com uma pergunta aparentemente simples, mas cheia de implicações filosóficas:

“Qual é o comprimento da costa da Bretanha?”

A resposta — como ele demonstraria em The Fractal Geometry of Nature — depende do tamanho da régua usada. Se usarmos uma régua de 100 km, a costa tem uma medida. Se usarmos uma régua de 1 km, o número cresce. Quanto mais detalhada a medição, mais o contorno da costa se revela irregular, infindável, auto-semelhante. Surge aí a ideia de que a fronteira real não é linear, mas fractal².

Ora, o problema enfrentado por Portugal e Espanha nos séculos XV e XVI é de mesma natureza: como determinar fronteiras que não seguem retas, mas contornos múltiplos, cruzamentos culturais, ambiguidade política e geográfica? A geometria clássica (euclidiana) não dava conta da realidade vivida; era necessário um novo tipo de raciocínio.

4. A fractalidade como metáfora de concórdia

A geometria fractal, ainda que tenha sido formalizada tardiamente, responde intuitivamente à seguinte questão:

Como representar a complexidade das bordas, dos limites e das sobreposições que não se resolvem em retas ou divisões claras?

A resposta está em reconhecer que a forma verdadeira não é o ponto nem a linha reta, mas a curva infinita. Em outras palavras, a fractalidade é a forma que a conciliação assume quando se reconhece que ambas as partes têm razão, mas que nenhuma detém a totalidade da verdade.

Assim como Portugal e Espanha tinham razões legítimas — mas inconciliáveis — sobre a delimitação de suas possessões ultramarinas, a geometria fractal sugere que o contorno verdadeiro não pertence exclusivamente a um lado ou outro, mas emerge da interação contínua e complexa entre ambos.

5. A teoria da nacionidade e a forma terceira

Na teoria da nacionidade, conforme desenvolvida a partir do pensamento brasileiro — com contribuições decisivas de José Octavio Dettmann. José Pedro Galvão de Sousa, Gilberto Freyre e Olavo de Carvalho —, a nação não é simplesmente um recorte territorial ou um contrato político. Ela é, antes, uma forma espiritual histórica, que surge quando um povo assume sua vocação diante de Deus e ordena sua vida em torno de um chamado que transcende o tempo.

Essa forma, no entanto, não é linear, nem sintética, nem conciliatória no sentido hegeliano. O que aqui se propõe é uma forma terceira, que nasce do serviço a Cristo, conforme manifestado no Milagre de Ourique, quando o príncipe Dom Afonso Henriques compreendeu que sua missão não era apenas defender uma terra, mas servir a Cristo na fundação de uma ordem justa, em conformidade com o Todo que vem de Deus.

A geometria fractal — que admite a coexistência de múltiplas escalas e contornos sem jamais perder a unidade da forma — serve como símbolo para esse tipo de fidelidade. A nacionidade, nesse contexto, não é construída pela homogeneização (como propôs o nacionalismo moderno), nem tampouco pela aceitação passiva da diversidade. Ela é uma fidelidade à forma que ordena o diverso em nome do Bem Comum, sem jamais dissolver suas partes no todo.

Essa “forma terceira” é a forma do serviço, a forma do lar em terras distantes, onde Cristo é o centro e a razão última do pertencimento. Não se trata de inventar uma mediação entre medidas divergentes, mas de reconhecer que só há reconciliação verdadeira onde há justiça sobrenatural — aquela que integra o coração humano ao Verbo encarnado, de onde procede toda ordem.

Nesse sentido, a nacionidade cristã é uma figura espiritual: ela acolhe a diferença como parte do seu contorno essencial, mas a ordena por uma forma superior, que não é política nem cultural, mas teológica. O que Portugal e Espanha buscavam nas linhas e tratados pode ter sido alcançado, em parte, por diplomacia. Mas sua verdadeira reconciliação só se realiza quando se reconhece que ambos estavam chamados a servir a um mesmo Senhor com formas diversas — e que essa diversidade era parte do desígnio divino.

Assim, a teoria da nacionidade torna-se compatível com a geometria fractal não por acidente, mas porque ambas exprimem uma sabedoria superior: a de que a unidade verdadeira não elimina a complexidade, mas a eleva ao nível da Graça.

Neste sentido, quando definimos Chicago como uma “cidade litorânea de interior”, trata-se de algo mais do que uma simples síntese linguística ou geográfica. Essa construção revela um pensamento geográfico fundado no senso cristão de tomar dois países como um mesmo lar em Cristo, por Cristo e para Cristo. Tal pensamento transcende as fronteiras do inglês e do português e rejeita qualquer determinismo geográfico rígido, pois reconhece que a verdade — além de ser fundamento da liberdade — impele à necessidade cultural de nomear as coisas tal como elas são, expressando assim a verdade como uma dimensão viva da cultura.  

6. Conclusão

A geometria fractal, ao reconhecer que o mundo real não se ajusta a régulas fixas, mas sim a contornos complexos e recorrentes, oferece uma metáfora poderosa para os conflitos históricos e culturais da Península Ibérica — e para a superação criativa dessas contradições.

Nesse sentido, a fronteira entre Portugal e Espanha não foi apenas palco de guerras e tratados: foi também um laboratório simbólico da geometria da reconciliação, onde a lógica da imposição foi, aos poucos, substituída por formas mais complexas de concórdia.

A teoria da nacionidade, quando articulada com essa leitura, mostra que as formas superiores de convivência nacional nascem justamente da capacidade de aceitar a complexidade como um valor, não como um problema.

Assim, o raciocínio fractal se torna não apenas uma ferramenta matemática, mas um símbolo da maturidade política e espiritual de um povo: aquele que, ao invés de escolher entre duas medidas, inventa uma terceira forma que acolhe ambas — e as transcende.

Notas de Rodapé

  1. Cf. BOXER, Charles R. O império marítimo português (1415–1825). Lisboa: Edições 70, 2002.

  2. Cf. MANDELBROT, Benoît. The Fractal Geometry of Nature. San Francisco: W. H. Freeman and Company, 1982.

  3. Cf. FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2003.

  4. Cf. CARVALHO, Olavo de. O jardim das aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995, p. 134.

Bibliografia

BOXER, Charles R. O império marítimo português (1415–1825). Lisboa: Edições 70, 2002.

CARVALHO, Olavo de. O jardim das aflições. Rio de Janeiro: Record, 1995.

FREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala. Rio de Janeiro: Record, 2003.

MANDELBROT, Benoît. The Fractal Geometry of Nature. San Francisco: W. H. Freeman and Company, 1982.

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