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quinta-feira, 24 de julho de 2025

Substituição temporária no futebol: entre a dignidade do atleta e a ética do esporte

No futebol moderno, a integridade física do jogador ainda se vê, muitas vezes, subordinada à lógica do resultado. Em meio à paixão que o esporte desperta, e sob a constante pressão das torcidas, da mídia e do mercado, o atleta é empurrado a ultrapassar os próprios limites — mesmo quando há risco à sua saúde neurológica. Contudo, uma mudança silenciosa, mas de impacto profundo, começa a se desenhar: a possibilidade de substituições temporárias em casos de suspeita de concussão.

A cena recorrente no campo de jogo

Imagine um zagueiro subindo para disputar uma bola aérea na pequena área. O goleiro, tentando afastar o perigo, salta com os punhos fechados, mas erra o tempo da bola e acerta violentamente a cabeça do companheiro. A imagem é chocante, mas não rara. Em lances assim, jogadores frequentemente caem desorientados, sentem tontura, ou permanecem alguns segundos imóveis no chão — um sinal claro de que algo mais sério pode ter acontecido. Ainda assim, muitas vezes, após alguns borrifos d’água e um sinal de positivo para o banco, o atleta retorna ao jogo, como se nada houvesse ocorrido.

Ocorre que um impacto na cabeça não pode ser tratado como uma simples pancada. Quando há suspeita de concussão, o que está em jogo não é apenas o placar da partida, mas a vida e a sanidade mental de um ser humano.

O atleta como trabalhador: o dever de proteção

O futebol profissional é, antes de tudo, um trabalho. E o jogador, embora idolatrado, é um trabalhador subordinado a uma cadeia de comandos: técnico, diretoria, patrocinadores, mídia. Quando sofre uma lesão no exercício da sua função, está diante de um acidente de trabalho — e tem direito à proteção que qualquer trabalhador merece.

A concussão é uma dessas lesões que exigem atenção médica imediata e cuidadosa. Mas a regra atual coloca um dilema: se o atleta sair para avaliação, poderá não voltar mais, pois a substituição é definitiva. O técnico, então, hesita. O médico é pressionado. O jogador finge que está bem. A estrutura do futebol se cala, ou pior: aplaude a “garra” do atleta que “voltou à raça”. No fundo, todos sabem que algo está errado, mas ninguém quer ser o primeiro a mudar.

Substituição temporária: uma medida ética e justa

A proposta em análise pela IFAB — órgão responsável pelas regras do futebol — é simples e sensata: permitir uma substituição provisória nos casos em que há suspeita de concussão. O jogador sai para ser avaliado com calma, longe da pressão do jogo. Enquanto isso, um substituto entra em seu lugar. Se o atleta for liberado após os exames médicos, ele volta; caso contrário, a substituição se torna definitiva, sem que isso prejudique o número de trocas da equipe.

Essa medida, já adotada com sucesso no rugby, na NFL e em outras modalidades, permite que se preserve o jogo sem sacrificar a saúde do jogador. Ela retira o peso da decisão imediata dos ombros do treinador e do médico, e protege o atleta de si mesmo — da tentação de querer continuar mesmo sob risco de sequelas irreversíveis.

Uma mudança cultural necessária

Mais do que uma inovação técnica, a substituição temporária representa um avanço civilizatório. Ela reconhece que o atleta é mais do que um corpo em movimento: é um ser humano com família, história e futuro. E que sua saúde — sobretudo sua saúde mental — não pode ser moeda de troca para minutos a mais em campo.

Trata-se, também, de uma mudança cultural. O futebol precisa deixar de glorificar o “guerreiro” que sangra pela camisa e começar a exaltar o profissional que sabe reconhecer os limites do próprio corpo. É tempo de fazer do esporte um espaço de dignidade, onde o talento não seja explorado até a exaustão, mas cultivado com responsabilidade.

Conclusão: a ética como princípio do jogo

A substituição temporária em casos de concussão não é apenas uma medida médica. É um gesto ético. Um reconhecimento de que o futebol, por mais apaixonante que seja, deve respeitar a vida antes de tudo. Que o atleta é um trabalhador e, como tal, tem direito a condições seguras de exercício da sua profissão. E que o jogo — este jogo que tanto amamos — só será verdadeiramente belo se for também justo.

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