Pesquisar este blog

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Contra a tagarelice ou o ativismo de fala - notas spbre a usura da palavra e a gula por atenção

Contra a tagarelice ou o ativismo de fala - notas spbre a usura da palavra e a gula por atenção 

Resumo

O presente artigo analisa a diferença entre falar e dizer à luz da ética cristã e da antropologia espiritual. Critica-se a figura do tagarela como expressão do ativismo da fala, da gula por atenção e da usura verbal. Propõe-se o silêncio como disciplina espiritual e caminho de sabedoria. Referências teológicas, filosóficas e ascéticas embasam a reflexão, especialmente Santo Tomás de Aquino, São Bento, Romano Guardini e Joseph Pieper.

Palavras-chave: linguagem, silêncio, tagarelice, ética cristã, usura espiritual, atenção.

1. Introdução

Vivemos numa era marcada pela superabundância de palavras e pela escassez de sentido. Fala-se muito, diz-se pouco. A tagarelice tornou-se moeda corrente, e o valor da palavra perdeu sua ligação com o silêncio que a sustenta. Este ensaio busca recuperar o valor espiritual e moral da palavra, condenando o uso usurário da linguagem, especialmente sob a figura do tagarela — aquele que fala muito, mas sem edificação.

2. Falar não é dizer

A distinção entre falar e dizer é fundamental. Falar é um ato fisiológico e psicológico; dizer é um ato ético e espiritual. Como observa Romano Guardini, “o dizer humano deve ter sua origem no interior, ser responsável diante da verdade e do outro”¹. Assim, quem apenas fala, sem dizer, age como um tambor que produz ruído sem direção.

A palavra, como lembra São Bento em sua Regra, deve ser usada “raramente e com ponderação”². A sobriedade verbal não é repressão, mas ordem interior: quem não domina a própria língua, demonstra que não domina a si mesmo (cf. Tg 3,1–12).

3. O tagarela: usurário de atenção

O tagarela fala por compulsão, não por missão. Ele pratica o que aqui chamamos de ativismo da fala: acredita que o simples fato de falar lhe confere presença, relevância ou direito. Mas na verdade, como ensina Santo Tomás, “a palavra exterior deve proceder de uma palavra interior, isto é, da razão”³. Quando isso não ocorre, a palavra torna-se vã — e pecado.

Esse tipo de fala é movido por uma gula por atenção, uma necessidade desordenada de ser notado. Trata-se de um vício moderno e profundamente espiritual: o desejo de ser escutado não por amor ao outro, mas por amor a si mesmo. Joseph Pieper já denunciava isso ao dizer que “a tagarelice destrói a dignidade do silêncio e impede o acesso ao real”⁴.

O tagarela não aprendeu a importância de não ser importante. Sua identidade está sempre exposta, carente, implorando atenção. Ele desconhece a virtude da mortificação verbal, da kenosis da linguagem — aquela humildade que silencia para que Cristo fale através do homem.

4. A usura da palavra

A linguagem, usada de forma desordenada, pode ser instrumento de injustiça. Quando alguém exige do outro atenção, tempo, concentração — e oferece em troca apenas ruído, vaidade ou manipulação — pratica-se uma forma sutil de usura: cobra-se sem retribuir.

O Catecismo da Igreja Católica alerta que “o abuso da palavra pode ferir a caridade”⁵. E São Tiago adverte que a língua é “um fogo, um mundo de iniquidade” (Tg 3,6). A usura da palavra ocorre quando se faz da fala um fim em si mesmo, explorando o outro ao invés de edificá-lo.

Neste sentido, o uso justo da palavra é um ato de justiça, caridade e ascese. Quem fala deve considerar o bem do outro — e não apenas a própria ânsia de expressão.

5. Silêncio: o fundamento da palavra justa

O silêncio não é ausência, mas presença concentrada. Ele prepara o espírito para ouvir a Deus e ao próximo. Como dizia São João da Cruz, “o Pai só pronunciou uma Palavra, que foi o seu Filho, e essa Palavra ele a diz sempre em eterno silêncio”⁶.

O silêncio é a matriz de onde nasce a palavra verdadeira. Sem ele, a linguagem se torna espuma, e não substância. Calar-se, como gesto espiritual, é mais do que autocontrole: é reconhecimento do mistério, é preparação para dizer o que deve ser dito.

6. Conclusão

Contra o ativismo da fala, propomos o recolhimento interior. Contra a gula por atenção, a humildade de quem prefere ser esquecido. Contra a usura da palavra, a generosidade de dizer apenas o que salva.

Falar não é, por si, um bem. Dizer a verdade com caridade, sim. E muitas vezes, a forma mais eloquente de dizer algo verdadeiro é calar-se com sabedoria.

Notas de Rodapé

  1. GUARDINI, Romano. O Poder. Trad. Artur Morão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 87.

  2. SÃO BENTO. Regra de São Bento. Capítulo VI: “Sobre o Amor ao Silêncio”.

  3. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, II-II, q. 110, a. 1.

  4. PIEPER, Joseph. Ócio e Contemplação. Trad. Luís João Baraúna. São Paulo: É Realizações, 2010, p. 49.

  5. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição típica vaticana. São Paulo: Loyola, 2000. §2485.

  6. SÃO JOÃO DA CRUZ. Ditos de Luz e Amor, n. 100.

Referências 

CATECISMO da Igreja Católica. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000.

GUARDINI, Romano. O Poder: uma análise da essência do mal moderno. São Paulo: Paulus, 1998.

PIEPER, Joseph. Ócio e contemplação. São Paulo: É Realizações, 2010.

SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Frei Leonardo de Mattos et al. São Paulo: Loyola, 2003.

SÃO BENTO. Regra de São Bento. Tradução: Dom Basilio Penido. São Paulo: Loyola, 1998.

SÃO JOÃO DA CRUZ. Ditos de Luz e Amor. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.

Nenhum comentário:

Postar um comentário