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sábado, 19 de julho de 2025

Vestir-se bem para Deus: um ato de resistência interior

“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará.” (Mt 6,6)

Durante as décadas de 1980 e 1990, assistir a um jogo da NBA era um evento cultural carregado de simbolismo. Muitos compareciam aos ginásios trajando terno e gravata, não como exigência formal, mas como reflexo de reverência. Tratava-se de reconhecer que certos espaços e ocasiões merecem formas elevadas de presença. Era, mesmo que inconscientemente, uma afirmação de que a forma educa, ordena e comunica dignidade. Hoje, tal postura parece anacrônica. A cultura da informalidade tomou conta de tudo — inclusive das igrejas.

Hoje, não é raro ver calças rasgadas de propósito e microshorts nos bancos das missas, enquanto a dignidade do culto se dissolve diante da vulgarização do vestir. Em contraste, tomei uma decisão que pode parecer excêntrica para os padrões modernos: vestir minha melhor roupa dentro de casa. Não para exibir-me aos outros, mas como testemunho interior diante de Deus, que tudo vê, e diante da nobre companhia dos santos e anjos, que comigo habitam no mundo invisível.

Essa escolha inverte a lógica mundana — ou melhor, inverte a inversão que o mundo produziu. Pois é próprio da revolução simbólica moderna subverter a ordem do ser e do parecer, da interioridade e da exterioridade. O filósofo Olavo de Carvalho foi agudo ao afirmar que “a cultura revolucionária se define não pela elevação do espírito, mas por sua contínua degradação deliberada”¹. A vulgaridade não é um acidente: é um projeto.

Joseph Ratzinger, em sua obra O Espírito da Liturgia, mostra como a forma cultual é expressão da alma que se curva diante do Mistério. Ele escreve:

“O corpo deve participar da oração, da liturgia. [...] O descuido com a forma exterior da oração não é sinal de interioridade, mas sim de perda do sentido do Todo”².

E mais adiante:

“A liturgia exige a beleza, e não como um luxo estético, mas como expressão sensível da ordem do cosmos e da verdade divina”³.

Quando nos vestimos com esmero, mesmo sem plateia, estamos ordenando o corpo à alma e a alma a Deus. Estamos dizendo com o tecido aquilo que cremos no espírito.

Essa é uma prática de santificação cotidiana, como ensinava São Francisco de Sales:

“A perfeição não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias”⁴.

Vestir-se com nobreza em casa — enquanto o mundo aplaude o desleixo nas ruas — é, pois, um ato de fidelidade ao invisível. É um gesto que fala a Deus com sinceridade, e silencia a voz da vaidade, que quer apenas parecer diante dos homens.

Escolhi, com isso, viver como se estivesse no Brasil-Império — aquele que melhor me representa, porque nele a forma ainda refletia um conteúdo moral e espiritual mais elevado. Nele, mesmo com todas as limitações humanas e políticas, havia respeito pelas solenidades, pelos ritos e pelos símbolos nacionais e religiosos. O Império era ordenado sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida⁵, e a monarquia refletia uma noção de autoridade que não se dissociava do serviço a Deus e à Nação.

Vestir-se com honra dentro de casa é, portanto, um ato de resistência interior, de fidelidade ao Reino invisível e à tradição que o mundo esqueceu. Deus, que me vê no secreto, é aquele diante de quem desejo estar preparado, como um servo digno, vigilante e atento. E se a beleza e a ordem habitam o mundo interior, um dia transbordarão também sobre o mundo exterior.

Notas de rodapé

  1. CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 213.

  2. RATZINGER, Joseph. O Espírito da Liturgia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 110.

  3. Ibid., p. 118.

  4. SALES, São Francisco de. Filotéia: introdução à vida devota. São Paulo: Cultor de Livros, 2004, p. 56.

  5. Em 1846, por decreto imperial de Dom Pedro II, Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi proclamada Padroeira do Brasil, num ato que sela espiritualmente a identidade do Império brasileiro com a fé católica.

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