“Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê em segredo, te recompensará.” (Mt 6,6)
Durante as décadas de 1980 e 1990, assistir a um jogo da NBA era um evento cultural carregado de simbolismo. Muitos compareciam aos ginásios trajando terno e gravata, não como exigência formal, mas como reflexo de reverência. Tratava-se de reconhecer que certos espaços e ocasiões merecem formas elevadas de presença. Era, mesmo que inconscientemente, uma afirmação de que a forma educa, ordena e comunica dignidade. Hoje, tal postura parece anacrônica. A cultura da informalidade tomou conta de tudo — inclusive das igrejas.
Hoje, não é raro ver calças rasgadas de propósito e microshorts nos bancos das missas, enquanto a dignidade do culto se dissolve diante da vulgarização do vestir. Em contraste, tomei uma decisão que pode parecer excêntrica para os padrões modernos: vestir minha melhor roupa dentro de casa. Não para exibir-me aos outros, mas como testemunho interior diante de Deus, que tudo vê, e diante da nobre companhia dos santos e anjos, que comigo habitam no mundo invisível.
Essa escolha inverte a lógica mundana — ou melhor, inverte a inversão que o mundo produziu. Pois é próprio da revolução simbólica moderna subverter a ordem do ser e do parecer, da interioridade e da exterioridade. O filósofo Olavo de Carvalho foi agudo ao afirmar que “a cultura revolucionária se define não pela elevação do espírito, mas por sua contínua degradação deliberada”¹. A vulgaridade não é um acidente: é um projeto.
Joseph Ratzinger, em sua obra O Espírito da Liturgia, mostra como a forma cultual é expressão da alma que se curva diante do Mistério. Ele escreve:
“O corpo deve participar da oração, da liturgia. [...] O descuido com a forma exterior da oração não é sinal de interioridade, mas sim de perda do sentido do Todo”².
E mais adiante:
“A liturgia exige a beleza, e não como um luxo estético, mas como expressão sensível da ordem do cosmos e da verdade divina”³.
Quando nos vestimos com esmero, mesmo sem plateia, estamos ordenando o corpo à alma e a alma a Deus. Estamos dizendo com o tecido aquilo que cremos no espírito.
Essa é uma prática de santificação cotidiana, como ensinava São Francisco de Sales:
“A perfeição não consiste em fazer coisas extraordinárias, mas em fazer extraordinariamente bem as coisas ordinárias”⁴.
Vestir-se com nobreza em casa — enquanto o mundo aplaude o desleixo nas ruas — é, pois, um ato de fidelidade ao invisível. É um gesto que fala a Deus com sinceridade, e silencia a voz da vaidade, que quer apenas parecer diante dos homens.
Escolhi, com isso, viver como se estivesse no Brasil-Império — aquele que melhor me representa, porque nele a forma ainda refletia um conteúdo moral e espiritual mais elevado. Nele, mesmo com todas as limitações humanas e políticas, havia respeito pelas solenidades, pelos ritos e pelos símbolos nacionais e religiosos. O Império era ordenado sob a proteção de Nossa Senhora da Conceição Aparecida⁵, e a monarquia refletia uma noção de autoridade que não se dissociava do serviço a Deus e à Nação.
Vestir-se com honra dentro de casa é, portanto, um ato de resistência interior, de fidelidade ao Reino invisível e à tradição que o mundo esqueceu. Deus, que me vê no secreto, é aquele diante de quem desejo estar preparado, como um servo digno, vigilante e atento. E se a beleza e a ordem habitam o mundo interior, um dia transbordarão também sobre o mundo exterior.
Notas de rodapé
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CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013, p. 213.
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RATZINGER, Joseph. O Espírito da Liturgia. São Paulo: Loyola, 2001, p. 110.
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Ibid., p. 118.
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SALES, São Francisco de. Filotéia: introdução à vida devota. São Paulo: Cultor de Livros, 2004, p. 56.
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Em 1846, por decreto imperial de Dom Pedro II, Nossa Senhora da Conceição Aparecida foi proclamada Padroeira do Brasil, num ato que sela espiritualmente a identidade do Império brasileiro com a fé católica.
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