No final dos anos 80 e início dos 90, três jogos fundadores estabeleceram os pilares da simulação estratégica digital:
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SimCity (1989), criado por Will Wright;
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Sid Meier’s Railroad Tycoon (1990);
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Sid Meier’s Civilization (1991).
Esses três títulos não apenas nasceram em sequência, como conversam entre si silenciosamente — cada um abordando, sob uma lente distinta, a grande pergunta da modernidade:
Como construir, sustentar e expandir uma ordem civilizacional?
SimCity: A Arquitetura da Ordem
SimCity oferecia ao jogador a experiência de ser arquiteto e prefeito, decidindo zoneamento urbano, gestão fiscal e infraestrutura. A lógica era interna, centrada na cidade como organismo vivo.
O jogador de SimCity aprende, por tentativa e erro, que cidades são sistemas interdependentes. Água, eletricidade, transporte, impostos e educação formam uma rede de equilíbrios delicados. Era um jogo silencioso, sem batalhas, mas não menos dramático — o caos urbano era a punição por decisões desastrosas.
Railroad Tycoon: A Malha do Progresso
Já Railroad Tycoon inseria o jogador numa rede mais ampla: a dos fluxos entre cidades.
Ao conectar centros urbanos, o jogo ensina que o crescimento não vem apenas de dentro, mas da circulação entre polos.
No cenário alternativo do século XX sem automóveis, como discutimos, o jogo transcende sua dimensão logística e se torna um híbrido entre planejamento urbano e estratégia de mercado. O jogador deixa de ser apenas um barão dos trilhos e passa a ser um modelador de padrões civilizacionais.
É aqui que Railroad Tycoon vira o ponto de contato entre SimCity e Civilization.
Civilization: O Espírito do Tempo
Civilization, lançado em 1991, leva o raciocínio estratégico para a escala do tempo histórico e da cultura. O jogador já não controla uma cidade, nem uma ferrovia, mas uma civilização inteira, do alvorecer da humanidade até o futuro.
Enquanto SimCity foca no espaço urbano e Railroad Tycoon nos fluxos econômicos, Civilization trata da continuidade histórica, onde cada decisão molda o destino coletivo por milênios.
O elo que une: a conquista pela ordem
O que une esses três jogos é a ideia de ordem aplicada ao caos humano:
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SimCity busca ordenar o presente urbano.
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Railroad Tycoon busca ordenar o espaço entre cidades.
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Civilization busca ordenar o tempo da história.
No mundo alternativo em que os trilhos dominam o século XX, o jogador de Railroad Tycoon é o elo que faltava entre o prefeito de SimCity e o líder de Civilization. Ele:
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Planeja cidades ferroviárias (como em SimCity);
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Conecta culturas e economias (como em Civilization);
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E faz tudo isso com uma visão empresarial, mas profundamente enraizada na logística do mundo real.
Conclusão: A Trindade Fundadora da Estratégia
Entre 1989 e 1991, algo raro aconteceu: três jogos fundaram, em sequência, os três níveis da estratégia civilizacional:
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Cidade (SimCity),
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Rede (Railroad Tycoon),
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Civilização (Civilization).
Se retomarmos hoje o Railroad Tycoon com a mentalidade do século XXI — pensando em cidades ferroviárias, turismo sem carro e hubs intermodais — estamos, na verdade, realizando uma síntese do pensamento desses três jogos.
Não seria exagero dizer que a era de ouro da estratégia digital começou ali — e que seu espírito ainda pulsa quando pensamos em como planejar o futuro das cidades, das redes e das nações.
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