A proposta de uma renda universal de cidadania, hoje associada a utopias tecnocráticas e redistributivismo estatal, tinha, em suas origens, um espírito bem diferente daquele que se vê nas democracias centralizadas contemporâneas. Quando Thomas Paine a propôs, no final do século XVIII, os Estados Unidos ainda não haviam adotado o imposto de renda (este só veio com a Emenda XVI, em 1913). A ideia de Paine se fundava numa lógica pré-centralizadora, territorialista e de cunho profundamente republicano — uma república de cidadãos livres, não de súditos tributados à revelia.
É nesse ponto que regimes de tributação territorialista, como o do Paraguai moderno, revelam uma grande vantagem civilizacional: não espoliam seus cidadãos com base na origem ou na residência, mas apenas quanto ao que é efetivamente gerado dentro do território. Isso torna possível conceber uma república distributivista, tal como imaginada por G.K. Chesterton e Hilaire Belloc, na qual ninguém seria espoliado por ninguém. A justiça tributária estaria fundada em relações comunitárias de lealdade e subsidiariedade, não no confisco arbitrário.
Esse ideal distributivista rejeita tanto o coletivismo estatizante quanto o capitalismo plutocrático. Ele parte do princípio de que as pessoas devem amar e rejeitar as mesmas coisas, sob um mesmo fundamento em Cristo, na conformidade com o Todo que é Deus. Isso se opõe frontalmente à lógica revolucionária moderna, herdeira da Inglaterra de Henrique VIII, onde a dissolução dos mosteiros deu origem a uma classe aristocrática proprietária sem espírito de serviço, abrindo caminho para o capitalismo especulativo e a injustiça institucionalizada.
Nas palavras de Belloc, “o capitalismo é a degradação da propriedade privada”, pois rompe com o princípio cristão de que a propriedade serve à santificação do homem, e não à sua escravização. Já Chesterton dizia que “democracia significa governo por aqueles que têm as ferramentas”, não por uma elite jurídica ou financeira que tudo controla.
A crítica distributivista ao centralismo moderno faz, portanto, muito mais sentido quando reconectada às raízes espirituais do Ocidente cristão. A proposta de uma renda cidadã em um regime fiscal territorialista não é uma esmola estatal, mas sim um reconhecimento prático de que o capital legítimo é aquele que se funda no trabalho, na cultura e na santidade, conforme ensinava Leão XIII na Rerum Novarum.
Numa república onde a tributação se orienta territorialmente e não universalmente, a renda universal poderia ser uma distribuição justa dos frutos do território comum, sem recorrer ao confisco do patrimônio pessoal ou à vigilância fiscal totalitária. Assim, o modelo distributivista se torna exequível, pois os meios e os fins estão em harmonia com a lei natural e divina.
Bibliografia
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PAINE, Thomas. Agrarian Justice. 1797.
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CHESTERTON, G.K. The Outline of Sanity. London: Methuen, 1926.
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BELLOC, Hilaire. The Servile State. London: T. N. Foulis, 1912.
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LEÃO XIII. Rerum Novarum. 1891.
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MARITAIN, Jacques. Cristianismo e Democracia. Paulus, 2005.
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GURGEL, Rodrigo. A Arte de Ler. É Realizações, 2012.
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KUEHNELT-LEDDIHN, Erik von. Liberty or Equality. Front Royal: Christendom Press, 1993.
Notas de rodapé
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A tributação territorialista é aquela que incide apenas sobre rendimentos produzidos dentro das fronteiras nacionais, ao contrário da tributação mundial, em que o Estado exige tributos sobre rendimentos obtidos em qualquer parte do mundo por seus cidadãos.
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No Paraguai, por exemplo, os dividendos recebidos do exterior não são tributados, o que o torna atrativo para investidores e emigrantes estratégicos.
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Thomas Paine, em Agrarian Justice, defendia que cada cidadão deveria receber uma compensação pela perda do acesso à terra comum — uma antecipação moral da renda básica, mas sem dependência estatal centralizadora.
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Chesterton e Belloc, ao promoverem o distributivismo, não buscavam redistribuir rendas à força, mas restaurar a pequena propriedade como base da liberdade cristã.
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A dissolução dos mosteiros por Henrique VIII, a partir de 1536, expropriou a Igreja e redistribuiu as terras a nobres aliados da Coroa, quebrando o vínculo entre fé, cultura e economia local.
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