1. Introdução: A criança diante da fronteira
Na infância, muitos de nós tivemos o primeiro contato com o inglês através de jogos eletrônicos. Numa época sem traduções, dicionários ou internet rápida, compreender o que se passava nas telas era um ato de fé. A criança sentava-se diante de uma nova linguagem como quem encara uma fronteira: havia algo além dela — um mundo —, mas também uma barreira a ser vencida.
No caso de José Octavio Dettmann, deste que vos fala, essa barreira era real: ainda no primário, sem pais que falassem inglês, sem professores e sem recursos, o mundo dos jogos era simultaneamente encantador e intransponível. Mas hoje, ao revisitar esses mesmos jogos — inclusive em línguas ainda mais desafiadoras como o alemão e o chinês —, ele volta àquela fronteira infantil, desta vez com os meios necessários para atravessá-la.
2. A fronteira não é geográfica, é existencial
A tese clássica de Frederick Jackson Turner, em The Frontier in American History, propõe que a experiência americana foi moldada pela expansão rumo ao oeste: cada fronteira vencida exigia um novo tipo de homem. A fronteira era mais que um território — era uma forja espiritual. Ela separava o conhecido do inexplorado, o conforto do risco, a estagnação da descoberta.
Ao aplicar essa ideia à vida pessoal, compreendemos que há fronteiras íntimas a serem vencidas — e a infância é uma delas. A criança de ontem conheceu os limites da sua linguagem, da sua cultura, da sua condição social. Mas, ao retornar com maturidade e com domínio tecnológico, o adulto tem a chance de fazer aquilo que lhe era impossível.
Não se trata apenas de recordar o passado — trata-se de reabsorver a circunstância vivida, agora com ferramentas que antes não existiam, e superá-la. O que era sofrimento torna-se capital. O que era frustração vira vantagem.
3. Os jogos como portos de comércio intelectual
Jogos como Patrician, especialmente suas versões não traduzidas lançadas exclusivamente na Alemanha, oferecem uma linguagem rica em vocabulário mercantil, jurídico e político. Jogar esses títulos em alemão é como aportar num porto hanseático: exige negociação, compreensão, aprendizado rápido — e, agora, tudo isso é possível com o apoio de uma IA que serve como intérprete, professor e interlocutor.
O mesmo vale para jogos como Vagrus: The Riven Realms ou Merchants of Kaidan, que empregam um inglês arcaico, literário e exigente. Eles não simplificam para o jogador moderno. Mas o jogador que aprendeu a lidar com a ausência — que reconhece que existe uma fronteira — está pronto para explorar essas “terras estrangeiras” com destreza.
4. A tecnologia como meio de superação, não de comodismo
A geração mais nova reclama quando o jogo não está em português. Essa reclamação, no fundo, é sintoma de uma cultura que já não reconhece a existência da fronteira. Para esses, a tradução não é ferramenta, é pré-requisito. E ao exigir o conforto antes do esforço, perdem o valor da conquista.
Este que vos fala, ao contrário, sabe que a fronteira existe porque a viveu - não só viveu como a estudou na universidade. E hoje, com a tecnologia ao seu favor, não apenas joga melhor: ele aprende melhor, vive melhor, compreende melhor. A tecnologia não o afasta do esforço — ela o arma para vencer aquilo que antes lhe era intransponível.
Enquanto a nova geração se frustra, ele avança.
5. Conclusão: A fronteira é o lugar onde o espírito amadurece
Superar a própria infância é uma das maiores conquistas que um homem pode realizar. Mas essa superação não é negação: é retorno com justiça. Este que vos fala revisita aquele menino sem dicionário e sem inglês e o resgata — agora com conhecimento, inteligência artificial e vontade.
A fronteira não era o idioma. Era o medo de não compreender.
A tecnologia não é um atalho. É a caravela.
E o jogo não é apenas um passatempo. É um território a ser conquistado.
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