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quarta-feira, 30 de julho de 2025

A mesocontagem dos 70 anos: transformando a espera pelo domínio público em projeto de vida produtivo

Resumo

Este artigo propõe uma abordagem estratégica e existencial para o enfrentamento do longo prazo necessário à entrada de obras em domínio público. Partindo da lógica do prazo legal de 70 anos após a morte do último autor para que uma obra entre em domínio público, propõe-se a divisão desse tempo em mesocontagens quinquenais sincronizadas com ciclos de upgrade de computador, tomando como exemplo 14 ciclos de 5 anos. Discute-se o papel das atividades-meio nesse percurso — como digitalização de acervos e jogos eletrônicos — como forma de cultivar o tempo com inteligência e finalidade, em lugar de esperar passivamente. A abordagem articula princípios da filosofia da paciência ativa, da tecnologia como capital cultural, e da ética da preparação, com vistas a servir ao bem comum por meio do conhecimento.

1. Introdução

A legislação brasileira determina que uma obra entra em domínio público 70 anos após o falecimento do último autor (BRASIL, 1998)¹. Trata-se de um intervalo de tempo considerável, que tende a ser interpretado com resignação passiva por parte de quem deseja acessar, estudar, ou divulgar obras protegidas por direitos autorais. No entanto, esta espera pode ser reconfigurada, deixando de ser mera contagem cronológica para se tornar uma estrutura de vida produtiva.

Proponho aqui a noção de mesocontagem: a divisão estratégica do tempo em ciclos quinquenais que funcionam como marcos intermediários entre o presente e a data projetada para a liberação da obra. Essa mesocontagem é articulada com ciclos de upgrade tecnológico, especialmente no campo da computação, assumindo que o investimento em máquinas e ferramentas acompanha e sustenta a progressiva preparação intelectual para aquele fim.

2. O tempo como capital e a pedagogia da espera

Segundo Leão XIII, em sua encíclica Rerum Novarum, o capital não deve ser visto apenas como riqueza acumulada, mas como fruto do trabalho honesto ao longo do tempo (LEÃO XIII, 1891)². Essa ideia pode ser transposta para o capital intelectual: uma obra não se compreende apenas pelo acesso ao seu texto, mas sobretudo pela acumulação progressiva das condições de sua leitura profunda — linguísticas, históricas, filosóficas e técnicas.

Ao assumir que o domínio público será alcançado apenas no futuro, o estudioso pode organizar sua vida em torno da virtude da paciência ativa, uma forma de esperar que, conforme Josef Pieper (2009), não é o mesmo que “ficar parado”, mas agir de acordo com o tempo certo das coisas

3. Estrutura da mesocontagem: 14 ciclos de 5 anos

Dividindo os 70 anos em 14 ciclos quinquenais, temos uma estrutura clara e concreta para organizar a vida intelectual. Cada ciclo pode coincidir com:

  • Um upgrade de computador, que melhora as ferramentas disponíveis para o trabalho;

  • Uma meta de aprendizado específica, como dominar uma nova língua ou habilidade técnica;

  • A digitalização e catalogação de acervos, transformando heranças culturais em bens acessíveis;

  • Jogos eletrônicos com valor cultural, como forma de manter o engajamento e até estudar aspectos históricos ou civilizatórios.

Tal como no modelo de planejamento de longo prazo defendido por Stephen Covey, é necessário “começar com o fim em mente” (COVEY, 2004, p. 98)³. A mesocontagem serve como instrumento de planejamento existencial, convertendo o tempo em projeto. 

4. As atividades-meio: jogos eletrônicos, digitalização e artesanato cultural

Enquanto o tempo não cumpre seu curso jurídico, o autor desta estratégia se mantém ocupado com atividades-meio que preparam o espírito e o intelecto para a obra que será estudada no futuro. Dentre essas atividades destacam-se:

  • Jogos eletrônicos de gestão histórica ou social, como The Guild 3, Europa Universalis IV ou Crusader Kings III, que oferecem simulações complexas de política, economia e cultura. Como sugere McGonigal (2011), jogos podem aumentar nossa resiliência e foco quando articulados com metas reais⁴.

  • Digitalização de obras e manuscritos, que além de preservar a memória, permite familiarização com técnicas de OCR, metadados e preservação digital — saberes que serão úteis quando a obra alvo entrar em domínio público.

  • Tradução assistida por IA, criando glossários, bancos de dados e recursos para uso posterior.

Assim, o tempo não é apenas "esperado", mas cultivado, como dizia Machado de Assis: “o tempo é um tecido invisível em que se borda o que se quiser” (ASSIS, 1906)⁵.

5. Considerações finais

A mesocontagem dos 70 anos é uma pedagogia do tempo, uma disciplina da paciência e um método para integrar tecnologia, cultura e propósito. Ao distribuir marcos de sentido ao longo da espera, o estudioso transforma a morosidade da legislação em escada para a maturação pessoal e intelectual.

Em vez de ver o tempo como obstáculo, ele o vê como aliado da Providência — e as ferramentas digitais, como instrumentos da graça operante na história

Notas de Rodapé

  1. O prazo de proteção autoral no Brasil é regulado pela Lei n.º 9.610/1998, art. 41, que estipula: “Os direitos patrimoniais do autor perduram por 70 (setenta) anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao seu falecimento.”

  2. Leão XIII ensina que “a propriedade é fruto do trabalho honesto e diligente, e seu acúmulo legítimo é justo quando vinculado ao bem da família e da sociedade” (Rerum Novarum, 1891).

  3. Covey propõe a ideia de projetar a vida como se estivesse escrevendo o próprio epitáfio, trabalhando com o longo prazo como critério de excelência.

  4. McGonigal, pesquisadora de jogos e comportamento, afirma: “Games make us happy because they are hard work that we choose for ourselves.” (Reality is Broken, 2011).

  5. A citação de Machado aparece no conto “Um Homem Célebre” e expressa a plasticidade da experiência temporal quando associada à arte. 

Referências Bibliográficas

ASSIS, Machado de. Um Homem Célebre. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: W.M. Jackson Inc., 1906.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 fev. 1998.

COVEY, Stephen R. Os 7 hábitos das pessoas altamente eficazes. 27. ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2004.

LEÃO XIII. Rerum Novarum – Sobre a condição dos operários. Vaticano, 15 de maio de 1891.

McGONIGAL, Jane. Reality is Broken: Why Games Make Us Better and How They Can Change the World. New York: Penguin Press, 2011.

PIEPER, Josef. Ócio e contemplação. Trad. Bruno Souza Leal. São Paulo: É Realizações, 2009.

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