Resumo
Em um cenário saturado de informações, onde vídeos e mensagens circulam de maneira viral, torna-se urgente adotar critérios objetivos para discernir entre conteúdo legítimo e manipulação velada. Este artigo defende a importância do exame formal prévio das fontes antes da apreciação de qualquer conteúdo, seguindo um princípio derivado do rigor jurídico: a análise dos requisitos formais precede a avaliação do mérito. Tal método protege o intelecto e a fé contra a instrumentalização ideológica, principalmente quando mensagens "bonitinhas" são disseminadas por pessoas bem-intencionadas, mas despreparadas para o discernimento.
1. Introdução
Em tempos de guerra cultural, a forma como recebemos e filtramos as mensagens define não apenas nosso pensamento, mas nossa própria identidade espiritual e intelectual. O simples fato de uma mensagem parecer “bonita” ou “emocionante” não pode ser critério suficiente para sua aceitação. Uma mensagem pode ser bela na forma e venenosa na intenção, como o fruto oferecido por Satanás no Éden: “agradável aos olhos e desejável para dar entendimento” (Gn 3,6).
2. O princípio jurídico aplicado à vida cotidiana
No processo civil, todo juiz é obrigado a respeitar uma ordem: antes de examinar o mérito de uma causa, ele deve verificar os requisitos formais da ação. Trata-se do princípio da admissibilidade, que garante que o conteúdo só será apreciado se estiver dentro dos parâmetros legítimos do Direito¹. Analogamente, o católico consciente, ao receber qualquer tipo de conteúdo — especialmente os que tocam em temas morais, políticos ou espirituais — deve primeiro perguntar: “de onde vem isso?” “quem está falando?” “há conflito de interesses?” Só depois, e com cautela, deve-se examinar o conteúdo.
3. A quididade como fundamento do discernimento
A quididade é o “que é” essencial de uma coisa, sua substância metafísica. O pensamento escolástico insiste que conhecer algo é conhecer sua forma substancial. Não se trata de mera aparência ou função, mas do ser real da coisa. Portanto, a aparência “bonitinha” de uma mensagem não pode ofuscar o exame do seu ser profundo. Um conteúdo de origem anticristã, ainda que tenha forma moral, não possui a quididade do bem, pois está desprovido da reta intenção e da conformidade com a Verdade. Santo Tomás adverte que o bem moral exige não apenas o objeto bom, mas também a reta intenção e as circunstâncias adequadas².
4. Estudo de caso: a armadilha dos "vídeos motivacionais"
Caso 1 — O guru do Instagram
Um amigo envia um vídeo motivacional dizendo: “você é especial, o universo tem algo para você hoje”. A fala é suave, o vídeo tem música ambiente inspiradora. Mas, ao examinar o perfil do autor, constata-se que ele é adepto da Nova Era, defende o aborto, o veganismo ideológico e ataca constantemente o cristianismo como “religião opressora”.
Análise: Embora o conteúdo pareça inofensivo, ele está inserido em um projeto ideológico espiritualista sincretista, anticristão, que promove o culto do ego sob a aparência de “amor universal”. O erro não está apenas no conteúdo, mas em sua inserção numa rede discursiva maliciosa. Ao aceitar este tipo de vídeo, o receptor se abre emocionalmente para um universo simbólico falso.
Caso 2 — A fala "conservadora" do influenciador progressista
Outro conhecido envia uma entrevista onde um artista conhecido por posições progressistas defende o “valor da família”. O discurso é aparentemente conservador. Mas, em outras entrevistas, o mesmo artista afirma que “família pode ser qualquer coisa”, apoiando abertamente a destruição da noção natural da família.
Análise: A estratégia aqui é clara: criar pontos de contato com o público conservador para, posteriormente, subverter conceitos fundamentais. Trata-se de uma manipulação da linguagem, denunciada por Josef Pieper como “abuso da linguagem, abuso do poder”³. Sem o exame formal — ou seja, sem investigar o conjunto da obra, as posições e alianças do autor — o receptor é capturado pelo discurso sedutor.
5. A patrística e a escolástica contra a manipulação simbólica
A patrística já alertava contra os falsos mestres que “falam palavras suaves e enganosas, tendo aparência de piedade, mas negando-lhe a eficácia” (cf. 2Tm 3,5). Santo Irineu de Lyon, ao combater os gnósticos, advertia que muitas heresias se disfarçam com palavras cristãs, mas mudam-lhes o sentido, o que exige vigilância sobre quem fala e qual espírito move suas palavras.
A Escolástica tomista, por sua vez, ensina que o primeiro ato da inteligência é a apreensão, que visa captar a essência das coisas. Mas para isso, é preciso distinguir entre aparência e essência — ou seja, entre accidens e substantia. Na prática, é isso que o católico faz ao rejeitar conteúdos cuja forma está corrompida, mesmo que a matéria pareça aceitável: age com inteligência iluminada pela fé.
6. A falha do interlocutor desavisado
Pessoas bem-intencionadas, mas sem preparo, cometem o erro de transmitir conteúdos com base apenas na emoção. Elas não reconhecem que vivem em um campo de batalha simbólico. Como advertia Leão XIII na Sapientiae Christianae, “quem não se opõe ao erro, consente com ele; e quem não defende abertamente a verdade, está favorecendo os inimigos da fé”⁴. Encaminhar conteúdo sem discernimento, ainda que com afeto, pode ser um ato de cumplicidade.
7. Conclusão
Rejeitar conteúdos de fontes suspeitas, mesmo que bonitos, é um ato de fidelidade à verdade e de autodefesa espiritual. Em um tempo de narrativas cuidadosamente construídas para desorientar as almas, a vigilância não é paranoia — é caridade. O católico deve ser simples como as pombas, mas prudente como as serpentes (Mt 10,16). O exame formal, a análise da quididade e a rejeição de mensagens desvinculadas da verdade são, hoje, deveres de quem ama a Deus com toda a inteligência.
Notas de Rodapé
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Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição e hermenêutica: uma crítica à instrumentalização do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
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Cf. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica, I-II, q. 18, a. 2: “Para que um ato humano seja bom, requer-se que seja bom em seu objeto, fim e circunstâncias.”
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Cf. PIEPER, Josef. Abuso da linguagem, abuso do poder. São Paulo: É Realizações, 2016.
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Cf. PAPA LEÃO XIII. Sapientiae Christianae, n. 14: “A omissão voluntária de resistir ao erro é, ela mesma, uma forma de consentimento.”
Referências Bibliográficas
PIEPER, Josef. Abuso da linguagem, abuso do poder. São Paulo: É Realizações, 2016.
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição e hermenêutica: uma crítica à instrumentalização do Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
GUÉRANGER, Dom Prosper. O Ano Litúrgico. Petrópolis: Vozes, 2008.
PAPA LEÃO XIII. Sapientiae Christianae. Vaticano, 1890.
SAGRADA ESCRITURA. Bíblia Sagrada, trad. Ave-Maria.
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