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terça-feira, 1 de julho de 2025

O Euro, a rejeição das bases cristãs e a falta de nacionidade: uma crítica civilizatória e filosófica

Introdução

O euro, instituído em 1999 como moeda única da União Europeia (UE), representa um projeto ambicioso de integração econômica entre países diversos. Contudo, sua criação e funcionamento carecem de um lastro fiduciário profundo, que não se limita ao aspecto financeiro, mas que deve estar enraizado em uma identidade civilizatória compartilhada. Este artigo defende que o euro, ao rejeitar as bases cristãs que historicamente unificaram a Europa e ao carecer de uma nacionidade comum, não possui esse lastro essencial. Além disso, segundo a concepção aristotélica, o euro não representa um Todo maior que a soma das partes em termos culturais e civilizatórios, o que fragiliza sua legitimidade e funcionamento.

1. O Euro e a ausência de nacionidade

O conceito de nacionidade transcende a mera existência de fronteiras políticas; envolve uma identidade cultural, histórica e simbólica compartilhada que legitima instituições como o Estado e sua moeda. Conforme Benedict Anderson, a nação é uma “comunidade política imaginada, tanto limitada quanto soberana”^1. As moedas nacionais derivam seu valor, em grande medida, dessa identidade partilhada.

No entanto, a União Europeia não é uma nação no sentido clássico, mas um ente supranacional que reúne Estados soberanos com histórias e culturas distintas. O euro, apesar de ser a moeda oficial de 20 países (em 2025), não tem uma pátria simbólica que o fundamente. Isso resulta em uma ausência de “lar comum”, um elemento fundamental para o lastro fiduciário da moeda.

Essa falta se manifesta, por exemplo, na inexistência de feriados europeus que reflitam uma identidade comum; os feriados mantêm o caráter nacional, reforçando a fragmentação cultural. Isso confirma a observação de Michael Walzer, que destaca que a identidade cultural é fundamental para a coesão política e econômica^2.

2. A rejeição das bases cristãs da Europa

A história da Europa está intrinsecamente ligada à fé cristã, especialmente desde a Idade Média, quando a Igreja Católica formou o alicerce moral, cultural e político do continente^3. O cristianismo estruturou valores que deram sentido à ordem social, política e econômica, e o seu simbolismo esteve presente na moeda e nas instituições.

A União Europeia, contudo, optou por uma postura laica que, de modo prático, rejeita essas bases cristãs. Em seu preâmbulo e tratados, não há referências explícitas à fé cristã como fundamento, e celebrações de cunho religioso são evitadas, num esforço de neutralidade^4.

A ausência desse fundamento espiritual debilita o euro de seu valor simbólico e fiduciário. Segundo John Milbank, a fé cristã é um componente essencial para a construção de uma “comunidade política legítima”, fornecendo um horizonte ético compartilhado^5. Ao rejeitar esse componente, a UE perde a confiança profunda que sustenta moedas duradouras.

3. A perspectiva aristotélica: o Todo e as partes

Aristóteles, na sua Metafísica, afirma que o Todo é mais do que a soma das partes^6. Para que um conjunto de partes constitua um Todo, é necessário que haja uma unidade de finalidade e essência que transcenda os interesses isolados.

Aplicando essa filosofia ao euro e à UE, observa-se que a moeda não representa uma unidade civilizatória real, pois não há uma identidade europeia compartilhada suficientemente forte para dar esse caráter ao conjunto. Conforme Habermas, a UE carece ainda de uma “consciência política” comum que poderia fundar uma identidade europeia^7.

Assim, o euro permanece uma soma fragmentada de moedas, sem o caráter de um Todo cultural ou político que possa legitimar plenamente seu uso e seu valor.

4. Consequências Econômicas e Sociais

A fragilidade do euro como moeda está diretamente ligada à ausência do lastro fiduciário profundo. A falta de unidade cultural e civilizatória gera desconfiança e dificuldades na coordenação política, manifestando-se em crises como a crise da dívida grega (2010-2018) e as tensões entre países do norte e do sul da Europa^8.

Robert Mundell já apontava que a viabilidade de uma moeda comum depende da existência de uma “área de moeda ótima”, que inclui não só critérios econômicos, mas também de mobilidade e solidariedade cultural^9. A UE não alcançou plenamente essas condições.

A alienação de cidadãos perante o euro e as instituições europeias reforça a necessidade de um projeto político-civilizatório mais robusto, que restabeleça um sentido comum e, por consequência, fortaleça o lastro da moeda. 

Conclusão

O euro, enquanto símbolo da União Europeia, enfrenta uma crise de legitimidade que ultrapassa questões técnicas. Sua ausência de nacionidade comum e a rejeição das bases cristãs da civilização europeia privam-no de um lastro fiduciário essencial, fundado no senso de unidade espiritual e cultural. Além disso, segundo Aristóteles, o euro não constitui um Todo maior que a soma das partes, pois carece de uma identidade cultural e civilizatória unificadora.

Para a estabilidade e legitimidade do euro, é necessário um projeto europeu que reconheça suas raízes e construa uma identidade comum, integrando a dimensão espiritual e cultural que, historicamente, sustentou a moeda e a civilização europeias.

Referências

  1. ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. 11. ed. São Paulo: Ed. UNESP, 2008.

  2. WALZER, Michael. Spheres of justice: a defense of pluralism and equality. Nova York: Basic Books, 1983.

  3. CHADWICK, Owen. A civilização cristã medieval. São Paulo: Paulus, 1995.

  4. WEILER, J. H. H. “The Constitution of Europe: ‘Do the New Clothes Have an Emperor?’ and Other Essays on European Integration.” Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

  5. MILBANK, John. Theology and social theory: beyond secular reason. Oxford: Blackwell, 1990.

  6. ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Marilena Chaui. São Paulo: Abril Cultural, 1996.

  7. HABERMAS, Jürgen. The Divided West. Cambridge: Polity Press, 2006.

  8. DELLA PORTA, Donatella; KEATING, Michael (eds.). European Integration in Crisis. Londres: Routledge, 2019.

  9. MUNDELL, Robert A. “A Theory of Optimum Currency Areas.” The American Economic Review, vol. 51, n. 4, 1961, p. 657–665.

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