Introdução
O direito internacional contemporâneo, ao fundar-se na abstração laica da dignidade da pessoa humana, divorciou-se de seu fundamento verdadeiro: a ordem da Criação, a Lei natural e a soberania de Deus sobre os povos. Este divórcio resultou em um sistema jurídico que confere igual proteção ao justo e ao criminoso, ao santo e ao inimigo de Deus, à inocência e à corrupção. É chegada a hora de restaurar a verdadeira justiça: aquela que distingue entre a alma fiel e a obstinadamente perversa, entre o cidadão digno da Cristandade e o traidor da Lei de Deus.
Neste artigo, propomos a restauração do instituto da apatridia punitiva, entendida como perda da cidadania por crimes de máxima gravidade moral e política, nos moldes de uma excomunhão civil. Esta sanção visa proteger o corpo político dos povos cristãos da contaminação causada por indivíduos que rompem, consciente e reiteradamente, a aliança moral que funda toda verdadeira comunidade.
1. A cidadania na ordem da Cristandade
Na Cristandade, a cidadania não é um direito incondicional; ela é, antes, uma participação na comunidade dos justos, daqueles que buscam, ainda que imperfeitamente, viver segundo a Lei de Deus. O cidadão é um soldado do bem comum, que compartilha a missão moral e espiritual de edificar a sociedade em conformidade com o Reino de Cristo.
Segundo Santo Tomás de Aquino, o bem comum é a causa final da lei humana, e essa só é legítima quando ordenada à justiça e à lei eterna de Deus (AQUINO, 2015, I-II, q. 90, a. 2). O filósofo também sustenta que a lei deve promover a virtude e conduzir à vida boa.
Esta concepção também encontra respaldo nos fundadores da Escola de Salamanca, especialmente Francisco de Vitória, que afirmava que os povos cristãos têm a missão de preservar uma ordem política conforme a lei natural e divina¹.
2. Dois tipos de apátridas: vítimas e culpados
Distinguem-se aqui dois tipos de apátridas:
a) Apatridia por falha do sistema jurídico
É o caso dos indivíduos que, por conflito negativo de nacionalidade, nascem sem pátria reconhecida. São vítimas de sistemas legais imperfeitos. A Convenção de 1961 sobre a Redução da Apatridia reconhece esse problema e orienta os Estados a garantir nacionalidade aos nascidos em seu território caso não tenham outra (ONU, 1961).
b) Apatridia por sanção moral e política
Refere-se àqueles que, por sua conduta criminosa e infame, rompem voluntariamente sua aliança com a sociedade cristã. Estupradores, assassinos, terroristas, traficantes de drogas, corruptos de alto escalão e violadores sistemáticos dos direitos humanos (tais como sancionados pela Lei Magnitsky) deixam de ser cidadãos. São inimigos da Cristandade e, como tal, devem ser declarados apátridas por justa excomunhão civil².
3. A excomunhão civil como medida de justiça divina e humana
Assim como a excomunhão eclesiástica separa o herege do Corpo Místico de Cristo, a excomunhão civil separa o traidor do Corpo Político da Cristandade. Ela não é vingança, mas justiça. O indivíduo que despreza o bem comum, destrói famílias, corrompe instituições ou espalha o terror deve ser destituído da cidadania como sinal visível de sua ruptura interior com a ordem moral.
No pensamento de Joseph de Maistre, o criminoso obstinado perde os vínculos com a sociedade e deve ser expulso para que o corpo político preserve sua integridade³. A punição não visa apenas a correção do indivíduo, mas a purificação da comunidade.
4. A dívida moral como fundamento da servidão
Aqueles que cometem crimes hediondos, como tráfico de drogas (a mercância da morte), estupro, homicídio cruel, corrupção estrutural e terrorismo, rompem não só com os homens, mas com o próprio Deus. A dívida que contraem não é puramente penal, mas metafísica.
Inspirando-se no Evangelho de Mateus (Mt 18, 23-35), vê-se que o servo impiedoso, ao recusar perdoar, perde o direito à misericórdia e é lançado “aos verdugos até que pague toda a dívida”. A analogia é evidente: tais homens não podem gozar da cidadania plena, pois têm uma dívida permanente com Deus e com o bem comum.
5. A restauração da ordem internacional da Cristandade
No plano internacional, esta doutrina exige:
-
O reconhecimento de um bloco de nações cristãs comprometidas com a Lei natural e divina;
-
A criação de registros internacionais de excomunhão civil, análogos às listas de sanção da Lei Magnitsky;
-
A declaração de ilegitimidade política de regimes anticristãos, corruptos ou revolucionários;
-
A reintrodução da noção de guerra justa e penalidades interestatais baseadas em faltas morais objetivas (AQUINO, 2015, II-II, q. 40).
Conclusão: pela honra da cidadania nos méritos de Cristo
A cidadania é um dom e uma honra. Não se pode estendê-la a quem despreza a vida, a ordem e a justiça. Restaurar a apatridia punitiva e a excomunhão civil é um ato de caridade para com os inocentes, de justiça para com os traidores e de reverência a Deus.
Nos méritos de Cristo, conclamamos os homens de bem a restaurarem a Cristandade, não como um império político, mas como uma ordem moral internacional, onde a paz nasce da verdade, a liberdade se submete à Lei divina e a cidadania é selada pelo sacrifício de quem ama a justiça.
Notas de Rodapé
-
VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas sobre os índios e sobre o poder civil. Trad. Luis Alberto de Boni. Petrópolis: Vozes, 1997.
-
MAGNITSKY ACT. U.S. Congress, 2012. Lei federal americana que sanciona violadores de direitos humanos e corruptos sistemáticos. Sua aplicação pode ser reinterpretada pela Cristandade em chave moral e espiritual.
-
MAISTRE, Joseph de. Considerações sobre a França. São Paulo: É Realizações, 2013.
Bibliografia
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2015. 5 vols.
MAISTRE, Joseph de. Considerações sobre a França. São Paulo: É Realizações, 2013.
ONU. Convenção para Redução dos Casos de Apatridia. Nova Iorque: Organização das Nações Unidas, 1961.
VITÓRIA, Francisco de. Relecciones teológicas sobre os índios e sobre o poder civil. Petrópolis: Vozes, 1997.
SUÁREZ, Francisco. De legibus ac Deo legislatore. Madrid: BAC, 1962.