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quarta-feira, 11 de junho de 2025

Santificação através do trabalho e amizade como base da Ordem Política em Cristo

Introdução

Entre os muitos temas centrais da tradição cristã que atravessam séculos de pensamento, dois emergem com clareza especial no tempo presente: a santificação através do trabalho e a amizade como base legítima da ordem política. Essa união de elementos não é uma construção teórica arbitrária, mas o reflexo da própria vida de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, que trabalhou com as mãos e entregou a vida pelos seus amigos.

Essa reflexão, presente na obra de São Tomás de Aquino, nos ensinamentos de São Josemaría Escrivá, nos escritos modernos de São João Paulo II e, de modo incisivo, nas falas do professor Olavo de Carvalho, lança luz sobre o modo como podemos, aqui e agora, viver com dignidade, formar uma sociedade justa e buscar a amizade eterna com Deus.

O trabalho como meio de santificação

Desde a queda original, o trabalho se tornou penoso, mas não perdeu seu caráter redentor. O homem, chamado a colaborar com Deus na ordem da criação, realiza no trabalho não apenas uma necessidade prática, mas um dever moral e espiritual.

São Josemaría Escrivá expressa com clareza:

"Santifica o teu trabalho. Santifica-te no teu trabalho. Santifica os outros com o teu trabalho."¹

O trabalho bem feito, com amor e consciência, é uma oração oferecida ao Criador. Ao trabalhar, o homem vence a preguiça, disciplina as paixões e cresce em virtude. A pobreza, longe de ser um obstáculo à dignidade, pode se tornar o altar no qual a alma se oferece a Deus, com generosidade e perseverança.

Como ensinava São João Paulo II:

"O trabalho é uma participação na obra do próprio Cristo."²

A amizade como base da ordem política

A tradição clássica, especialmente Aristóteles, reconheceu que a verdadeira vida política exige mais do que justiça legal: exige amizade. A Ética a Nicômaco afirma:

"A amizade é o vínculo das cidades."³

No entanto, é Cristo quem eleva essa amizade ao grau supremo:

"Amai-vos uns aos outros como eu vos amei."⁴

Santo Agostinho, ao comparar a Cidade de Deus com a cidade terrena, nos mostra que a verdadeira comunidade se edifica sobre o amor a Deus, enquanto a falsa sociedade se baseia no amor desordenado de si mesmo. Para ele, a Cidade de Deus é composta por aqueles que vivem segundo Deus, amando a Ele até o desprezo de si, enquanto a cidade dos homens é composta por aqueles que vivem segundo si mesmos, amando a si até o desprezo de Deus:

"Dois amores fundaram duas cidades: o amor de si até ao desprezo de Deus, a cidade terrena; o amor de Deus até ao desprezo de si, a Cidade de Deus."⁵

A ordem política cristã deve, portanto, fundamentar-se numa caridade objetiva, que une os homens por aquilo que Deus ama e rejeita. Josiah Royce, filósofo americano citado por Olavo de Carvalho, fala da lealdade como fundamento da comunidade. Lealdade essa que, para ser plena, deve ter como objeto o próprio Cristo, Logos e Amor encarnado.⁶

O vínculo entre trabalho e amizade

O trabalho, feito com consciência e espírito de serviço, não é apenas santificador, mas também político no sentido mais alto: ele constrói a confiança entre os membros da comunidade. Como disse Olavo de Carvalho:

"Se você não trabalhar, alguém terá que trabalhar por você."⁷

Essa frase, aparentemente simples, revela uma verdade profunda: o trabalho é uma dívida de justiça e também um ato de caridade. Numa sociedade cristã, servir é reinar. Se todos servem com fidelidade, todos são sustentados nos tempos de crise. O trabalho digno gera vínculos de solidariedade real, que dispensam o apelo revolucionário e ideológico por redistribuições forçadas e impessoais.

Como ensinava São Josemaría:

"O trabalho, qualquer trabalho honesto, tem de ser oferecido a Deus, realizado com perfeição humana, com empenho e com amor — porque foi feito para Deus."⁸

Cristo como modelo de trabalhador e amigo

Nosso Senhor Jesus Cristo trabalhou com as mãos como carpinteiro, ensinou com os pés na poeira da Galileia e entregou-se na cruz como verdadeiro amigo:

"Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos."⁹

Cristo é o arquétipo da união entre labor e caridade, entre ação e contemplação. Trabalhar em Cristo é já participar de Sua amizade. E viver segundo o Seu mandamento de amor é já antecipar a ordem da eternidade.

Conclusão

Uma sociedade verdadeiramente cristã se reconhece por estes dois sinais: o trabalho é um ato de amor e a política é a organização racional da amizade. Quando os homens trabalham como quem serve a Cristo nos outros, e se tratam como membros de um mesmo Corpo místico, a justiça deixa de ser uma abstração e se encarna nas relações concretas.

Santificar-se no trabalho e fundar a ordem política na amizade cristã é tornar-se digno da amizade de Cristo por toda a eternidade. E isso, sim, é liberdade verdadeira.

Notas

  1. ESCRIVÁ, Josemaría. Caminho. 18. ed. São Paulo: Quadrante, 2004, p. 477.

  2. JOÃO PAULO II. Laborem Exercens: Carta Encíclica sobre o trabalho humano. São Paulo: Paulinas, 1981, §26.

  3. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 2009, p. 196.

  4. BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. São Paulo: Paulus, 2001. João 15,12.

  5. AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Tradução de Antônio de Castro Rocha. São Paulo: Paulus, 1999, Livro XIV, cap. 28.

  6. ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. Nashville: Vanderbilt University Press, 1995.

  7. CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2022, p. 33.

  8. ESCRIVÁ, Josemaría. Amigos de Deus. 4. ed. São Paulo: Quadrante, 2004, p. 177.

  9. BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. São Paulo: Paulus, 2001. João 15,13.

Referências (ABNT)

AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Tradução de Antônio de Castro Rocha. São Paulo: Paulus, 1999.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Mário da Gama Kury. 2. ed. Brasília: Editora UnB, 2009.

BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução da CNBB. São Paulo: Paulus, 2001.

CARVALHO, Olavo de. O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2022.

ESCRIVÁ, Josemaría. Caminho. 18. ed. São Paulo: Quadrante, 2004.

ESCRIVÁ, Josemaría. Amigos de Deus. 4. ed. São Paulo: Quadrante, 2004.

JOÃO PAULO II. Laborem Exercens: Carta Encíclica sobre o trabalho humano. São Paulo: Paulinas, 1981.

ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. Nashville: Vanderbilt University Press, 1995.

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