A crise institucional que o Brasil atravessa hoje é muito mais do que um embate de narrativas ou um simples conflito entre poderes. Ela é, antes de tudo, uma crise de fundamentos. O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser guardião da Constituição, tornou-se um ator político que já não responde ao povo, nem à Constituição, e muito menos ao Direito Natural. Torna-se urgente, portanto, compreender o que está por trás desse processo, suas causas últimas e o desfecho inevitável a que ele conduz.
A ilusão de uma "corte política"
Há quem diga que o STF não é uma corte política. Outros, com igual razão, afirmam o oposto. A questão, porém, não é saber se o STF é ou não político, mas qual é a concepção de política que ele adota.
Se o STF fosse uma corte política no sentido nobre do termo — como concebido pela tradição aristotélico-tomista e pela Doutrina Social da Igreja — sua missão primordial seria subordinar toda decisão ao bem comum. Seria uma corte que, ao interpretar a Constituição, reconheceria os princípios do Direito Natural como superiores a qualquer positivismo de ocasião. Seria, enfim, um verdadeiro freio moral e jurídico contra o abuso de poder dos demais órgãos do Estado, forçando políticos a servir ao bem comum, e não a interesses de facção.
Mas não é esse o caso.
O maquiavelismo de toga
O que vemos hoje é a instauração de uma concepção maquiavélica de poder, onde a verdade é irrelevante e o que importa é a manutenção da própria estrutura de poder estatal.
O STF enxerga o poder como um fim em si mesmo. Suas decisões não mais partem da premissa de que o poder político é delegado pelo povo para servir à sociedade. Pelo contrário, a lógica que orienta suas ações é a de que o Estado está acima da sociedade e da própria ordem natural. Isso o transforma em uma instância de poder absoluto, uma espécie de Leviatã togado.
O decisionismo jurídico, como descrito por Carl Schmitt, ajuda a entender esse fenômeno: quem decide em estado de exceção é soberano. O STF, por meio de sucessivas e criativas interpretações da Constituição, está fabricando permanentemente o estado de exceção normativa no Brasil.
A violação do poder constituinte originário
A Constituição de 1988 é, formalmente, o pacto social em vigor. Por ela, o titular do poder constituinte originário é o povo brasileiro. Qualquer órgão de poder, incluindo o STF, só detém autoridade porque dela deriva.
Quando o Supremo substitui o Legislativo na tarefa de legislar — seja através de "interpretações evolutivas", seja por meio de ativismo judicial — ele rompe o pacto constituinte e usurpa a soberania popular. O resultado é um grave déficit de legitimidade.
O jurista Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, já havia previsto a ascensão de estamentos burocráticos que se autonomizam da sociedade. Hoje, o STF tornou-se justamente isso: um novo estamento, responsável não por aplicar a lei, mas por reinterpretá-la segundo conveniências momentâneas e alinhamentos ideológicos.
Laicismo e Positivismo: a raiz da degeneração
O laicismo militante, consolidado como cultura institucional, expulsou qualquer referência ao Direito Natural e à Lei Divina do espaço jurídico. Desde a Revolução Francesa, passando pela Revolução de 1930 no Brasil e chegando ao constitucionalismo de 1988, a separação entre Direito e Moral objetiva se tornou dogma incontestável.
O resultado é a completa relativização dos critérios de justiça. A Constituição vira um texto plástico, reinterpretável ao sabor das circunstâncias, pois perdeu sua âncora metafísica. O Direito Natural, cuja finalidade última é o bem comum e a justiça, foi substituído por um voluntarismo jurídico que só reconhece como válido aquilo que se traduz em força política momentânea.
O STF como estamento conservantista da mentira republicana
Na prática, o Supremo tornou-se o fiador da farsa republicana. Não mais para garantir direitos fundamentais, mas para conservar a própria estrutura de poder, mesmo que à custa da própria Constituição que deveria proteger.
Sua missão tácita hoje é simples: manter de pé, por mais algum tempo, o edifício falido da república oligárquica brasileira, mesmo que isso signifique substituir o Legislativo, ignorar o titular da soberania popular e distorcer a ordem jurídica.
A cada nova decisão política disfarçada de julgamento técnico, o STF fortalece seu papel de legislador de última instância, corroendo ainda mais as bases do Estado de Direito.
A inevitável restauração da ordem natural
Tudo o que é tautológico e fundado em falsos princípios tende ao colapso. O positivismo jurídico, o decisionismo político e o laicismo institucional são estruturas sem raízes na verdade objetiva. São construções de areia.
Aristóteles, Santo Tomás de Aquino e a própria Doutrina Social da Igreja são claros ao afirmar: toda ordem política que se afasta da verdade e do bem comum está condenada a ruir.
Na história das nações, o colapso de repúblicas corruptas e o retorno a formas de governo mais estáveis e legitimadas pela tradição — como a monarquia — não é exceção. É a regra.
Quando o ciclo de mentiras se exaurir, e quando a sociedade brasileira redescobrir que a autoridade legítima só pode existir quando fundada na verdade, a restauração de uma ordem superior — que seja conforme à Lei Natural e ao Bem Comum — será o caminho inevitável.
Referências bibliográficas:
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Santo Tomás de Aquino – Suma Teológica, Parte II-II
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Leão XIII – Encíclica Rerum Novarum e Immortale Dei
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Carl Schmitt – Teologia Política
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Raymundo Faoro – Os Donos do Poder
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Edmund Burke – Reflexões sobre a Revolução na França
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Aristóteles – Política
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