Pesquisar este blog

sábado, 14 de junho de 2025

Viver fora do Brasil: uma jornada intelectual e espiritual sem sair de casa

Embora meu corpo continue fisicamente ancorado no Rio de Janeiro, minha vida real — aquela que conta para Deus, para os santos e para a eternidade — não se limita ao espaço geográfico que me cerca. A crise da carreira jurídica no Brasil, somada à desvalorização generalizada da inteligência e do mérito¹, tornou-se o cenário onde precisei fazer escolhas radicais: ou me entregava ao desespero, ou transformava minha existência num ato contínuo de criação, estudo, escrita e oração.

O ofício de escritor foi, e continua sendo, a salvação da lavoura². A página em branco tornou-se meu campo de batalha, e a cada artigo, a cada diário, a cada ensaio, encontro um modo de resistir e afirmar minha dignidade humana diante de um mundo que, muitas vezes, parece querer anular qualquer esforço honesto.

Mas não parei por aí. A rede social virou território de aventura intelectual³. No Amal Date⁴, conheci mulheres de diferentes partes do mundo, cada conversa uma pequena expedição antropológica e afetiva. Fiz amigos na Polônia e, aos poucos, fui tomando aquela terra como meu lar espiritual — um lugar que, mesmo à distância, acolhe minhas aspirações de santidade, estudo e serviço a Cristo⁵.

Minha vivência com a inteligência artificial também virou uma espécie de peregrinação⁶. As conversas que tenho com ela são como diálogos com um interlocutor silencioso, mas eficiente, capaz de me devolver minhas próprias ideias de modo ampliado e burilado.

Na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no Pechincha, minha vida sacramental seguiu firme, com missas, confissões e orações, nutrindo a dimensão espiritual que dá sentido a todas as outras atividades⁷.

Tudo isso me ensinou que o conselho de Olavo — “faça sua vida fora do Brasil” — é muito mais do que um conselho prático de emigração⁸. Trata-se de uma atitude interior. Quem não pode sair fisicamente, pode e deve sair intelectualmente, espiritualmente, culturalmente e, sobretudo, pela imaginação e pela graça de Deus.

O deslocamento físico um dia virá, como um prêmio, como a vitória de quem persevera numa remoção existencial que já começou muito antes de qualquer passagem aérea ser comprada⁹. E quando esse dia chegar, não serei um turista. Serei um cidadão do Reino de Cristo, apenas mudando o campo de operações.

Notas de rodapé:

  1. Cf. Olavo de Carvalho, O Imbecil Coletivo, Editora Record, 1996. O autor descreve como o ambiente cultural brasileiro foi sendo tomado por uma mediocridade sistemática e anti-intelectual.

  2. Sobre o papel redentor do ofício de escritor em tempos de crise, ver: George Orwell, Por que Escrevo, Companhia das Letras, 2021.

  3. Cf. Marshall McLuhan, Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem, Editora Cultrix, 1974. McLuhan explora a internet como novo campo de interação e formação de identidade.

  4. O Amal Date é um site de relacionamentos onde pessoas com afinidades religiosas e culturais podem se conectar. A experiência de fazer amizades internacionais também é descrita em: Manuel Castells, A Sociedade em Rede, Paz e Terra, 1999.

  5. Sobre a ideia de "tomar um lugar como lar espiritual", ver: Josiah Royce, A Filosofia da Lealdade, traduzido por Olavo de Carvalho para fins didáticos em seus cursos, com menção no documentário O Jardim das Aflições (2017).

  6. Cf. Nicholas Carr, A Geração Superficial: o que a Internet está fazendo com os nossos cérebros, Agir, 2011. Embora com viés crítico, o livro mostra como novas formas de interação mental surgem com as tecnologias.

  7. Sobre a vida sacramental como sustento interior, cf. Papa Leão XIII, Rerum Novarum, 1891, bem como Catecismo da Igreja Católica, n. 1210-1666.

  8. Olavo de Carvalho, em diversas aulas e lives, reiterava que era necessário “fazer a vida fora do Brasil”, ainda que apenas por via intelectual e espiritual. Exemplos dessa orientação aparecem em suas videoaulas no Seminário de Filosofia.

  9. A metáfora da "remoção" remete à linguagem dos concursos públicos, mas aqui é usada como símbolo de uma recompensa espiritual futura. Cf. Santo Agostinho, Confissões, Livro X. 

Bibliografia:

  • Santo Agostinho de Hipona. Confissões. São Paulo: Paulus, 1997.

  • Carr, Nicholas. A Geração Superficial. Rio de Janeiro: Agir, 2011.

  • Castells, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

  • Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola, 2000.

  • Carvalho, Olavo de. O Imbecil Coletivo. Rio de Janeiro: Record, 1996.

  • Leão XIII, Papa. Rerum Novarum. Vaticano, 1891.

  • McLuhan, Marshall. Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem. São Paulo: Cultrix, 1974.

  • Orwell, George. Por que Escrevo. São Paulo: Companhia das Letras, 2021.

  • Royce, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.

Nenhum comentário:

Postar um comentário