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terça-feira, 24 de junho de 2025

Win Share e a métrica da história - como mensurar mérito em projetos coletivos de grande escala: da NBA às Companhias das Índias Orientais e Ocidentais

1. Introdução

A avaliação de mérito individual dentro de empreendimentos coletivos é um problema antigo que acompanha a humanidade ao longo de sua história. Da guerra ao comércio, da política ao esporte, sempre houve a necessidade de reconhecer quem mais contribuiu para o sucesso de uma missão, de uma organização ou de um Estado.

Na atualidade, um exemplo paradigmático dessa lógica é o conceito de Win Share na National Basketball Association (NBA). Trata-se de uma métrica estatística que busca quantificar a parcela de responsabilidade de cada jogador nas vitórias da equipe. Partindo desta realidade contemporânea, é possível lançar um olhar retrospectivo para instituições históricas como as Companhias das Índias, que, séculos antes, já operavam sob uma lógica de responsabilidade compartilhada e impacto coletivo. Ao final, essa reflexão permite compreender ainda melhor o conceito de Estado-Mercado, conforme desenvolvido por Philip Bobbitt no início do século XXI.

2. O Conceito de Win Share na NBA

O Win Share é uma métrica estatística desenvolvida originalmente por Bill James, voltada para o beisebol, e adaptada ao basquete por autores como Justin Kubatko¹. Seu objetivo é mensurar a fração de vitórias de um time que pode ser atribuída a cada jogador individual.

Para isso, considera-se uma combinação de estatísticas ofensivas e defensivas, ponderadas por tempo de jogo e eficiência. O conceito parte do princípio de que o basquete é um jogo eminentemente coletivo, onde cada ação contribui para o resultado final².

Na estrutura empresarial da NBA, o Win Share tem uma correspondência prática: jogadores com maior impacto nas vitórias tendem a ser mais bem remunerados. Ainda que fatores como marketing e teto salarial distorçam parcialmente essa equação, a lógica de fundo permanece³.

3. As Companhias das Índias: muito além do comércio

As Companhias das Índias, tanto a Oriental quanto a Ocidental, surgiram entre os séculos XVI e XVII como entidades híbridas, acumulando funções comerciais, militares, administrativas e religiosas. Ao receberem cartas régias, ganharam poderes que hoje associaríamos a um Estado: cunhar moeda, fazer guerra, estabelecer tratados diplomáticos, fundar cidades e administrar territórios⁴.

Ao contrário da visão reducionista que as enxerga apenas como companhias de comércio, a realidade histórica revela que elas foram instrumentos de projeção de poder geopolítico e religioso. Tanto a Dutch East India Company (VOC) quanto a English East India Company (EIC) desempenharam papel decisivo na luta pela hegemonia europeia fora da Europa, sendo, em essência, projetos anti-ibéricos, voltados a enfraquecer a supremacia luso-espanhola no comércio e na difusão do catolicismo⁵.

Conforme ressalta Ehrlich (2023), a política de conhecimento da Companhia Inglesa incluía ações que iam desde a coleta de mapas e informações estratégicas até a promoção de modelos culturais e religiosos alternativos aos da Península Ibérica⁶.

4. Métricas de Desempenho: A Limitação Histórica das Companhias

Ao contrário da NBA moderna, as Companhias das Índias operavam em um ambiente sem estatísticas confiáveis ou métricas em tempo real. Segundo Stern (2009), o cálculo de retorno sobre investimento era feito de forma retroativa, muitas vezes com meses ou anos de atraso, dependendo da chegada de relatórios enviados por capitães e administradores coloniais⁷.

Ainda assim, havia uma clara noção de mérito e resultado. As decisões de promoção, bônus e até condecorações nobiliárquicas eram baseadas em evidências empíricas: o sucesso de uma expedição, a obtenção de um monopólio ou a fundação de uma nova cidade.

Se existisse, à época, uma espécie de "Win Share imperial", ele teria que cruzar múltiplas variáveis: sucesso militar, expansão territorial, eficiência administrativa, inovação logística e até impacto religioso.

5. Estrutura Comparativa: NBA versus Companhias das Índias

A comparação entre a NBA e as Companhias das Índias revela que, embora distantes no tempo e no espaço, ambas compartilham uma lógica de produção de resultados coletivos mediados por agentes individuais.

Elemento NBA Companhias das Índias
Organização Time com técnico e rotação de jogadores Empresa com diretores, militares, diplomatas e comerciantes
Métrica de Sucesso Win Shares, vitórias Monopólios, novas cidades, vitórias militares, expansão da fé
Dados e Controle Estatísticas em tempo real Relatórios esporádicos e retroativos
Distribuição de Recompensa Salários baseados em performance Dividendos, promoções e cargos administrativos

6. A Multidimensionalidade do lucro

Enquanto na NBA o lucro é financeiro e desportivo, nas Companhias das Índias o conceito de lucro era multidimensional, englobando:

  • Lucro Militar: Conquistas de territórios e portos.

  • Lucro Econômico: Controle de rotas comerciais e monopólios.

  • Lucro Político: Expansão da influência nacional.

  • Lucro Religioso: Propagação de doutrinas anti-ibéricas.

Esse quadro multidimensional complexifica qualquer tentativa de aplicação direta de uma métrica como o Win Share. Se, na NBA, as vitórias são quantificáveis e públicas, nas Companhias, os resultados eram muitas vezes difusos, subjetivos e politicamente sensíveis.

7. Epílogo: Do Win Share ao Estado-Mercado – A Consolidação Histórica segundo Philip Bobbitt

As Companhias das Índias podem ser vistas como um elo intermediário na evolução das formas estatais, antecipando características que, séculos depois, seriam formalizadas no conceito de Estado-Mercado, como proposto por Philip Bobbitt.

Segundo Bobbitt (2002), a trajetória histórica dos Estados ocidentais passa por sucessivos arquétipos: do Estado-Príncipe ao Estado-Dinástico, depois ao Estado-Nação, e finalmente ao Estado-Mercado, cuja legitimidade é fundada na capacidade de garantir segurança e acesso ao mercado aos cidadãos, independentemente de identidade nacional fixa⁸.

Nas palavras do próprio autor:

"O Estado-Mercado legitima sua autoridade não mais pela promessa de melhorar o bem-estar material de sua população em geral, mas pela capacidade de permitir o sucesso dos indivíduos dentro do mercado globalizado"⁹.

As Companhias das Índias já operavam com essa lógica, ao delegar funções estatais a uma estrutura privada, cujo critério de sucesso era a geração de lucro e poder, e não a promoção de um bem comum territorializado.

A NBA, por sua vez, pode ser vista como um microcosmo contemporâneo do Estado-Mercado: uma instituição que administra talentos individuais, distribui recompensas com base em métricas objetivas de performance e atua em escala global, atravessando fronteiras e influências culturais.

8. Conclusão Final

A análise do Win Share, das Companhias das Índias e do conceito de Estado-Mercado revela uma linha de continuidade histórica: em toda organização coletiva de grande escala, o problema central sempre foi medir, recompensar e legitimar o mérito individual dentro de uma lógica de resultado coletivo.

Seja nas quadras da NBA, nas rotas marítimas do século XVII ou nos palcos da geopolítica contemporânea, o ser humano continua buscando a melhor forma de reconhecer, medir e recompensar o esforço de cada um dentro do todo.

Notas de Rodapé

¹ JAMES, Bill; HENZLER, Jim. Win Shares. Chicago: STATS, Inc., 2002.

² BERRI, David J.; SCHMIDT, Martin; BROOK, Stacey. The Wages of Wins: Taking Measure of the Many Myths in Modern Sport. Stanford: Stanford University Press, 2006.

³ Ibidem.

⁴ STERN, Philip J. The Company-State: Corporate Sovereignty and the Early Modern Foundations of the British Empire in India. Oxford: Oxford University Press, 2011.

⁵ CHAUDHURI, K. N. The Trading World of Asia and the English East India Company: 1660–1760. Cambridge: Cambridge University Press, 1978.

⁶ EHRLICH, Joshua. The East India Company and the Politics of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 2023.

⁷ STERN, Philip J. “History and Historiography of the English East India Company: Past, Present, and Future!”. History Compass, v. 7, n. 4, p. 1146–1180, 2009.

⁸ BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles: War, Peace and the Course of History. New York: Alfred A. Knopf, 2002.

⁹ Idem, p. 684.

Referências

BERRI, David J.; SCHMIDT, Martin; BROOK, Stacey. The Wages of Wins: Taking Measure of the Many Myths in Modern Sport. Stanford: Stanford University Press, 2006.

BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles: War, Peace and the Course of History. New York: Alfred A. Knopf, 2002.

CHAUDHURI, K. N. The Trading World of Asia and the English East India Company: 1660–1760. Cambridge: Cambridge University Press, 1978.

EHRLICH, Joshua. The East India Company and the Politics of Knowledge. Cambridge: Cambridge University Press, 2023.

JAMES, Bill; HENZLER, Jim. Win Shares. Chicago: STATS, Inc., 2002.

STERN, Philip J. The Company-State: Corporate Sovereignty and the Early Modern Foundations of the British Empire in India. Oxford: Oxford University Press, 2011.

STERN, Philip J. “History and Historiography of the English East India Company: Past, Present, and Future!”. History Compass, v. 7, n. 4, p. 1146–1180, 2009.

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