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sábado, 28 de junho de 2025

Do Jacksonianismo à República dos Coronéis: o Imaginário Populista na Formação Política do Brasil Republicano

Resumo

Este artigo propõe uma leitura comparativa entre a presidência de Andrew Jackson nos Estados Unidos e a consolidação do imaginário republicano no Brasil nas décadas seguintes à queda da monarquia. A partir das reflexões de Ernest Hambloch em Sua Majestade, o Presidente do Brasil, argumenta-se que o populismo jacksoniano antecipou certos traços típicos do presidencialismo latino-americano: o personalismo, a manipulação simbólica das massas, a erosão das instituições e a substituição da autoridade legal por uma autoridade carismática. Embora nascidos em contextos distintos, tais modelos compartilham uma visão plebiscitária e voluntarista da política, marcada por uma estética democrática que esconde estruturas de poder autoritárias.

Palavras-chave: Andrew Jackson; populismo; presidencialismo; imaginário republicano; Brasil; Ernest Hambloch.

1. Introdução

Em Sua Majestade, o Presidente do Brasil, Ernest Hambloch (1933) descreve, com ironia e agudeza, a transformação simbólica do poder republicano no Brasil em uma nova forma de monarquia, na qual o presidente assume as funções cerimoniais e absolutistas outrora atribuídas ao monarca. O que chama a atenção, contudo, é que essa crítica pode ser retroativamente aplicada à figura de Andrew Jackson, sétimo presidente dos Estados Unidos, cuja atuação entre 1829 e 1837 representa uma inflexão populista no modelo republicano clássico.

Ao comparar as duas figuras — o "presidente-rei" de Hambloch e o "tribuno das massas" jacksoniano — é possível delinear um modelo transnacional de presidencialismo plebiscitário, que teria profunda influência no imaginário político das futuras repúblicas latino-americanas.

2. O jacksonianismo e o nascimento do populismo moderno

A presidência de Andrew Jackson representou uma ruptura com o elitismo republicano jeffersoniano. A chamada Democracia Jacksoniana baseou-se na ampliação do sufrágio para homens brancos, no antagonismo contra elites bancárias e políticas, e na construção de uma máquina partidária de massas — o embrião do atual Partido Democrata.

Jackson fundou um novo paradigma: o líder eleito que fala diretamente com o povo, invocando a vontade popular contra as instituições intermediárias, como o Judiciário, o Senado ou o Banco Central. Como afirma Foner (2014), “Jackson transformou a presidência em um instrumento de mobilização popular, muitas vezes ignorando os freios constitucionais tradicionais”¹.

Essa transformação moldou o estilo político que se tornaria comum na América Latina: centralização no Executivo, culto à personalidade e discursos de antagonismo moral entre o povo e as elites.

3. Ernest Hambloch e O Presidente-Rei

Escrevendo na década de 1930, Ernest Hambloch via no regime republicano brasileiro uma farsa monárquica em chave populista, onde o presidente substituíra o rei, mas com mais poder simbólico e menos restrições institucionais. Segundo ele:

“O presidente não reina, governa; mas governa como se reinasse: rodeado de cerimônias, adulado por bajuladores, e sempre com o povo como cenário de fundo — não como protagonista”².

Hambloch aponta para o rebaixamento espiritual da sociedade: o cidadão, em vez de elevado à condição de soberano político, é infantilizado, convertido em público passivo de uma encenação. A mudança de regime não trouxe elevação moral ou racionalização das instituições, mas proletarização do espírito público.

4. A influência no imaginário republicano brasileiro

Embora a república brasileira tenha se instaurado sob influência direta do positivismo francês e do modelo presidencial norte-americano formal, seu modelo simbólico seguiu mais de perto a experiência jacksoniana: um Executivo forte, legitimado pelo voto, mas dotado de poderes quase imperiais, a quem tudo se concede em nome da vontade do povo.

O populismo getulista, o presidencialismo de Juscelino Kubitschek, e até os regimes militares utilizaram-se da lógica simbólica forjada por Jackson: um líder carismático que se apresenta como encarnação da vontade nacional, frequentemente acima ou contra as instituições.

Como observa Faoro (2001), “a república, ao romper com o trono, não construiu cidadania; edificou outro tipo de trono, mais instável, porém mais absoluto”³.

5. Considerações Finais

O populismo jacksoniano não foi apenas um fenômeno norte-americano, mas uma espécie de matriz simbólica que inspiraria regimes em outras partes do continente, ainda que de forma indireta e filtrada por realidades locais. No caso brasileiro, a crítica de Hambloch nos ajuda a perceber que a república não se degenerou: ela nasceu sob um imaginário já corrompido pelo personalismo e pela teatralização da política.

Entender Andrew Jackson como protopresidente latino-americano ajuda a lançar luz sobre os dilemas do presidencialismo de exceção — que, mesmo quando democrático na forma, pode ser autoritário no conteúdo.

Notas de Rodapé

  1. FONER, Eric. Give Me Liberty!: An American History. 4. ed. New York: W.W. Norton & Company, 2014. p. 367.

  2. HAMBLOCH, Ernest. Sua Majestade, o Presidente do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933. p. 47.

  3. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Globo, 2001. p. 452.

Referências Bibliográficas

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Globo, 2001.

FONER, Eric. Give Me Liberty!: An American History. 4. ed. New York: W.W. Norton & Company, 2014.

HAMBLOCH, Ernest. Sua Majestade, o Presidente do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1933.

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