Resumo
Este artigo apresenta a figura do asset person cristão como o renascimento de uma forma elevada de sócio societário — juridicamente múltiplo, espiritualmente uno, orientado à excelência, fidelidade e serviço. Trata-se de uma nova forma de statecraft, que reúne o melhor da lógica de guilda medieval, o realismo jurídico-político da teoria do Estado-Mercado e a espiritualidade do trabalho santificado nos méritos de Cristo. A reflexão é sustentada por fundamentos teológicos, filosóficos e jurídicos, com especial atenção às estratégias de organização fiscal internacional sob os princípios da justiça.
Palavras-chave: asset person; statecraft cristão; corporativismo; guilda; cidadania múltipla; Estado-Mercado-Corpo.
1 Introdução
A Renascença projetou o ideal de um homem completo, versado nas artes, nas ciências e nas letras. Contudo, ao deslocar o centro da vida humana de Deus para o homem, produziu um tipo incompleto de grandeza — bela, mas oca. Por sua vez, o globalismo contemporâneo reduziu o ser humano a um elemento intercambiável no fluxo financeiro internacional, apagando raízes, lealdades e vocações. Ambos os modelos, por distintos que sejam, falharam em produzir o verdadeiro sócio renascentista: aquele que combina técnica, virtude e ordenação a Deus.
O que propomos aqui é o perfil do asset person cristão — uma figura que emerge da interseção entre cidadanias múltiplas, lealdades espirituais e inteligência fiscal legítima. Ele não é apenas um sócio capitalista, mas um homem de Estado em sentido cristão, portador de soberania pessoal e espiritual, apto a operar nos domínios jurídico, político e econômico com fidelidade à Verdade.
2 O asset person cristão: identidade e missão
O asset person cristão é alguém cuja presença societária já representa, por si só, uma vantagem objetiva. Ele não apenas aporta capital, mas possui:
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Registro fiscal em diferentes regimes: CPF (Brasil), NIF (Portugal), PESEL (Polônia), RUT (Chile), RUC (Paraguai);
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Cidadania ativa em múltiplas nações com direito a voto e representação política;
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Capacidade de firmar contratos e representar legalmente em blocos diversos (UE, Mercosul, Aliança do Pacífico);
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Vínculos morais e espirituais com um código superior à mera conveniência mercantil.
Essa figura é o oposto do homo globalis, desenraizado e disponível a qualquer empregador. Ele é enraizado no Reino de Deus, mesmo enquanto transita por diversos ordenamentos jurídicos e políticos. Em linguagem de Philip Bobbitt, é um tipo de sujeito que forma o tecido do Estado-Mercado com um ethos próprio, que, diferentemente do utilitarismo pós-nacional, está fundado na integridade espiritual e na justiça distributiva¹.
3 Guilda e Excelência: corporativismo cristão reconstruído
A guilda medieval não era apenas uma associação econômica, mas uma ordem espiritual de trabalho, aprendizado e serviço. Seus membros formavam um corpo moral, com hierarquia, rito de passagem, disciplina e finalidade transcendente. O retorno a essa lógica — agora em escala internacional — é o caminho para superar tanto a burocracia conservadora do corporativismo estatal moderno quanto a liquidez moral do mercado globalizado.
Ao reunir apenas asset people comprometidos com Cristo, temos uma sociedade societária de elite moral e técnica, com funções claras, capacidade internacional e responsabilidade diante de Deus.
Como bem observa Olavo de Carvalho, a verdadeira liberdade só pode nascer da lealdade pessoal à Verdade que transcende o indivíduo e ordena seu espírito à vocação eterna². A guilda dos asset people não se organiza por cotas ou quotas, mas por mérito, virtude, estratégia e lealdade.
4 Do sócio renascentista ao Estado-Mercado-Corpo
Nem o ideal renascentista de homem universal, nem o cidadão global moderno foram capazes de formar o sócio renascentista cristão. O primeiro servia à estética do poder, o segundo ao anonimato da estatística. O asset person cristão, por sua vez:
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Serve à missão de Cristo nas estruturas do mundo;
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Costura sistemas legais de modo lícito e legítimo;
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Assume a responsabilidade pessoal por seu capital e por sua vocação;
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Move-se com inteligência geopolítica, fiscal e cultural, mas com fidelidade sacramental ao Todo que vem de Deus³.
Trata-se de um agente de statecraft cristão, que reordena a economia, o comércio e o direito com o espírito de Ourique e a racionalidade do Evangelho. Ele realiza, em ato, o que Philip Bobbitt descreve apenas em tese: um Estado-Mercado sustentado por confiança e contratos. No entanto, esse Estado-Mercado-Corpo tem uma cabeça — Cristo — e um coração — a comunhão dos santos que servem com suas riquezas ao bem comum⁴.
5 Considerações Finais
A emergência da figura do asset person cristão marca um ponto de inflexão na história da soberania pessoal. Não mais à mercê dos ídolos do Estado moderno nem das idolatrias do mercado apátrida, ele se firma como um soldado-cidadão de múltiplas jurisdições, mas de uma só fé.
"Capitais santificados pelo trabalho, lealdades sacramentadas pela verdade, contratos selados pela vocação — este é o novo corpo político-econômico do Reino em marcha."
Neste corpo, cada jurisdição legal, cada passaporte, cada número fiscal é um instrumento de serviço a Cristo em terras distantes — fazendo do Mito de Ourique e do Mito da Fronteira uma realidade operante e institucional, não apenas simbólica.
Referências
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BOBBITT, Philip. O Estado-Mercado: a nova forma de dominação política. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
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ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.
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PAPA LEÃO XIII. Rerum Novarum: encíclica sobre a condição dos operários. 1891. In: VATICANO. Documentos Pontifícios. Disponível em: https://www.vatican.va. Acesso em: 30 jun. 2025.
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CONFERÊNCIA DA ONU SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO (UNCTAD). Tax Treaties and Developing Countries. Geneva: UNCTAD, 2019.
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BRASIL. Decreto nº 5.844, de 13 de julho de 2006. Promulga o acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Chile para evitar a dupla tributação. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 14 jul. 2006.
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BRASIL. Instrução Normativa SRF nº 208, de 27 de setembro de 2002. Dispõe sobre a declaração de bens e direitos no exterior. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 30 set. 2002.
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