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domingo, 22 de junho de 2025

Uma análise comparativa entre o regime prisional francês e o brasileiro: estrutura, filosofia e perspectivas de ressocialização

Introdução

O sistema prisional constitui um reflexo direto das escolhas políticas, culturais e sociais de uma nação. Ao comparar o regime prisional francês com o brasileiro, emergem profundas diferenças quanto à gestão, à filosofia de ressocialização e às condições materiais oferecidas aos presos. Ambos os países enfrentam desafios estruturais semelhantes, como a superlotação, mas adotam respostas diametralmente opostas em termos de políticas penitenciárias e reintegração social.

Superlotação e Estrutura Física

A França apresenta uma taxa de encarceramento de aproximadamente 104 presos por 100 mil habitantes, com uma população carcerária que gira em torno de 74 mil pessoas. Contudo, a capacidade oficial do sistema é de cerca de 60 mil vagas, o que resulta numa ocupação média de 120%, com registros de presos dormindo no chão por falta de espaço adequado (RIDEL, 2023).

Diante dessa realidade, o governo francês implementou o princípio do numerus clausus, proposto por Gilbert Bonnemaison em 1989. Essa medida visa limitar o número de detentos em cada estabelecimento prisional, forçando o Judiciário a adotar penas alternativas, como a prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, para evitar o agravamento da superlotação (BONNEMAISON, 2014).

No Brasil, a situação é ainda mais crítica. Com uma população carcerária que ultrapassa 830 mil presos e uma capacidade oficial de pouco mais de 596 mil vagas, o déficit estrutural supera 230 mil vagas. O índice de ocupação ultrapassa 140%, com relatos constantes de violência, insalubridade, falta de assistência médica e desrespeito aos direitos humanos (REVISTA FT, 2025).

Filosofia de Punição e Ressocialização

A filosofia prisional na França vem passando por um processo de humanização. Além de buscar a redução da superlotação, o Estado francês promove atividades laborais, educacionais e culturais nas prisões. Muitos presos possuem acesso a bibliotecas, televisores, rádios e até mesmo a programas de trabalho interno, com remuneração simbólica. Detentos têm certa autonomia, como o direito de portar a chave de suas próprias celas em determinados estabelecimentos, o que reforça a noção de responsabilidade individual (RIDEL, 2023).

Por outro lado, o Brasil segue um modelo tradicional de punição com pouca ênfase na ressocialização, salvo por experiências isoladas como as implementadas nas unidades da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC). O método APAC se destaca por permitir a autogestão dos presos, oferecendo atividades educativas, laborais e religiosas. Como resultado, as unidades APAC apresentam taxas de reincidência de apenas 15%, contrastando fortemente com os índices que variam entre 39% e 80% no sistema penitenciário convencional (ZEFERINO; CASADO, 2017).

No entanto, a cobertura do modelo APAC ainda é limitada, com pouco mais de 100 unidades em funcionamento em todo o território brasileiro. Além disso, há críticas quanto à exigência de adesão voluntária e ao caráter fortemente religioso do método, que pode restringir sua aplicação universal (WIKIPÉDIA, 2025).

Saúde, Assistência Jurídica e Condições Humanas

A França assegura aos presos acesso ao sistema de saúde e a apoio jurídico. Contudo, a superlotação compromete a eficiência desses serviços, principalmente nas áreas de saúde mental e assistência psicológica (RIDEL, 2023).

No Brasil, apesar da obrigatoriedade legal de extensão do Sistema Único de Saúde (SUS) ao sistema prisional, a realidade é de precariedade: faltam profissionais de saúde, medicamentos e condições mínimas de atendimento. Na maioria das unidades, os familiares dos presos precisam arcar com medicamentos e cuidados básicos (REVISTA FT, 2025). As unidades APAC, por sua vez, conseguem oferecer um atendimento um pouco mais estruturado, mas ainda assim carecem de recursos públicos adequados (ZEFERINO; CASADO, 2017).

Indicadores de Reincidência

Na França, os dados oficiais de reincidência são menos claros e atualizados, mas sabe-se que o sistema francês busca minimizar a reincidência por meio da oferta de alternativas penais e políticas de reinserção social (BONNEMAISON, 2014).

No Brasil, a reincidência é um dos principais problemas estruturais do sistema penitenciário. Enquanto o sistema tradicional apresenta índices que podem chegar a 80%, a experiência das APACs comprova que é possível alcançar níveis abaixo de 15%, demonstrando que a dignidade, a educação e o trabalho são instrumentos eficazes de ressocialização (ZEFERINO; CASADO, 2017).

Considerações Finais

A análise comparativa entre o regime prisional francês e o brasileiro revela que, apesar de enfrentarem problemas semelhantes, como a superlotação e a falta de recursos, as soluções adotadas são bastante distintas. Enquanto a França caminha para a humanização e a ampliação de penas alternativas, o Brasil permanece preso a um modelo punitivista, com ilhas de excelência representadas pelas APACs.

O futuro do sistema prisional brasileiro dependerá da capacidade do Estado e da sociedade civil de adotar políticas públicas que priorizem a dignidade humana e a ressocialização, inspirando-se em experiências bem-sucedidas tanto no cenário nacional quanto internacional.

Referências Bibliográficas

BONNEMAISON, Gilbert. Numerus clausus no sistema penitenciário francês. In: ROIG, Rodrigo Duque Estrada. A aplicação do numerus clausus na França. 2014.

GEORGES, Laurent Ridel. Explorando soluções voltadas para o futuro na administração penitenciária francesa. Justice Trends, 19 out. 2023. Entrevista com o diretor. Disponível em: https://justice-trends.press/france-prison-reform/. Acesso em: 22 jun. 2025.

REVISTA FT. Sistema carcerário no Brasil: uma análise dos desafios e perspectivas de reforma. São Paulo: Revista FT, 2025.

WIKIPÉDIA. Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Associa%C3%A7%C3%A3o_de_Prote%C3%A7%C3%A3o_e_Assist%C3%AAncia_ao_Condenado. Acesso em: 22 jun. 2025.

ZEFERINO, Thatyany Macedo; CASADO, Aline Gabriela Pescaroli. APAC versus sistema prisional tradicional: avaliação sobre ressocialização e reincidência. Anais do EPCC – Encontro Internacional de Produção Científica Cesumar, 2017.

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