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segunda-feira, 30 de junho de 2025

A Verdadeira Realpolitik: da Realeza de Cristo em Ourique ao Reinado Social de Cristo-Rei

“É necessário que Ele reine.”
(1Cor 15,25)

Resumo

Este artigo propõe uma crítica à ideia moderna de realpolitik (fundada na cisão entre moral e política) e apresenta como contraponto a verdadeira política real: aquela fundada na realeza de Cristo, revelada no Milagre de Ourique (1139) e culminada doutrinariamente na encíclica Quas Primas (1925), do Papa Pio XI. Contra a astúcia maquiavélica e o pragmatismo bismarckiano, afirma-se aqui que toda política verdadeiramente real deve estar ordenada à verdade eterna e submissa ao Reinado Social de Cristo-Rei.

1. O sentido moderno de realpolitik: Maquiavel, Bismarck e a razão de Estado

A expressão realpolitik, embora cunhada no século XIX por Ludwig von Rochau em sua obra Grundsätze der Realpolitik, tornou-se símbolo da atuação pragmática e imoral do poder a partir da figura histórica de Otto von Bismarck, o “Chanceler de Ferro”. Este, ao promover a unificação alemã pela guerra, pela diplomacia de força e pelo uso oportuno das paixões nacionais, encarnou um tipo de política fundada no interesse de Estado acima da justiça e da verdade.

Esse modelo moderno, contudo, tem raízes em Maquiavel, que ao escrever O Príncipe por volta de 1513, estabeleceu uma nova fundação para o pensamento político: o poder, em vez da justiça, como centro da ordem social. Para Maquiavel, o governante deve "aprender a não ser bom", pois o bem não garante a estabilidade do poder — a astúcia, sim.

“É necessário, portanto, a um príncipe, se quiser manter-se, aprender a poder não ser bom.”
(MAQUIAVEL, O Príncipe, cap. XV)

Nasce daí a separação entre moral privada e ação pública. A política deixa de ser um ministério orientado pela lei natural e divina, para se tornar uma técnica de domínio, autônoma e indiferente à verdade. Esse desvio é a essência da modernidade política, cujos frutos estão visíveis nas tiranias, nos totalitarismos e na decadência das nações.

2. A fundação cristã da realeza em Ourique: realidade e missão divina

Contra esse espírito de separação entre política e moral, o Milagre de Ourique ressurge como antítese e fundação. Em 25 de julho de 1139, na véspera de batalha contra os mouros, Dom Afonso Henriques, ainda príncipe, teria tido uma visão de Cristo Crucificado, que lhe disse:

“Não temas, Afonso, porque Eu sou o Deus dos Exércitos. Não é por multidão de gente, mas por virtude que se vencem as batalhas.”

Esse episódio, além de inspirar a vitória sobre os cinco reis mouros, marcou a autoproclamação de D. Afonso como Rex Portugallensis — título que, segundo a tradição, foi aceito por aclamação pelas suas tropas e posteriormente legitimado pela Igreja.

Ourique não é um mito nacionalista, mas um evento teológico-político: a investidura de um príncipe por Cristo para cumprir uma missão sagrada — fundar um reino católico, consagrado a Maria, que seria instrumento do projeto civilizacional cristão no mundo. Trata-se de um ato de revelação histórica da realeza legítima como serviço ao Reino de Deus.

Diferente de Maquiavel ou Bismarck, Afonso Henriques não conquista o trono pela força apenas, mas por eleição divina, conformando-se à vontade de Cristo. A verdadeira realpolitik, portanto, não nasce do cálculo, mas do reconhecimento da soberania real de Cristo como fundamento do poder legítimo.

3. São Tomás de Aquino e a verdadeira política real: entre lei natural e lei eterna

São Tomás de Aquino, em seu tratado De Regno, oferece a moldura doutrinal para essa política real:

“O fim da sociedade política é a vida virtuosa, pois somente pela virtude o homem alcança o seu fim último, que é a bem-aventurança eterna.”
(TOMÁS DE AQUINO, De Regno, I, cap. XV)

A política, portanto, deve conduzir os homens à vida reta, e a autoridade civil tem sua legitimidade condicionada à conformidade com a lei natural e divina. Todo poder que se afasta dessa ordem torna-se injusto e ilegítimo. Assim, a política é real — no sentido mais profundo — quando se conforma à ordem ontológica e moral estabelecida por Deus.

Essa visão é completamente oposta àquela moderna, que vê na política uma arena de vontades, desejos e forças brutas. O realismo cristão é ontológico e moral: a realidade não é feita de forças, mas de natureza e finalidade.

4. Quas Primas: a doutrina do Reinado Social de Cristo

A confirmação teológica da realeza de Cristo como fundamento da ordem política se dá, em linguagem pontifícia, na encíclica Quas Primas, promulgada por Pio XI em 1925, no contexto da crise da cristandade e ascensão do secularismo.

“Cristo deve reinar sobre os indivíduos, sobre as famílias, sobre as nações e sobre os Estados.”
(PIO XI, Quas Primas, n. 11)

A festa de Cristo-Rei foi instituída precisamente para reafirmar a soberania de Nosso Senhor em face das tentativas modernas de separá-lo da vida pública. O Papa mostra que a paz verdadeira só poderá ser restaurada quando os povos reconhecerem novamente o senhorio de Cristo sobre todas as esferas da vida: intelectual, moral, jurídica, política, social.

“A exclusão de Cristo das leis e da vida pública trouxe à humanidade um grande caos moral e político.”
(Quas Primas, n. 24)

Essa doutrina não propõe uma teocracia clerical, mas a restauração da política como ministério ordenado ao bem comum integral, onde o Estado reconhece a verdade objetiva, os direitos de Deus e da Igreja, e favorece o florescimento da vida virtuosa dos cidadãos.

5. Ourique e o futuro: a missão real das nações cristãs

Quando se diz que a verdadeira realpolitik nasceu em Ourique, está-se dizendo que a política verdadeiramente real não é aquela que manipula a realidade, mas aquela que se submete à Verdade, que é uma Pessoa: Jesus Cristo.

Portugal — como todas as nações forjadas sob a Cruz — nasceu de um ato de reconhecimento do senhorio de Cristo. E sua missão, desde então, não é a de dominar o mundo, mas a de levar o mundo a Cristo, como bem expressa o lema da expansão portuguesa: “Para que Ele reine.”

A realeza de Cristo, reconhecida em Ourique, exige hoje de nós o mesmo gesto de humildade e obediência que D. Afonso Henriques ofereceu ao Crucificado: entregar o cetro de nossas decisões pessoais, familiares e políticas a Ele, Rei verdadeiro.

Conclusão: Política sem Cristo é ilusão

A política moderna é uma ilusão. Seu “realismo” é cego para a realidade mais profunda do mundo: que tudo foi criado por Cristo, para Cristo e em vista de Cristo (cf. Cl 1,16). Todo poder que ignora isso, torna-se fictício, frágil ou demoníaco.

A realpolitik de Maquiavel e Bismarck pode conquistar tronos, mas não gera reinos duradouros. Já a política fundada na Realeza de Cristo — vislumbrada em Ourique e ensinada pela Igreja — é a única que pode restaurar a ordem, a justiça e a paz.

“É necessário que Ele reine.”
(1Cor 15,25)

Notas

  1. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2001.

  2. TOMÁS DE AQUINO. De Regno ad Regem Cypri. In: Opera Omnia. Roma: Leonine, 1882.

  3. PIO XI. Quas Primas. Vaticano, 1925. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xi/en/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_11121925_quas-primas.html. Acesso em: 01 jul. 2025.

Referências Bibliográficas 

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Martin Claret, 2001.

OUSSET, Jean. Para que Ele Reine. 2. ed. São Paulo: Permanência, 2002.

PIO XI. Quas Primas. Vaticano, 1925. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xi/en/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_11121925_quas-primas.html. Acesso em: 01 jul. 2025.

TOMÁS DE AQUINO. De Regno ad Regem Cypri. In: Opera Omnia. Roma: Leonine, 1882.

CORRÊA DE OLIVEIRA, Plínio. Revolução e Contra-Revolução. 3. ed. São Paulo: Vera Cruz, 1993.

CALAFATE, Pedro. Pensamento Filosófico em Portugal: Séculos XV a XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. 3. ed. São Paulo: Vide Editorial, 2015.

DUARTE PIO, Dom. Ourique: Mito ou Milagre? Lisboa: Bertrand, 2009.

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