Em um mundo globalizado, marcado pela mobilidade e pela expansão do alcance espiritual e cultural dos povos, o conceito de cidadania precisa ser revisto à luz de um horizonte mais profundo: aquele em que os lares não são apenas geográficos, mas espirituais — lares em Cristo. Para o cristão comprometido com a santificação através do trabalho, do estudo e do serviço, o ato de votar não é apenas um direito, mas uma extensão de sua missão no mundo. A possibilidade de participar da vida política de múltiplas nações, mesmo residindo fisicamente no Brasil, revela um novo horizonte de apostolado cívico e espiritual: o voto por correspondência como instrumento de fidelidade.
O voto como ato de amor ao bem comum
O voto não é neutro. Ele é uma declaração sobre a ordem do mundo que queremos ver florescer. Quando um cidadão, nos méritos de Cristo, participa da política de sua nação, ele está exercendo uma forma de caridade social. Santo Tomás de Aquino ensina que a política é uma forma elevada de caridade, pois busca o bem comum (AQUINO, 2002).
Se a caridade não conhece fronteiras, por que o nosso voto as conheceria?
Tomar múltiplas nações como um mesmo lar em Cristo
Se o cristão é chamado a ser sal da terra e luz do mundo (cf. Mt 5,13-14), então a terra em que pisa — seja por nascimento, ascendência ou aliança — pode tornar-se um campo de missão. Casar-se com uma cidadã polonesa, por exemplo, não é apenas uma união entre duas pessoas, mas pode ser também uma aliança entre heranças espirituais e missões compartilhadas. Ser descendente de portugueses não é apenas uma nota de genealogia, mas um convite a honrar uma linhagem que trouxe o Evangelho ao Novo Mundo.
A possibilidade de obter a cidadania portuguesa por jus sanguinis e a cidadania polonesa por casamento, e com isso participar das eleições de ambos os países, revela uma dimensão da política como vocação: viver no Brasil e, ainda assim, exercer a cidadania como serviço transnacional nos marcos da fé.
Votar de longe: um apostolado silencioso
A legislação atual de países como Portugal e Polônia permite que cidadãos que vivem no exterior possam votar por correspondência ou mediante pedido prévio. No caso português, o voto é enviado automaticamente para o endereço do eleitor no estrangeiro, desde que esteja inscrito no recenseamento consular (PORTUGAL, 2022). No caso polonês, é necessário registrar-se no consulado e solicitar, em prazo hábil, a modalidade de voto por carta, conforme autorizado pelo Código Eleitoral da Polônia (POLÔNIA, 2023).
Participar dessas eleições é, portanto, uma forma de vigília cívica. O cristão que acompanha os acontecimentos políticos de outras nações com inteligência, prudência e amor à verdade pode discernir candidatos, partidos e políticas que melhor correspondem à ordem natural e à justiça evangélica. Assim, o voto transforma-se numa semente plantada à distância, mas cujos frutos podem ser colhidos por futuras gerações.
A multinacionalidade como vocação de serviço
Essa multiplicidade de cidadanias e lares políticos não é sinal de dispersão, mas de unidade superior. Em Cristo, todas as nações encontram sua plenitude. Aquele que age com retidão nas eleições de Portugal e da Polônia, mesmo morando no Brasil, está ajudando a construir um único corpo político fundamentado no Logos, pois toda autoridade verdadeira deve servir à Verdade (cf. JOÃO PAULO II, 1991).
Ser soldado-cidadão em Cristo implica estar atento às batalhas políticas travadas nos diferentes campos culturais a que temos acesso legítimo. O voto, mesmo enviado por correspondência, é um ato de presença espiritual: é como um sacramental da ordem política, operando pela fidelidade ao bem comum, mesmo à distância.
Conclusão: a fidelidade que ultrapassa fronteiras
Ao tomar múltiplas nações como um mesmo lar em Cristo, o cristão abandona o nacionalismo estéril e abraça a catolicidade da missão política. Através da votação por correspondência, torna-se possível unir o lar físico ao lar espiritual, o tempo cronológico ao kairos da história da salvação. Participar das eleições de outras nações — quando o direito legal coincide com o dever moral — torna-se, assim, uma forma de obediência ao chamado de Cristo: "Ide por todo o mundo" (Mc 16,15).
O envelope que atravessa oceanos carregando um voto pode parecer pequeno, mas nele repousa uma decisão que toca o destino de povos inteiros. Votar, neste contexto, é um gesto de fidelidade à Verdade que liberta — e à missão de amar cada povo com os olhos de Cristo.
Notas de rodapé:
AQUINO, S. Tomás de. Suma Teológica. Trad. de Alexandre Corrêa. Petrópolis: Vozes, 2002.
PORTUGAL. Comissão Nacional de Eleições. Guia do Eleitor Residente no Estrangeiro. Lisboa, 2022. Disponível em: https://www.cne.pt
POLÔNIA. Kodeks wyborczy [Código Eleitoral Polonês]. Varsóvia, 2023. Disponível em: https://www.sejm.gov.pl
JOÃO PAULO II. Centesimus Annus. Vaticano, 1991. Encíclica sobre a doutrina social da Igreja.
Bibliografia:
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Tradução de Alexandre Corrêa. Petrópolis: Vozes, 2002.
JOÃO PAULO II. Centesimus Annus. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1991.
POLÔNIA. Kodeks wyborczy [Código Eleitoral Polonês]. Varsóvia: Sejm Rzeczypospolitej Polskiej, 2023. Disponível em: https://www.sejm.gov.pl. Acesso em: 26 jun. 2025.
PORTUGAL. Comissão Nacional de Eleições. Guia do Eleitor Residente no Estrangeiro. Lisboa: CNE, 2022. Disponível em: https://www.cne.pt. Acesso em: 26 jun. 2025.
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