Vivemos uma época em que a produção intelectual se transformou, em grande parte, num jogo de vaidades institucionais. Há quem, ao ser solicitado a apresentar o fruto de seu labor intelectual, aponte como credencial suas publicações acadêmicas: artigos em revistas especializadas, capítulos em coletâneas organizadas por departamentos universitários ou papers apresentados em congressos cuja audiência é composta por um pequeno círculo de iniciados.
Ao deparar-me com esse tipo de resposta, minha reação é imediata: vejo que essa pessoa não é um intelectual de verdade, mas um intelectual de gabinete. A razão disso é simples e dolorosa: as instituições acadêmicas de hoje, salvo raríssimas exceções, não passam de fábricas de narcisismo burocratizado, onde o reconhecimento não advém da verdade, mas da chancela de pares igualmente iludidos, ou, pior, igualmente cínicos.
A primeira audiência: Deus, os santos e os anjos
O verdadeiro intelectual sabe para quem escreve. Ele não busca a aprovação do departamento de sociologia da universidade tal, nem o aplauso de um comitê editorial que mede qualidade pelo índice de citação. O intelectual autêntico tem consciência de que a primeira audiência que importa é a divina: Deus, os Santos e os Anjos no Céu.
Essa percepção modifica radicalmente o ethos do trabalho intelectual. Cada linha escrita é um ato de responsabilidade moral diante da Verdade, que é uma Pessoa. Cada argumento é uma prestação de contas diante do Juiz que vê o íntimo dos corações. Nesse tribunal, não há espaço para o flerte com modismos teóricos, nem para a ginástica retórica voltada ao agradar dos pares.
O problema da legitimação por chancela
O intelectual de gabinete age como quem precisa de aval para existir. Ele é produto de um sistema de validação circular: escreve para agradar aos colegas de departamento, os quais, por sua vez, produzem para serem citados reciprocamente. Esse círculo vicioso de autoafirmação institucional cria uma bolha de linguagem e de referências que, na prática, isola o intelectual do mundo real e da sede de verdade que pulsa nas almas comuns.
É por isso que, quando alguém me aponta como cartão de visitas suas publicações acadêmicas, eu não vejo ali uma prova de autoridade. Vejo apenas a prova de uma mentalidade prisioneira. Vejo um funcionário da indústria da opinião, não um servo da Verdade.
O trabalho extramuros: um dever espiritual
O trabalho intelectual sério é, por sua natureza, um trabalho extramuros. Não acontece nas conferências fechadas, nem nos periódicos de circulação restrita. Acontece no campo aberto da vida pública, onde a palavra encontra o povo, onde a verdade se mistura com o concreto da existência.
O verdadeiro intelectual não tem medo da exposição direta. Ele escreve blogs, mantém canais, grava vídeos, publica livros por conta própria, circula seus textos nas redes sociais, mesmo sabendo que pode ser ignorado ou ridicularizado. Ele não espera a autorização de um conselho editorial para falar o que deve ser dito. Ele presta contas, antes de tudo, à sua consciência diante de Deus.
A cultura da resistência
Essa postura não é gratuita. Ela é fruto de resistência. Em tempos em que a mentira se institucionaliza, o intelectual que deseja ser fiel à Verdade precisa assumir os riscos de trabalhar fora dos muros da academia. E isso custa caro: custa isolamento, custa a perda de oportunidades profissionais, custa o desprezo dos pares, custa a invisibilidade dentro dos circuitos oficiais.
Mas esse é o preço que se paga por não negociar a própria alma.
Conclusão: a medida da autoridade é a fidelidade à verdade
A autoridade intelectual não se mede por número de publicações, nem por fator de impacto, nem por índice H. Mede-se por fidelidade à Verdade e por disposição ao sacrifício. O critério último não é o aplauso dos homens, mas o reconhecimento do Céu.
O verdadeiro intelectual sabe: não há currículo Lattes que substitua um Livro da Vida bem escrito.
Bibliografia Recomendada:
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Pieper, Josef. O Ócio e a Vida Intelectual. É Realizações.
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Gurgel, Rodrigo. Crítica: A Arte de Pensar pela Literatura. É Realizações.
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Olavo de Carvalho. O Jardim das Aflições. Vide Editorial.
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Leão XIII. Rerum Novarum.
Notas de Rodapé:
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A crítica à produção acadêmica como círculo de validação interna é feita por vários autores contemporâneos, entre eles o filósofo Olavo de Carvalho em seus ensaios sobre a mentalidade universitária moderna.
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O conceito de “trabalho extramuros” aqui defendido ecoa a tradição dos grandes intelectuais públicos da história, que nunca se limitaram aos ambientes institucionais: Sócrates nas praças de Atenas, Santo Agostinho em suas epístolas, Dostoiévski em seus romances.
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Sobre a diferença entre prestígio institucional e autoridade moral, vide Josef Pieper, O Ócio e a Vida Intelectual.
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