Introdução
O conceito de desejo mimético, popularizado por René Girard, tem ganhado espaço nos debates sobre cultura, comportamento e moralidade. Muitos, entretanto, tratam a mimese como um dado antropológico neutro, ou até como um bem em si mesmo, sem considerar que o desejo humano, por sua própria estrutura, necessita de ordenação moral e teológica para não degenerar. Neste artigo, proponho uma reflexão crítica a partir de um princípio fundamental: o desejo mimético só é legítimo quando encontra sua direção última em Cristo, paradigma absoluto da imitação.
A natureza ambígua do desejo mimético
René Girard mostrou com clareza que o desejo humano é sempre mediado. Não desejamos as coisas de forma espontânea; desejamos porque o outro deseja. Esse mecanismo é estrutural, inscrito na condição humana desde a queda. Girard descreve como o desejo mimético, quando desordenado, gera inveja, rivalidade, escândalo e violência.
Mas há um ponto teológico que precisa ser sublinhado: Girard, apesar de sua lucidez antropológica, não dá conta sozinho da dimensão salvífica da imitação. Ele aponta o problema, mas a solução definitiva está na Revelação: Cristo é o único modelo de desejo verdadeiramente ordenado.
Cristo como único paradigma legítimo da imitação
São Paulo resume essa verdade de modo lapidar:
"Sede meus imitadores, como eu sou de Cristo." (1Cor 11,1)
O apóstolo estabelece o critério hermenêutico da imitação: a mediação só é legítima quando é Cristo-cêntrica.
Imitar alguém apenas porque essa pessoa é admirada, carismática, elegante, ou socialmente bem posicionada, é cair numa armadilha de vaidade e idolatria. É transformar a vida moral em teatro, como os fariseus que Jesus denuncia nos Evangelhos.
O risco aqui é claro: a substituição da virtude pela pose, da vida interior pela aparência exterior. Trata-se de uma degeneração moral onde o sujeito se torna um arremedo de humanidade, uma caricatura ambulante.
O animal que mente: a degradação do desejo mimético
Quando alguém imita o próximo fora da referência a Cristo, cai naquilo que poderíamos chamar de zoon pseudos, o "animal que mente". Uma vida baseada na mimesis de pose é uma vida de simulacro:
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Simula virtude sem ter virtude
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Simula cultura sem ter cultura
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Simula autenticidade enquanto vive de aparências
Esse é o típico caso do conservador de gravata borboleta que imita o conservadorismo anglo-saxão sem entender sua raiz espiritual, ou da moça que faz pose diante da pirâmide do Louvre como se fosse uma intelectual, mas que foge de qualquer aprofundamento verdadeiro de ideias.
A ordenação do desejo: do escândalo à redenção
O desejo mimético, enquanto potência da alma, não é mau em si. Como toda potência criada por Deus, ele é bom na sua raiz, mas precisa ser educado e redimido. Aqui, Santo Tomás de Aquino nos ajuda com a sua teoria das potências da alma e da necessidade de ordenação ao fim último.
Cristo é esse fim último. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14,6).
Toda imitação que não aponta para Ele é caminho de morte.
Como diz Girard, só há duas saídas para o desejo mimético: a violência sacrificial ou a conversão a Cristo.
Conclusão
A imitação não pode ser uma simples reprodução exterior de comportamentos alheios. Ela deve ser um ato de discernimento espiritual, um reconhecimento de Cristo no outro, seguido de uma decisão interior de aproximar-se da Verdade.
Imitar alguém sem Cristo é idolatria.
Imitar Cristo no outro é discipulado.
O cristão autêntico, ao olhar para qualquer figura humana, deve fazer a seguinte pergunta:
"Vejo Cristo nesta pessoa a ponto de, nos méritos de Cristo, me sentir autorizado a imitá-la?"
Se a resposta for não, então que não se imite. Porque, como diz o Senhor:
"O discípulo não está acima do mestre; todo aquele, porém, que for bem preparado, será como o seu mestre." (Lc 6,40)
E o único Mestre, em última instância, é Cristo.
Bibliografia
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GIRARD, René. O Bode Expiatório. São Paulo: Paulus, 2004.
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SAGRADA ESCRITURA. Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.
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TOMÁS DE AQUINO, São. Suma Teológica. Trad. Frei Leonardo Porto. Loyola, 2001.
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CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. São Paulo: Loyola, 2000.
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