Resumo
Este artigo propõe uma teologia política cristã fundamentada na missão de Ourique e no Reinado Social de Cristo como chave de leitura para a reorganização do espaço geopolítico e das formas contemporâneas de poder. A partir da noção do homem como “cosedor de mundos” — aquele que une nações como um mesmo lar em Cristo —, o texto desenvolve uma crítica espiritual à lógica globalista e imagina, a partir da tradição cristã, uma alternativa civilizacional fundamentada no serviço, na verdade e na santificação pelo trabalho. O artigo também cristianiza contribuições contemporâneas de autores como Philip Bobbitt, Manuel Castells, Yochai Benkler e Bruno Maçães, integrando-as à Doutrina do Sigma de Plínio Salgado.
1. A teologia política da missão: coser, servir, redimir
O cristão que atende ao chamado de servir a Cristo em terras distantes não é um exilado, mas um missionário. Ele leva consigo a presença do Rei de todas as nações (Sl 46,11), e com seu trabalho, sua oração e sua fidelidade, rejeita a ideia de fronteira como barreira instransponível. Como o milagre de Ourique ensinou a Portugal, a missão precede a política; o trono nasce do altar.
Assim surge o mundo do cosido, expressão de uma política artesanal e espiritual que substitui o domínio pela integração, a força pela costura e o interesse pela fidelidade.
Essa costura se dá em três ordens: jurídica, econômica e social, revelando o Reinado de Cristo até mesmo para aqueles que ainda não O confessam. A obra do cristão é a obra de reintegrar, como afirmou São Paulo: "tudo foi criado por Ele e para Ele [...] e n’Ele tudo subsiste" (Cl 1,16-17).
2. O cosedor de mundos e a revelação das comunidades
O homem cristão é, segundo Leopold Szondi, um construtor de pontes — ou seja, alguém que vence o abismo do tempo, do espaço e da dor por meio de decisões éticas, capazes de construir sentido e continuidade1. A esse construtor, aqui chamamos de cosedor de mundos: ele é o anti-revolucionário por excelência.
Se os modernos inventaram tradições e imaginaram comunidades a partir daquilo que era apenas conveniente e dissociado da verdade, o cristão revela comunidades reais, fundadas no que se ama e se rejeita em Cristo.
Portanto, o homem, revestido de verdadeiro Deus e verdadeiro homem, torna-se um revelador de comunidades autênticas, reunidas não por ficções ideológicas, mas por vínculos espirituais visíveis na vida comum, no serviço e no culto.
3. Redes santas: Benkler, Castells e a cristianização da conectividade
Os estudiosos contemporâneos das redes — como Yochai Benkler, Manuel Castells e Bruno Maçães — demonstram que o poder se reorganiza hoje em torno de redes informacionais e de infraestruturas digitais que operam como tecidos invisíveis da política global.
Benkler, em The Wealth of Networks, argumenta que o novo valor econômico não vem da propriedade, mas da cooperação em rede e da produção social baseada em valores compartilhados2. Contudo, a cristianização dessa ideia revela que tais redes só frutificam plenamente quando os valores são verdadeiros — e o valor supremo é Cristo, “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
Castells, por sua vez, em A Sociedade em Rede, vê o mundo contemporâneo como um sistema global de fluxos informacionais que redefine poder e identidade3. O cristão redime esse sistema não pelo isolamento, mas pela presença fiel e ordenadora dentro dele, fazendo da rede um campo de missão, não de servidão.
Já Bruno Maçães, em A Geopolítica da Conectividade, mostra como a disputa política atual ocorre em torno dos corredores de infraestrutura e fluxos transnacionais4. Quando esses fluxos são reordenados espiritualmente, tornam-se vias da Providência — verdadeiras “vias sacras” da política cristã.
4. O Estado-Mercado cristianizado: Philip Bobbitt e Plínio Salgado sob o Reinado de Cristo
Philip Bobbitt, em The Shield of Achilles, anuncia a ascensão do Estado-mercado, que substitui o Estado-nação e organiza o poder a partir do mercado global5. Sem Cristo, esse modelo tende à tirania disfarçada de liberdade. Mas quando redimido, o Estado-mercado pode tornar-se um Império de Cultura — um corpo político flexível, justo e evangelizador.
Plínio Salgado, com sua Doutrina do Sigma, antecipou esse modelo ao propor um Estado que integre organicamente família, propriedade, trabalho e fé, superando tanto o liberalismo dissolvente quanto o coletivismo totalitário6.
Unindo Bobbitt a Salgado, temos a possibilidade de um Estado-missão, um corpo intermediário da Cristandade que articula o serviço local com a santificação global, fundado no Logos e movido pela Graça.
5. A superação do mito da fronteira e o surgimento das redes santificadas
O mito da fronteira como limite intransponível é superado quando o cristão entra, serve, santifica e transforma. A fronteira, nesse contexto, é uma etapa da pedagogia da missão — não o fim. Por isso, a diáspora dos fiéis não é fuga, mas sementeira: “aquele que sai chorando, enquanto lança a semente, voltará com júbilo, trazendo seus feixes” (Sl 126,6).
Assim se constitui a verdadeira rede social cristã: feita de comunidades vivas, conectadas por laços espirituais e práticas comuns, sustentadas por Cristo e organizadas em torno de uma missão comum.
6. Conclusão: a nova ordem costurada em Cristo
Costurar mundos, construir pontes, revelar comunidades, integrar Estados, ordenar redes: essas são expressões de uma única obra — a restauração do Reino. O statecraft cristão não é um modelo técnico, mas uma vocação profética, que transforma a política em missão, a rede em corpo e a fronteira em altar.
Contra os falsários da modernidade, o cosedor de mundos testemunha que a Verdade é o fundamento da liberdade e que só há civilização verdadeira onde há serviço verdadeiro — em Cristo, por Cristo e para Cristo.
Referências bibliográficas (ABNT)
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BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven: Yale University Press, 2006.
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BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles: War, Peace, and the Course of History. New York: Alfred A. Knopf, 2002.
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CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
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FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis: Vozes, 2008.
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MAÇÃES, Bruno. Geopolítica da conectividade. São Paulo: É Realizações, 2023.
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SALGADO, Plínio. Doutrina do Sigma. São Paulo: Voz do Oeste, 1935.
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SZONDI, Leopold. Análise do Destino. São Paulo: Loyola, 2002.
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TOMÁS DE AQUINO, São. Suma Teológica. Trad. Frei Leonardo de Lacerda. São Paulo: Loyola, 2001.
Notas de rodapé
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SZONDI, Leopold. Análise do Destino, São Paulo: Loyola, 2002. Szondi entende o homem como um ser chamado à construção de pontes através de escolhas éticas profundas que revelam seu destino. ↩
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BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks, op. cit. A produção em rede baseada em valores compartilhados abre espaço para o serviço em comum, que no cristianismo é santificado pelo amor ao próximo. ↩
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CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, op. cit. A conectividade global pode ser redimida ao serviço do Reino, quando submetida à verdade e ao bem comum. ↩
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MAÇÃES, Bruno. Geopolítica da conectividade, op. cit. Os corredores de poder global se tornam vias da missão quando alinhados ao fim sobrenatural da política. ↩
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BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles, op. cit. O Estado-mercado é reinterpretado como corpo intermediário do Reino quando submetido ao Reinado Social de Cristo. ↩
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SALGADO, Plínio. Doutrina do Sigma, op. cit. A verdadeira integração política é espiritual e ordenada, não ideológica nem artificial. ↩
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