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segunda-feira, 30 de junho de 2025

O mundo do cosido: statecraft cristão, senso de servir a Cristo em terras distantes e superação do mito da fronteira

 Resumo

Este artigo propõe uma teologia política cristã fundamentada na missão de Ourique e no Reinado Social de Cristo como chave de leitura para a reorganização do espaço geopolítico e das formas contemporâneas de poder. A partir da noção do homem como “cosedor de mundos” — aquele que une nações como um mesmo lar em Cristo —, o texto desenvolve uma crítica espiritual à lógica globalista e imagina, a partir da tradição cristã, uma alternativa civilizacional fundamentada no serviço, na verdade e na santificação pelo trabalho. O artigo também cristianiza contribuições contemporâneas de autores como Philip Bobbitt, Manuel Castells, Yochai Benkler e Bruno Maçães, integrando-as à Doutrina do Sigma de Plínio Salgado.

1. A teologia política da missão: coser, servir, redimir

O cristão que atende ao chamado de servir a Cristo em terras distantes não é um exilado, mas um missionário. Ele leva consigo a presença do Rei de todas as nações (Sl 46,11), e com seu trabalho, sua oração e sua fidelidade, rejeita a ideia de fronteira como barreira instransponível. Como o milagre de Ourique ensinou a Portugal, a missão precede a política; o trono nasce do altar.

Assim surge o mundo do cosido, expressão de uma política artesanal e espiritual que substitui o domínio pela integração, a força pela costura e o interesse pela fidelidade.

Essa costura se dá em três ordens: jurídica, econômica e social, revelando o Reinado de Cristo até mesmo para aqueles que ainda não O confessam. A obra do cristão é a obra de reintegrar, como afirmou São Paulo: "tudo foi criado por Ele e para Ele [...] e n’Ele tudo subsiste" (Cl 1,16-17).

2. O cosedor de mundos e a revelação das comunidades

O homem cristão é, segundo Leopold Szondi, um construtor de pontes — ou seja, alguém que vence o abismo do tempo, do espaço e da dor por meio de decisões éticas, capazes de construir sentido e continuidade1. A esse construtor, aqui chamamos de cosedor de mundos: ele é o anti-revolucionário por excelência.

Se os modernos inventaram tradições e imaginaram comunidades a partir daquilo que era apenas conveniente e dissociado da verdade, o cristão revela comunidades reais, fundadas no que se ama e se rejeita em Cristo.

Portanto, o homem, revestido de verdadeiro Deus e verdadeiro homem, torna-se um revelador de comunidades autênticas, reunidas não por ficções ideológicas, mas por vínculos espirituais visíveis na vida comum, no serviço e no culto.

3. Redes santas: Benkler, Castells e a cristianização da conectividade

Os estudiosos contemporâneos das redes — como Yochai Benkler, Manuel Castells e Bruno Maçães — demonstram que o poder se reorganiza hoje em torno de redes informacionais e de infraestruturas digitais que operam como tecidos invisíveis da política global.

Benkler, em The Wealth of Networks, argumenta que o novo valor econômico não vem da propriedade, mas da cooperação em rede e da produção social baseada em valores compartilhados2. Contudo, a cristianização dessa ideia revela que tais redes só frutificam plenamente quando os valores são verdadeiros — e o valor supremo é Cristo, “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).

Castells, por sua vez, em A Sociedade em Rede, vê o mundo contemporâneo como um sistema global de fluxos informacionais que redefine poder e identidade3. O cristão redime esse sistema não pelo isolamento, mas pela presença fiel e ordenadora dentro dele, fazendo da rede um campo de missão, não de servidão.

Bruno Maçães, em A Geopolítica da Conectividade, mostra como a disputa política atual ocorre em torno dos corredores de infraestrutura e fluxos transnacionais4. Quando esses fluxos são reordenados espiritualmente, tornam-se vias da Providência — verdadeiras “vias sacras” da política cristã.

4. O Estado-Mercado cristianizado: Philip Bobbitt e Plínio Salgado sob o Reinado de Cristo

Philip Bobbitt, em The Shield of Achilles, anuncia a ascensão do Estado-mercado, que substitui o Estado-nação e organiza o poder a partir do mercado global5. Sem Cristo, esse modelo tende à tirania disfarçada de liberdade. Mas quando redimido, o Estado-mercado pode tornar-se um Império de Cultura — um corpo político flexível, justo e evangelizador.

Plínio Salgado, com sua Doutrina do Sigma, antecipou esse modelo ao propor um Estado que integre organicamente família, propriedade, trabalho e fé, superando tanto o liberalismo dissolvente quanto o coletivismo totalitário6.

Unindo Bobbitt a Salgado, temos a possibilidade de um Estado-missão, um corpo intermediário da Cristandade que articula o serviço local com a santificação global, fundado no Logos e movido pela Graça. 

5. A superação do mito da fronteira e o surgimento das redes santificadas

O mito da fronteira como limite intransponível é superado quando o cristão entra, serve, santifica e transforma. A fronteira, nesse contexto, é uma etapa da pedagogia da missão — não o fim. Por isso, a diáspora dos fiéis não é fuga, mas sementeira: “aquele que sai chorando, enquanto lança a semente, voltará com júbilo, trazendo seus feixes” (Sl 126,6).

Assim se constitui a verdadeira rede social cristã: feita de comunidades vivas, conectadas por laços espirituais e práticas comuns, sustentadas por Cristo e organizadas em torno de uma missão comum.

6. Conclusão: a nova ordem costurada em Cristo

Costurar mundos, construir pontes, revelar comunidades, integrar Estados, ordenar redes: essas são expressões de uma única obra — a restauração do Reino. O statecraft cristão não é um modelo técnico, mas uma vocação profética, que transforma a política em missão, a rede em corpo e a fronteira em altar.

Contra os falsários da modernidade, o cosedor de mundos testemunha que a Verdade é o fundamento da liberdade e que só há civilização verdadeira onde há serviço verdadeiro — em Cristo, por Cristo e para Cristo.

Referências bibliográficas (ABNT)

  • BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven: Yale University Press, 2006.

  • BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles: War, Peace, and the Course of History. New York: Alfred A. Knopf, 2002.

  • CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 7. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

  • FRANKL, Viktor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Petrópolis: Vozes, 2008.

  • MAÇÃES, Bruno. Geopolítica da conectividade. São Paulo: É Realizações, 2023.

  • SALGADO, Plínio. Doutrina do Sigma. São Paulo: Voz do Oeste, 1935.

  • SZONDI, Leopold. Análise do Destino. São Paulo: Loyola, 2002.

  • TOMÁS DE AQUINO, São. Suma Teológica. Trad. Frei Leonardo de Lacerda. São Paulo: Loyola, 2001.

 Notas de rodapé

  1. SZONDI, Leopold. Análise do Destino, São Paulo: Loyola, 2002. Szondi entende o homem como um ser chamado à construção de pontes através de escolhas éticas profundas que revelam seu destino.

  2. BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks, op. cit. A produção em rede baseada em valores compartilhados abre espaço para o serviço em comum, que no cristianismo é santificado pelo amor ao próximo.

  3. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede, op. cit. A conectividade global pode ser redimida ao serviço do Reino, quando submetida à verdade e ao bem comum.

  4. MAÇÃES, Bruno. Geopolítica da conectividade, op. cit. Os corredores de poder global se tornam vias da missão quando alinhados ao fim sobrenatural da política.

  5. BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles, op. cit. O Estado-mercado é reinterpretado como corpo intermediário do Reino quando submetido ao Reinado Social de Cristo.

  6. SALGADO, Plínio. Doutrina do Sigma, op. cit. A verdadeira integração política é espiritual e ordenada, não ideológica nem artificial.

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