Introdução
Vivemos numa era de constante exposição pública, em que a interação nas redes sociais acontece de maneira rápida, muitas vezes superficial, e desprovida de qualquer preparação prévia para o encontro de ideias. A presente reflexão nasce de uma experiência pessoal, relatada em meu próprio perfil no Facebook, sobre o modo como as pessoas têm se relacionado comigo na plataforma sem antes conhecer minimamente minha trajetória, meus gostos, ou minhas opiniões, todas elas acessíveis publicamente. Esta análise busca discutir, à luz de princípios éticos e filosóficos, o valor da estudiosidade no contexto digital e o problema da curiosidade ociosa.
O Problema da Curiosidade Superficial
Em primeiro lugar, destaco um comportamento recorrente: a prática de adicionar alguém em redes sociais sem o esforço mínimo de estudar previamente o perfil da pessoa. Em vez de percorrer meu histórico de postagens, meu blog ou mesmo observar as discussões que proponho, muitas pessoas se aproximam com perguntas rasas, movidas unicamente pela curiosidade desordenada. Este comportamento revela não só uma ausência de interesse real, mas também um desrespeito implícito ao tempo e ao esforço intelectual de quem se expõe publicamente.
A virtude da estudiosidade segundo São Boaventura
A ausência dessa preparação contrasta diretamente com o conceito de estudiosidade, tal como apresentado por São Boaventura. Para o Doutor Seráfico, a estudiosidade é uma virtude que modera e orienta o desejo de saber, contrapondo-se à curiosidade vã e ao desejo desordenado de informações irrelevantes. Enquanto a curiosidade move-se por impulso, sem finalidade reta, a estudiosidade é regida pela busca honesta da verdade, visando ao bem próprio e ao bem do próximo¹.
Ao analisar os perfis alheios com seriedade antes de estabelecer contato, pratico essa virtude. Antes de adicionar alguém, dedico-me a estudar tudo o que a pessoa escreveu, publicou ou compartilhou. Meu objetivo é abordar o interlocutor com propriedade, com perguntas pertinentes, fundadas em evidências, para estabelecer um diálogo respeitoso e produtivo.
A assimetria da reciprocidade
O que mais chama atenção, no entanto, é a assimetria desse processo. Embora eu pratique essa postura, raramente vejo os outros fazerem o mesmo comigo. Existe aqui uma negação da reciprocidade que considero fundamental nas relações humanas, especialmente quando se trata de interações intelectuais. Não é uma simples questão de etiqueta digital, mas de um princípio ético: se desejo que estudem meu perfil antes de iniciar uma conversa, também me esforço por fazer o mesmo.
O resultado dessa negligência é o surgimento de perguntas impertinentes, mal formuladas ou que já foram respondidas diversas vezes em meu blog ou em outras publicações. Essa falta de esforço torna a troca de ideias árida e, muitas vezes, infrutífera.
Conclusão
A experiência relatada serve como um alerta para todos que desejam cultivar relações mais profundas e significativas no ambiente digital. A virtude da estudiosidade, tão bem defendida por São Boaventura, deve ser resgatada como princípio orientador das nossas interações, sobretudo nas redes sociais, onde a tentação da superficialidade é constante.
Praticar a estudiosidade é, antes de tudo, um ato de caridade intelectual: significa respeitar o outro, reconhecer o esforço que ele fez para se expor, e responder-lhe com a mesma seriedade. Reciprocidade não é luxo; é requisito mínimo para qualquer diálogo que queira ser verdadeiro.
Referências
BOAVENTURA, São. Breviloquium. Petrópolis: Vozes, 1999.
SANTO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001.
AQUINO, Felipe de. As Virtudes Fundamentais. Lorena: Cléofas, 2006.
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