Pesquisar este blog

sexta-feira, 13 de junho de 2025

A liberdade de expressão e a verdade como fundamento da liberdade: um exame dos limites morais do discurso público

Resumo: 

Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre o princípio da liberdade de expressão quando esta é desvinculada do seu fundamento ontológico: a verdade. A partir de uma perspectiva ética e filosófica de inspiração tomista, examina-se o perigo de se defender indiscriminadamente o direito ao discurso, mesmo quando este serve apenas para conservar o erro e propagar o que é conveniente, mas falso. Argumenta-se que a liberdade, quando separada da verdade, transforma-se em licenciosidade e, em última instância, em tirania.

Palavras-chave: liberdade, verdade, expressão, licenciosidade, ética cristã, filosofia política.

1. Introdução

A máxima frequentemente atribuída a Voltaire — “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo” — tornou-se um mantra das democracias liberais. Contudo, a adoção acrítica dessa máxima tem contribuído para um esvaziamento do conceito de liberdade, tornando-o vulnerável à corrosão interna pelo relativismo. Este artigo busca demonstrar que a liberdade de expressão, quando descolada da verdade, não apenas se torna inócua, mas nociva, transformando-se em instrumento de autodestruição cultural e moral.

2. A verdade como fundamento da liberdade

Segundo a tradição tomista, a liberdade é a capacidade de agir segundo a razão, e a razão tem por fim conhecer e aderir à verdade. Para Santo Tomás de Aquino, a liberdade sem ordenação à verdade é uma falsa liberdade, que conduz ao pecado e à desordem:

“A liberdade propriamente dita é a liberdade em relação ao bem; a possibilidade de escolher o mal não é liberdade, mas defeito da liberdade.”¹

Nesse sentido, não existe verdadeira liberdade onde se abdica da busca pela verdade. A liberdade não é o direito de dizer qualquer coisa, mas a possibilidade de dizer o que é justo, bom e verdadeiro, ainda que isso seja custoso ou impopular. 

3. O erro como parasita da liberdade

Ao se defender indiscriminadamente a liberdade de expressão, permite-se que o erro tome o lugar da verdade nos espaços públicos. O erro, como bem observa René Descartes, não tem existência própria, mas é uma corrupção da verdade². Assim, permitir que o erro se propague como se fosse legítimo não é um ato de justiça, mas uma forma disfarçada de injustiça — pois coloca a mentira em pé de igualdade com a verdade.

O Papa João Paulo II, na encíclica Veritatis Splendor, adverte:

“A liberdade não é em si mesma um fim, mas um meio para alcançar a verdade e o bem.”³

Portanto, defender a liberdade sem critério é, muitas vezes, dar um tiro no próprio pé. Trata-se de armar o inimigo da verdade com as ferramentas da liberdade, como se o bem e o mal pudessem coexistir em harmonia.

4. Liberdade, conveniência e tirania

Quando o discurso público se torna um espaço onde se conserva o que é conveniente e dissociado da verdade — seja por interesse ideológico, seja por conforto psicológico — a liberdade de expressão se perverte em tirania. Isso porque o erro, ao ser institucionalizado, tolhe a liberdade dos que querem viver na verdade, substituindo o bem pelo consenso, a justiça pela tolerância irrestrita, e a sabedoria pela conveniência.

Como afirma Bento XVI:

“Sem a verdade, a liberdade se torna um arbítrio autodestrutivo.”⁴

A liberdade mal compreendida se torna escrava dos apetites e dos modismos. O discurso se torna um teatro de vaidades onde todos falam, mas ninguém é salvo; onde todos opinam, mas ninguém quer ouvir a voz da verdade.

5. Conclusão

A liberdade de expressão não é um valor absoluto, mas um meio ordenado à realização da verdade no convívio social. Quando a sociedade defende a liberdade de dizer o que for, inclusive o erro deliberado, ela abdica da liberdade verdadeira e semeia a tirania do relativismo. Não se trata, portanto, de censura, mas de uma hierarquia moral no uso da liberdade: o discurso deve ser livre, sim, mas sempre ordenado ao bem comum e à verdade.

6. Liberdade sem verdade como alcoolismo cultural: a anestesia que cega

A defesa indiscriminada da liberdade de expressão, especialmente em tempos de crise moral e social, guarda semelhança inquietante com o raciocínio de John Maynard Keynes ao propor que, em momentos de recessão econômica, o Estado deveria estimular os gastos públicos mesmo artificialmente, como forma de manter a circulação. Quando os povos estão de "ressaca", diz-se, o remédio seria uma nova bebedeira. No plano econômico, isso conduz a ciclos de dependência, endividamento e inflação. No plano moral, aplica-se o mesmo princípio com resultados análogos: diante da falência ética, estimula-se mais discurso, mais pluralismo, mais "liberdade", ainda que desvinculada de qualquer juízo de verdade.

Essa espécie de solução baseada na repetição do erro revela-se um verdadeiro alcoolismo cultural. A sociedade embriaga-se de retórica, anestesia-se com o ruído de mil vozes, e adia indefinidamente a sobriedade do juízo. Tal como o alcoólatra que bebe para esquecer que está doente, a cultura viciada em liberdade sem verdade fala para esquecer que não sabe mais o que diz. A curto prazo, essa embriaguez confere a ilusão de vitalidade; a longo prazo, dissolve os vínculos racionais e morais que sustentam a vida comum.

O resultado é o que José Saramago figurou em Ensaio sobre a cegueira: uma sociedade em que todos perdem a visão, não por lesão física, mas por colapso interior. A cegueira que se espalha não é apenas falta de luz exterior, mas recusa da luz interior — isto é, da verdade. A liberdade mal compreendida age como vetor dessa cegueira coletiva: todos falam, mas ninguém enxerga; todos opinam, mas ninguém busca a sabedoria; todos exigem respeito, mas poucos reconhecem o bem.

Essa cultura da "cegueira eloquente" mina o próprio fundamento da liberdade, pois a liberdade exige discernimento, e o discernimento exige verdade. Sem isso, o discurso público transforma-se em uma babel moral, onde tudo é permitido, mas nada é compreendido; onde o grito substitui o argumento, e o relativismo institucionaliza o erro como se fosse opinião legítima.

Referências

  1. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2001. I-II, q. 18, a. 5.

  2. DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Trad. Guedes Cruz. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

  3. JOÃO PAULO II. Veritatis Splendor. Vaticano, 1993. Disponível em: https://www.vatican.va. Acesso em: 13 jun. 2025.

  4. BENTO XVI. Discurso no Parlamento Alemão, Berlim, 22 de setembro de 2011. Disponível em: https://www.vatican.va. Acesso em: 13 jun. 2025.

  5. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

  6. KEYNES, John Maynard. Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

Nenhum comentário:

Postar um comentário