Introdução
A distinção entre curiosidade e estudiosidade não é apenas uma sutileza filosófica; é um princípio que orienta toda a minha conduta intelectual, especialmente nas redes sociais. Não me movo por curiosidade fútil, mas por um desejo ordenado e sincero de conhecer a verdade. Ao longo dos anos, essa postura tem gerado situações reveladoras sobre a natureza das pessoas com quem me deparo. Um episódio recente, envolvendo alguém que se exibia orgulhosamente em frente ao Louvre, tornou-se para mim um caso exemplar da diferença entre o intelectual de pose e o intelectual de carne e osso, moldado pela estudiosidade conforme ensina São Boaventura.
A ilusão da pose intelectual
A fotografia diante do Louvre é, por si só, uma cena carregada de simbolismo. Trata-se de uma tentativa clássica de associação automática com o saber, a cultura e a sofisticação estética. A imagem passa uma mensagem de erudição, mas essa imagem, por si só, não passa de uma casca.
Quando, motivado pela estudiosidade, peço a essa pessoa o link de seu blog, seu perfil no Facebook ou qualquer outro espaço onde ela exponha suas ideias, a reação é quase sempre a mesma: ela treme na base. Esse tremor revela o abismo entre a pose intelectual e o verdadeiro compromisso com a atividade intelectual.
A natureza pública da vida intelectual
Segundo São Boaventura, a estudiosidade é uma virtude que orienta e ordena o desejo de saber, afastando-o da curiosidade vã e da busca desordenada por informações sem finalidade moral e intelectual legítima¹. Quem possui essa virtude entende que a atividade intelectual é, por natureza, pública. O intelectual de carne e osso sabe que o fruto de suas leituras, meditações e debates pertence à esfera pública, pois visa ao bem comum, à edificação do próximo e à glorificação da verdade.
Ao contrário, o intelectual de pose evita o escrutínio público. Mantém perfis fechados, não mantém blog, não escreve textos de fôlego e, quando pressionado a expor o que pensa, escorrega para generalidades, frases feitas ou silêncios constrangedores.
A covardia intelectual diante da exposição
O verdadeiro intelectual não teme ser estudado. Pelo contrário, ele deseja que seus escritos, suas ideias e até suas contradições sejam conhecidos, para que o diálogo autêntico aconteça. Já o intelectual de pose foge da exposição como o demônio foge da cruz. O medo de ser estudado é, na verdade, medo de ser desmascarado. Teme-se que, ao menor aprofundamento, fique claro que por trás da selfie no Louvre, não há um pensamento sólido, apenas vaidade e afetação.
Essa covardia intelectual é agravada quando a pessoa tenta manipular conceitos como privacidade ou proteção de dados para fugir da responsabilidade pública da vida intelectual. Como já apontei em outro momento, a LGPD não é um escudo contra a exigência ética de exposição no campo das ideias².
A inversão moral: quando o estudioso passa por invasivo
Chega-se ao absurdo de que, ao solicitar os meios para seconhecer melhor uma pessoa — um pedido legítimo fundado na estudiosidade —, sou eu quem passa por invasivo. Isso é fruto da inversão de valores promovida por uma geração que confunde exposição estética com compromisso intelectual, e que, no fundo, teme o debate, a crítica e a responsabilidade.
Conclusão
O episódio da selfie diante do Louvre serve como mais um sinal claro da crise da autenticidade intelectual em nossos tempos. A verdadeira atividade intelectual é pública, aberta ao exame, moldada pela virtude da estudiosidade e regida por um amor sincero à verdade.
Se alguém não é capaz de fornecer um blog, um perfil público ou sequer um conjunto mínimo de ideias já organizadas por escrito, essa pessoa não pode, honestamente, reivindicar para si o título de intelectual. Ela não passa de um simulacro, uma caricatura, um intelectual de pose.
Cabe a nós, que seguimos o ideal da estudiosidade tal como descrito por São Boaventura, continuar buscando a verdade com seriedade, oferecendo nossa produção intelectual ao olhar público e exigindo o mesmo de quem deseja dialogar conosco.
Referências
¹ BOAVENTURA, São. Breviloquium. Petrópolis: Vozes, 1999.
² BRASIL. Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF, 2018.
³ CARVALHO, Olavo de. O Mínimo que Você Precisa Saber para não ser um Idiota. Rio de Janeiro: Record, 2013.
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