Introdução
A crise contemporânea que atravessa o mundo do trabalho e da educação não pode ser vista apenas como um problema técnico de oferta e demanda por mão-de-obra qualificada. O que estamos vivendo é uma crise moral, espiritual e antropológica. A trajetória da universidade, antes um espaço de cultivo da verdade, da beleza e da bondade, transformou-se, com o tempo, em um centro de certificação burocrática de competências, cada vez mais esvaziadas de conteúdo substancial. Daí, chegamos ao fenômeno que hoje assola a sociedade: a crise do diploma, que desagua na crise dos currículos e, finalmente, na crise das relações humanas.
A crise da universidade: o esvaziamento da verdade
A universidade, fundada originalmente como um locus da busca desinteressada pela verdade — veritas quaerens — passou a ser um mercado de títulos. Como já denunciava o Papa Bento XVI, o relativismo invadiu as instituições de ensino, e com ele veio o culto às metodologias vazias, aos modismos acadêmicos e ao produtivismo de artigos que ninguém lê. O conhecimento deixou de ser um fim em si mesmo, tornando-se mero meio de validação social.
A consequência direta foi a inflação de diplomas. O que antes era um sinal de um percurso de vida dedicado ao estudo e à virtude intelectual, hoje é um mero papel timbrado, que qualquer um pode comprar com quatro anos de presença protocolar, adestramento técnico e, em muitos casos, ideologização rasa.
A crise do diploma: um título sem alma
A inflação do número de diplomados produziu um efeito inevitável: a desvalorização do diploma. Antigamente, ser “bacharel”, “mestre” ou “doutor” carregava consigo uma responsabilidade moral. Hoje, tais títulos não significam mais uma efetiva transformação intelectual ou espiritual daquele que os possui.
Na prática, um diploma já não é suficiente para garantir nem emprego, nem autoridade moral, nem sequer respeito no ambiente de trabalho. Multiplicaram-se as pós-graduações, os MBAs, os cursos livres, os certificados internacionais... mas poucos são os que efetivamente se tornam melhores seres humanos ao longo desse processo.
O LinkedIn e a crise dos currículos: a indústria da vaidade
A isso somou-se um fenômeno cultural: a ascensão das redes sociais profissionais, como o LinkedIn. O que deveria ser uma plataforma de encontro entre talentos e oportunidades se transformou num mercado de vaidades, onde impera a positividade tóxica. Vemos ali uma exibição pública de egos inflados: pessoas “gratas pela oportunidade”, “honradas em fazer parte de um novo desafio”, com fotos de palestras, certificados e "conquistas" que muitas vezes são apenas simulacros de valor.
A consequência inevitável foi a crise dos currículos: os papéis que outrora representavam o percurso de vida de um trabalhador diligente, agora se tornaram vitrines de marketing pessoal. Palavras vazias, resultados superestimados, autoelogios disfarçados de humildade performativa. Tudo para agradar a um algoritmo que premia a adulação e a autocelebração.
A inflação do ego: a morte das relações humanas verdadeiras
A inflação do ego contaminou as relações humanas. Numa sociedade que se estrutura sobre aparências, quem se recusa a participar desse teatro da vaidade é logo rotulado de "pouco engajado", "sem soft skills" ou "carente de inteligência emocional".
Mas a verdadeira inteligência emocional não é agradar a todos nem saber se vender. É ter consciência da sua condição de criatura limitada e, dentro dessa condição, buscar a santificação através do trabalho honesto e do estudo sério. O critério último de valor de uma pessoa não está em seu diploma, nem em seu currículo, nem nas métricas de engajamento no LinkedIn, mas sim nos olhos de Cristo, que vê o coração e pesa as intenções.
Cristo e o verdadeiro currículo: as obras que nos acompanham
Diante de Deus, o currículo que nos acompanha é outro: são as obras feitas com caridade, justiça e verdade. O que permanece, na linguagem paulina, são a fé, a esperança e a caridade — e destas, a maior é a caridade. Quem se santifica através do trabalho e do estudo, não o faz para conquistar aplausos humanos, mas para honrar o dom da vida e devolver a Deus, com juros espirituais, os talentos que lhe foram confiados.
O intelectual verdadeiro, o trabalhador honesto, o estudante sincero — todos eles sabem que a sua primeira audiência é o Céu, não o RH de uma multinacional ou os seguidores de uma rede social.
Conclusão
Vivemos numa era de inflação moral, onde títulos e palavras valem menos a cada dia, enquanto o silêncio operoso, a humildade e a integridade seguem sendo moedas de valor eterno. O desafio de hoje é reencontrar a autenticidade. Abandonar a lógica da exibição e voltar à lógica do serviço. Redescobrir o verdadeiro sentido do trabalho e do estudo: a santificação pessoal e o serviço ao próximo, nos méritos de Cristo.
Notas de Rodapé:
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Bento XVI. "Discurso à Universidade de Roma La Sapienza", 2008.
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Pieper, Josef. "O Ócio e a Vida Intelectual", É Realizações, São Paulo.
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Bauman, Zygmunt. "Modernidade Líquida", Zahar.
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Sennett, Richard. "A Corrosão do Caráter", Record.
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Bíblia Sagrada. I Coríntios 13:13, São Paulo: Paulinas.
Bibliografia:
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Pieper, Josef. O Ócio e a Vida Intelectual. São Paulo: É Realizações, 2012.
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Sennett, Richard. A Corrosão do Caráter. Rio de Janeiro: Record, 2001.
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Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
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Bento XVI. Discurso à Universidade de Roma La Sapienza, 2008.
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Bíblia Sagrada. São Paulo: Paulinas, 2001.
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