Resumo
Este artigo propõe o conceito de Estado-Mercado-Corpo, como uma forma teológica e jurídica de síntese entre o Estado-Mercado de Philip Bobbitt e o Estado Corporativo cristão, conforme formulado por Plínio Salgado e o Integralismo brasileiro. O ponto central dessa síntese é a figura do asset person cristão: um sócio com múltiplas cidadanias, registros fiscais e acesso político, que, ao invés de servir ao globalismo apátrida ou à estética da Renascença, organiza o mundo em função de Cristo. Trata-se de uma proposta de restauração do corporativismo pela excelência, articulando soberania pessoal, fidelidade espiritual e inteligência estratégica.
Palavras-chave: Estado-Mercado-Corpo; asset person; corporativismo cristão; Philip Bobbitt; Plínio Salgado; statecraft; guilda cristã.
1 Introdução
O colapso progressivo do Estado moderno tem levado teóricos a proporem novos paradigmas para justificar a soberania e o vínculo político. Philip Bobbitt, por exemplo, propõe o modelo do Estado-Mercado, baseado não mais na proteção, mas na prestação contratual de serviços e garantias a um cidadão-usuário⁽¹⁾. No entanto, essa abordagem tecnocrática, embora funcional, é vazia de princípios espirituais e morais.
Em contrapartida, a tradição do corporativismo católico, especialmente nas obras de Plínio Salgado, insiste que o Estado deve ser expressão moral da comunidade nacional, com base na ordem natural e nos mandatos espirituais que unem o indivíduo à sociedade. O corporativismo integralista propõe um corpo político ordenado à Verdade, à hierarquia e ao serviço, em clara oposição ao atomismo liberal⁽²⁾.
Este artigo apresenta uma síntese desses dois modelos — técnica e espiritual — na forma do Estado-Mercado-Corpo, cuja célula fundamental é o asset person cristão: um sócio transnacional, fiel à ordem divina, e plenamente integrado às estruturas fiscais, jurídicas e culturais de diversos países. Ele encarna a soberania pessoal cristã como forma superior de cidadania e lealdade.
2 O asset person cristão: vínculos jurídicos e unidade espiritual
O asset person cristão é aquele cuja vida jurídica e tributária se organiza em torno de um princípio espiritual superior. Ele não é escravo do utilitarismo global, mas servo do Reino. Sua vantagem não está apenas no capital que aporta, mas na teia de vínculos legítimos que constrói e administra com inteligência e retidão.
Entre os registros que ele detém, estão:
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CPF (Brasil), para representação política e capacidade jurídica plena;
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NIF (Portugal) e PESEL (Polônia), para cidadania e direito de voto na União Europeia;
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RUC (Paraguai), como base fiscal em regime territorialista;
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RUT (Chile), para acesso à Zona Franca de Iquique e à rede do Pacífico.
Cada uma dessas inserções é, ao mesmo tempo, um direito público e uma missão pessoal: servir a Cristo em terras distantes, fazendo de múltiplas jurisdições um mesmo lar espiritual e funcional⁽³⁾.
3 Corporativismo pela excelência: guilda dos asset people
A ideia de reunir somente asset people numa mesma estrutura societária resgata a lógica das guildas medievais, onde não havia lugar para mediocridade, mas apenas para mestres, aprendizes e obreiros consagrados. A guilda dos asset people seria:
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Internacional por natureza;
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Cristã por fundamento;
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Fiscalmente inteligente por estrutura;
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E voltada ao bem comum.
Nela, o trabalho não é apenas produção, mas santificação. O contrato não é apenas instrumento, mas pacto moral. A soberania não é apenas direito político, mas dever espiritual.
Como ensinou Leão XIII em Rerum Novarum, a ordem social deve estar enraizada na justiça, na piedade e na caridade⁽⁴⁾. E como recorda Josiah Royce, a lealdade é o princípio que sustenta todas as demais virtudes sociais⁽⁵⁾.
4 Síntese Teológico-Política: Philip Bobbit e Plínio Salgado
Philip Bobbitt identificou que o Estado moderno se transformava num Estado-Mercado, onde o contrato substitui a proteção e o vínculo tradicional. Trata-se de um Estado que responde a clientes, não a cidadãos⁽⁶⁾. Essa forma está cada vez mais presente nas políticas públicas, no uso da tecnologia e nas relações internacionais.
Por outro lado, Plínio Salgado propõe um modelo em que o Estado é a expressão visível de uma alma coletiva cristã, articulada em corpos intermediários (família, corporações, municípios), e onde a função política é serviço moral, não mera gestão⁽⁷⁾.
A proposta do Estado-Mercado-Corpo integra ambas as visões. Reconhece a agilidade, a mobilidade e a contratualidade do Estado-Mercado, mas ordena essa estrutura à verdade revelada, à justiça natural e à fidelidade a Cristo. Nesse modelo, o asset person não é um indivíduo abstrato, mas um membro do Corpo de Cristo, investido de missão e função pública.
5 Conclusão: o Estado em forma de corpo
O Estado-Mercado-Corpo representa a culminância de três tradições distintas:
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A racionalidade jurídica e fiscal do Estado contemporâneo;
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A espiritualidade social do corporativismo católico;
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E a missão pessoal do cristão como soldado-cidadão de Cristo.
Neste novo paradigma, o sócio não é apenas um capitalista, mas um cavaleiro da ordem fiscal legítima, um diplomata jurídico e um administrador de talentos nos méritos de Cristo. Ele é uma célula viva de um novo tipo de Estado, onde a cidadania é multilateral, mas a lealdade é única: ao Rei dos Reis.
A restauração do corporativismo pela excelência, estruturado na figura do asset person cristão, não é uma utopia — é o caminho da liberdade ordenada, da política com alma, e da economia com verdade.
Referências
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BOBBITT, Philip. O Estado-Mercado: a nova forma de dominação política. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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BOBBITT, Philip. The Shield of Achilles: War, Peace and the Course of History. New York: Knopf, 2002.
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CARVALHO, Olavo de. O Jardim das Aflições. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
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LEÃO XIII. Rerum Novarum: encíclica sobre a condição dos operários. 1891. Disponível em: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html. Acesso em: 30 jun. 2025.
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ROYCE, Josiah. The Philosophy of Loyalty. New York: Macmillan, 1908.
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SALGADO, Plínio. Doutrina do Sigma. São Paulo: Editora das Américas, 1935.
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SALGADO, Plínio. O Que é o Integralismo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1933.
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