Introdução
O século XVII representou um dos maiores desafios para a Cristandade, sobretudo no campo da expansão colonial e comercial. Enquanto a Igreja Católica consolidava os frutos da Contra-Reforma religiosa – fruto direto do Concílio de Trento e do trabalho das ordens missionárias – surgia, no campo econômico, uma ofensiva protestante jamais vista: a ascensão das Companhias das Índias Orientais e Ocidentais, especialmente sob comando holandês e inglês¹.
A ausência de uma Contra-Reforma econômica concomitante foi um erro estratégico que custou caro à Igreja e aos Estados católicos. Este artigo propõe uma reflexão contrafactual (o "e se?") e prospectiva: como teria sido, e como pode ser a partir de agora, uma Companhia Católica de Comércio como braço econômico da missão evangelizadora.
1. O "e se?": a hipótese histórica de uma companhia católica contra-reformista no século XVII
Se Portugal e Espanha, durante o século XVII, tivessem desenvolvido um modelo de companhia comercial com princípios doutrinários católicos claros – aquilo que hoje chamamos de Doutrina Social da Igreja – a história colonial teria seguido um rumo substancialmente diferente.
Uma Companhia Católica de Comércio, como subproduto direto da Contra-Reforma, teria se organizado com os seguintes pilares:
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Finalidade Missionária Primária: Todo comércio seria instrumento da evangelização. Lucros seriam canalizados para a fundação de escolas, hospitais, igrejas e formação de missionários.
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Modelo Distributivista Antecipado: A propriedade acionária da companhia seria amplamente distribuída entre pequenos investidores católicos, comunidades paroquiais e ordens religiosas. Isso criaria uma base social de apoio e corresponsabilidade³.
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Regulação Eclesiástica Estrita: Um conselho de teólogos e bispos teria poder consultivo e, em casos extremos, de veto sobre decisões da companhia. Toda forma de usura, exploração ou comércio de escravos seria bloqueada desde a origem.
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Formação Moral dos Agentes Comerciais: Os funcionários da companhia seriam formados espiritualmente como leigos missionários, em consonância com a espiritualidade que depois seria sistematizada por São Josemaría Escrivá, mas que poderia ter sido intuída antes no espírito tridentino⁴.
Se tal estrutura tivesse existido, os efeitos práticos poderiam ter sido:
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O bloqueio efetivo da expansão holandesa no Brasil e na África;
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A formação de uma rede de comércio católico global, integrando Europa, América, África e Ásia sob uma lógica moral cristã;
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A contenção do espírito capitalista predatório que viria a dominar os séculos XVIII e XIX.
Como Belloc bem descreve em The Servile State, o capitalismo moderno nasce exatamente da falha da Cristandade em criar uma estrutura distributiva e justa durante esse período chave (BELLOC, 1912)⁵.
2. A Contra-Reforma Econômica Hoje: projeto de restauração civilizacional
Daqui para frente, a tarefa é não apenas imaginar o "e se", mas construir o "a partir de agora".
Uma Companhia Católica de Comércio moderna pode operar em setores como:
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Agronegócio ético e sustentável, voltado para mercados que demandam produtos com certificação ética e ambiental.
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Tecnologia e Software, criando plataformas digitais que integrem evangelização, comércio justo e formação de comunidades.
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Microfinanças missionárias, financiando pequenos produtores, artesãos e empreendedores em países pobres, com acompanhamento espiritual.
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Educação e Cultura, distribuindo livros, filmes e material formativo que promova a Verdade Católica, combatendo o secularismo e o progressismo cultural.
Do ponto de vista estrutural, essa companhia precisa seguir:
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Transparência administrativa, com balanços públicos revisados por auditores independentes e consultoria de moralistas católicos.
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Participação comunitária, evitando a formação de elites corporativas distantes da realidade das comunidades atendidas.
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Orientação teleológica clara, isto é, tudo deve estar subordinado ao fim último: a glória de Deus e a salvação das almas.
Conclusão
A verdadeira Contra-Reforma econômica, adiada por séculos, só pode nascer agora se for entendida como um prolongamento direto da Cruz. Ela deve operar como um braço prático da Doutrina Social da Igreja, corrigindo o erro histórico de ter combatido a heresia protestante no campo teológico, mas ter falhado em brecá-la no campo econômico.
O projeto de uma Companhia Católica de Comércio, seja no século XVII, seja no século XXI, representa o esforço da Igreja de harmonizar fé, economia e missão. Trata-se de transformar o comércio mundial, hoje dominado por lógicas materialistas e relativistas, em um instrumento de evangelização e justiça social.
Notas de Rodapé
¹ ISRAEL, Jonathan I. The Dutch Republic: Its Rise, Greatness, and Fall 1477–1806. Oxford: Clarendon Press, 1995.
² LEÃO XIII. Rerum Novarum. Petrópolis: Vozes, 1982.
³ CHESTERTON, G.K. The Outline of Sanity. Londres: Methuen & Co., 1926.
⁴ ESCRIVÁ, Josemaría. Cristo que passa. São Paulo: Quadrante, 2002.
⁵ BELLOC, Hilaire. The Servile State. Londres: T.N. Foulis, 1912.
Referências Bibliográficas
BELLOC, Hilaire. The Servile State. Londres: T.N. Foulis, 1912.
CHESTERTON, G.K. The Outline of Sanity. Londres: Methuen & Co., 1926.
ESCRIVÁ, Josemaría. Cristo que passa. São Paulo: Quadrante, 2002.
ISRAEL, Jonathan I. The Dutch Republic: Its Rise, Greatness, and Fall 1477–1806. Oxford: Clarendon Press, 1995.
LEÃO XIII. Rerum Novarum. Petrópolis: Vozes, 1982.
WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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