Introdução
No campo da Administração Pública brasileira, a vedação ao nepotismo é um dos temas mais recorrentes quando se discute moralidade administrativa e respeito ao interesse público. No entanto, é comum que haja interpretações equivocadas quanto aos limites dessa vedação. O presente artigo visa esclarecer, com base na legislação vigente e em doutrina especializada, que a nomeação de parentes de graus remotos não configura nepotismo, desde que respeitados os princípios constitucionais e legais aplicáveis.
O conceito jurídico de nepotismo
Nepotismo é o favorecimento de parentes por parte de agentes públicos na ocupação de cargos, funções ou empregos públicos. O tema ganhou maior objetividade jurídica a partir da edição da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece:
"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, viola a Constituição Federal"¹.
Assim, a vedação legal é objetiva e alcança apenas os parentes até o terceiro grau.
A contagem dos graus de parentesco na lei civil
A contagem dos graus de parentesco, segundo o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), segue a linha de ascendência e descendência, ou de colateralidade, conforme disposto nos artigos 1.591 a 1.595².
De forma simplificada, os graus de parentesco mais comumente considerados são:
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1º grau: pais e filhos;
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2º grau: avós, netos e irmãos;
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3º grau: tios e sobrinhos.
Parentes além do terceiro grau, como primos, primos de segundo grau e parentes ainda mais distantes, estão fora da vedação legal expressa sobre nepotismo.
A legalidade da nomeação de parentes remotos
Partindo dessa premissa legal, a nomeação de um parente remoto, como por exemplo o neto de uma prima da avó, situaria o grau de parentesco em, no mínimo, quarto grau ou superior³. Isso coloca o ato de nomeação fora do alcance da proibição da Súmula Vinculante nº 13.
Essa interpretação está em perfeita conformidade com o princípio da legalidade administrativa, estabelecido pelo artigo 37 da Constituição Federal de 1988:
"A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência"⁴.
Ou seja, o gestor público só está obrigado a seguir as vedações expressamente previstas em lei.
Princípios Constitucionais e A Responsabilidade Ética
Embora juridicamente permitida, a nomeação de parentes de graus remotos ainda deve observar os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da eficiência. A professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que o princípio da moralidade administrativa obriga o agente público a agir de acordo com padrões éticos compatíveis com a função pública⁵.
Por isso, a nomeação de um parente distante só será legítima, do ponto de vista ético, se for pautada por critérios objetivos de competência, qualificação técnica e compromisso com o bem comum.
Capital Social e A Gestão Pública
A boa relação com parentes de graus remotos, fundada em valores de honestidade e compromisso público, pode ser vista como um recurso legítimo de capital social, nos termos propostos por Robert Putnam, para quem as redes de confiança social são fundamentais para o fortalecimento institucional⁶.
Nomear alguém da própria rede familiar ampliada, desde que dentro da legalidade e com os devidos cuidados éticos, é uma forma de utilizar os vínculos sociais para o aprimoramento da gestão pública.
Conclusão
A nomeação de parentes de graus remotos para cargos públicos de confiança é juridicamente legítima e não configura nepotismo, desde que respeitados os limites estabelecidos pela Súmula Vinculante nº 13 do STF. Mais do que cumprir a letra da lei, o gestor público deve assegurar que sua escolha atenda aos princípios constitucionais de moralidade, impessoalidade e eficiência. A responsabilidade moral exige que toda nomeação seja orientada pelo interesse público e pelo compromisso com a excelência administrativa.
Notas de rodapé
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 13. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 22 jun. 2025.
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
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PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia: A Experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1996.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 13. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 22 jun. 2025.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 35. ed. São Paulo: Atlas, 2022.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Parte Geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
PUTNAM, Robert D. Comunidade e Democracia: A Experiência da Itália Moderna. Rio de Janeiro: FGV Editora, 1996.
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