A nostalgia de um futuro que nunca aconteceu
Por muito tempo, o termo retrofuturismo foi associado quase exclusivamente à ficção científica estrangeira, sobretudo às imaginações do futuro feitas por sociedades industriais como Estados Unidos, Reino Unido ou União Soviética. No entanto, pouco se reflete sobre como esse conceito pode ser aplicado aos contextos nacionais, especialmente à história do Brasil. Este texto propõe exatamente isso: olhar para o Brasil não apenas sob a ótica do que ele é ou foi, mas também do que poderia ter sido — e ainda pode ser em sua essência civilizatória — caso uma ruptura histórica não tivesse ocorrido.
A Monarquia: um futuro abortado
Quando, em 15 de novembro de 1889, a monarquia brasileira foi derrubada por um golpe militar, não se tratava apenas de uma troca de regime. O que se operava ali era uma ruptura civilizatória. Uma nação construída ao longo de quase sete décadas sob os pilares de um império constitucional, que garantiu a unidade nacional, a abolição da escravidão e um projeto de modernização pacífica, foi lançada na aventura de uma república sem raízes, sem povo e sem tradição.
O Brasil da monarquia era, para todos os efeitos, um projeto de futuro. O Império Brasileiro, especialmente sob D. Pedro II, possuía traços que, se levados adiante, nos colocariam hoje entre as nações mais desenvolvidas do mundo: um Estado moderador, uma aristocracia funcional, uma elite intelectual vinculada ao dever público, e um modelo de desenvolvimento que equilibrava tradição e inovação.
Quando Isabel, princesa imperial, sancionou a Lei Áurea, ela não apenas libertou os escravizados, mas também assinou, de certo modo, a sentença política do Império, ao desagradar as elites conservadoras que sustentavam a escravidão. No entanto, ao contrário do que a história republicana sugere, não foi o progressismo que derrubou o trono. Foi o conservantismo revolucionário, aquele que, incapaz de aceitar a transformação ordenada, optou pela ruptura.
O Terceiro Reinado: uma ucronia brasileira
O exercício do retrofuturismo começa aqui. E se a monarquia não tivesse sido abolida? E se a princesa Isabel, primeira imperatriz do Brasil, tivesse assumido o trono?
Neste cenário, podemos imaginar um Brasil onde:
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A consolidação do Estado moderador teria evitado os ciclos viciosos de golpes, ditaduras, revoluções e hiperinflação que marcaram o século XX brasileiro.
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O sistema ferroviário, iniciado no Segundo Reinado, teria se expandido por todo o território nacional, unindo cidades e escoando riqueza, tornando o Brasil uma potência logística e industrial do Atlântico Sul.
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A educação, que já era prioridade no Segundo Reinado (com a fundação de escolas, institutos e incentivo às artes e ciências), teria sido acelerada sob o patrocínio da Coroa.
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As relações internacionais teriam seguido o modelo das monarquias constitucionais bem-sucedidas, como Reino Unido, Suécia ou Japão, com estabilidade política, desenvolvimento social e alta inserção econômica nos mercados internacionais.
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O Brasil teria se tornado o núcleo de uma possível Commonwealth Lusófona, unindo antigas colônias portuguesas em uma comunidade de nações irmãs, baseada em valores civilizatórios comuns.
A estética do futuro monárquico
O Terceiro Reinado também nos permite imaginar uma estética que mescla tradição imperial e modernidade tropical:
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Arquitetura neoclássica e art déco tropicalizada, com palácios, praças públicas e monumentos integrados à flora brasileira.
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Uma malha ferroviária moderna, com trens de alta velocidade atravessando o sertão, a Amazônia e o Pantanal, ladeados por estações em estilo eclético imperial.
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Uniformes de servidores públicos, magistrados e militares ostentando medalhões, condecorações, ordens e brasões da Casa de Bragança.
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Uma cultura visual onde as moedas, os passaportes e os selos postais trazem a efígie dos soberanos brasileiros — da Imperatriz Isabel e seus descendentes.
Tecnologia e Ordem Social
O desenvolvimento tecnológico no Brasil do Terceiro Reinado não teria sido parasitado pelos interesses corporativos ou pelos vícios oligárquicos típicos da república. Teria sido guiado por uma visão de longo prazo, sustentada pelo princípio da continuidade dinástica e do dever público.
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As universidades imperiais seriam polos de inovação científica e tecnológica, com investimento contínuo em engenharia, medicina tropical, biotecnologia e exploração sustentável da biodiversidade.
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A questão agrária, insolúvel na república, teria sido enfrentada com políticas de colonização interna, distribuição ordenada de terras e modernização agrícola sob o amparo da Coroa.
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A segurança pública não teria se degenerado em milícias, facções e crime organizado, mas seguiria o modelo das guardas reais e gendarmarias, com alto grau de profissionalismo e senso de honra.
Retrofuturismo como crítica política
Este exercício de imaginação não é mero escapismo. Ele funciona, sobretudo, como uma crítica vigorosa ao presente. O Brasil, ao abdicar da monarquia, não abraçou a modernidade, mas uma caricatura dela. O republicanismo brasileiro não gerou uma democracia consolidada, mas um ciclo infindável de instabilidade, corrupção e promessas fracassadas.
O Terceiro Reinado, portanto, não é apenas uma fantasia nostálgica. É a lembrança viva de que houve, sim, um caminho civilizacional abortado, não por acidente, mas por decisão consciente das forças revolucionárias travestidas de conservadorismo oligárquico.
Conclusão: a nostalgia do futuro como ato político
O retrofuturismo aplicado à história do Brasil não serve apenas para entreter a imaginação. Serve para lembrar que o futuro é, muitas vezes, a recuperação qualificada de possibilidades do passado que foram rejeitadas por ignorância, ganância ou covardia.
Imaginar o Terceiro Reinado não é um ato de saudosismo fútil, mas de resistência civilizacional. É a declaração de que a modernidade verdadeira não é fruto da ruptura, mas da continuidade, da ordem e do progresso entendido não como slogan vazio, mas como vocação espiritual de um povo.
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