Introdução
Em tempos de crescente absolutismo estatal, torna-se urgente recuperar uma compreensão mais elevada da liberdade à luz dos méritos de Cristo. Este artigo busca apresentar uma forma de libertarismo que não se confunde com rebeldia ou anarquia, mas que, alicerçado na verdade do Evangelho, rejeita a idolatria do Estado e promove uma reordenação política e jurídica fundada na dignidade do homem enquanto criatura de Deus.
1. O Estado tomado como se fosse religião: a idolatria política moderna
A política contemporânea muitas vezes se organiza em torno de um culto disfarçado ao Estado, que se apresenta como origem e fim de todas as coisas. Esse Estado-religião exige obediência absoluta, sufoca a consciência individual e destrói os intermediários naturais como a família, a Igreja e as comunidades locais. Essa tendência totalitária transforma o que deveria ser um instrumento de ordem em um agente de opressão. Como afirmava Pio XI, no totalitarismo "o Estado é tudo, o homem não é nada senão em quanto instrumento do Estado".¹
2. O libertarismo cristão: resistência com inteligência e fidelidade
Diante dessa idolatria estatal, surge o libertarismo cristão como uma forma de resistência inteligente. Esse libertarismo não é um rompimento com a ordem, mas uma recusa a se submeter a estruturas injustas, fundada no que líderes políticos ilegítimos conservam de conveniente e dissociado da verdade. Ele busca aproveitar as vantagens jurídicas comparativas de outras jurisdições para criar espaços de liberdade protegida, alargando as fronteiras do Reino de Cristo de modo a servir a Ele em terras distantes — dessa forma, ele atua como um construtor de pontes não só para si mesmo, mas também para todo aquele que ama e rejeita as mesmas coisas, tendo por fundamento aquilo que o verdadeiro Deus e verdadeiro Homem amou e rejeitou, a ponto de encontrar abrigo seguro contra os abusos que sofre do governo injusto.
3. A multipolaridade jurídica e a teoria das bandeiras: defesa da liberdade
Esse mecanismo de defesa da liberdade encontra fundamento na chamada teoria das bandeiras, comum no comércio internacional, no direito internacional privado e, cada vez mais, nas práticas cidadãs que visam resistir à tirania. A teoria permite que um indivíduo organize seus atos sob diferentes soberanias, de forma lícita, buscando a proteção das leis mais favoráveis à sua liberdade e propriedade, sem violar o princípio da lealdade jurídica.
Esse princípio pode ser visto como herdeiro direto do Ius Gentium da Cristandade, ou Direito das Gentes, tal como concebido por Francisco de Vitória e Francisco Suárez no século XVI, que reconhecia o princípio da lei natural como superior a qualquer legislação positiva e comum a todas as nações cristãs.²
4. O exílio virtuoso: terras distantes como lar em Cristo
Seguindo os passos de patriarcas, profetas e santos, o cristão que parte em busca de liberdade não se exila por conveniência, mas por fidelidade. Em terras distantes, ele recomeça, edifica, testemunha. A nova terra, uma vez acolhedora à justiça, torna-se um lar em Cristo. Essa dimensão do exílio como santificação do mundo pela presença dos justos reconfigura o espaço político como campo de missão. Como ensina Santo Agostinho, "o justo vive na Babilônia como exilado, mas não se torna babilônico".³
5. Contra os conservantismos da ordem social revolucionária e os revolucionários que eventualmente ocupam funções públicas ilegitimamente
O libertário cristão rejeita tanto os conservantismos que perpetuam estruturas injustas quanto as revoluções que destroem a ordem natural. Ambos falham em reconhecer a autoridade verdadeira: aquela que aprimora a liberdade e conduz os povos ao bem comum iluminado pela graça. Contra esses extremos, ele trabalha por uma autoridade autêntica que sirva à verdade e à liberdade dos filhos de Deus.
6. Do nacionismo à politéia: O Estado justo como serviço à ordem natural
Ao integrar a teoria das bandeiras com o ideal do jus gentium e a liberdade cristã, temos uma prática que, à primeira vista, pode parecer anárquica: múltiplas jurisdições, recusa da autoridade estatal única, mobilidade transnacional do indivíduo. No entanto, se olharmos pela ótica do nacionismo cristão — entendido aqui como patriotismo cristocêntrico, fundamentado na autoridade justa, ordenada à Lei natural e ao serviço do Cristo-Rei —, vemos que tal prática se alinha à politéia de Aristóteles.
“A constituição mais perfeita é aquela em que o governo é exercido em vista do bem comum.”⁴
A politéia, para Aristóteles, é o regime em que os cidadãos governam e são governados segundo a virtude, numa harmonia entre liberdade e lei. É o contrário da anarquia, pois exige autoridade, mas uma autoridade legítima, fundada na justiça e na prudência.
Assim, o uso de múltiplas bandeiras, quando orientado por esse espírito, não destrói a autoridade política, mas recoloca o justo no centro da ordem. Os Estados passam a se relacionar com indivíduos e famílias segundo critérios de justiça natural e subsidiariedade, e não mais segundo a lógica do controle ou da ideologia. O princípio de subsidiariedade, enraizado na Doutrina Social da Igreja, assegura que nenhuma instância superior intervenha senão quando estritamente necessário, respeitando o agir virtuoso das comunidades locais e das famílias.⁵
Nesse sentido, o nacionismo cristão restaurado deixa de ser mero pertencimento territorial e passa a ser comunhão de nações que reconhecem a realeza de Cristo — não através da uniformidade, mas da ordenação comum ao bem e à verdade. O indivíduo deixa de estar cativo de uma pátria falsificada por ideologias revolucionárias ou conservadoras corruptas, e passa a ser cidadão de uma ordem superior: a politéia dos justos.
Essa politéia dos justos é, em seu princípio espiritual, um reflexo invisível porém operante do Reino de Cristo já instaurado na história por Sua graça e verdade.
7. A liberdade cristã como cultura redentora e fundamento de uma nova ordem social
A liberdade cristã não se reduz a um conceito abstrato nem a um individualismo egoísta. Ela é, antes, uma cultura viva, uma instituição espiritual e social que molda as relações humanas à luz da graça. Como cultura redentora, a liberdade liberta a pessoa para o amor, para a responsabilidade e para a construção do bem comum.
A partir desse horizonte, o cristão-libertário busca desenvolver comunidades políticas e jurídicas que sejam não apenas refúgios contra a tirania, mas verdadeiros laboratórios da civilização do amor. Essa civilização — fundada na liberdade redimida por Cristo — se opõe radicalmente tanto às tiranias modernas quanto às falsas utopias do passado e do presente.
Assim, em cada território conquistado para a justiça, em cada bandeira hasteada contra a injustiça, a proclamação do Nome de Cristo como Rei e Senhor ecoa como um convite à verdadeira liberdade.
Conclusão: A liberdade como cultura redentora
O itinerário do libertário cristão não é marginal, mas profético. Ele antecipa, em sua prática jurídica, política e espiritual, uma cultura nova fundada na liberdade redimida por Cristo. Não se trata de mera estratégia de sobrevivência, mas de um modo de ser no mundo que, sob a guia do Verbo encarnado, restitui a cada nação a possibilidade de se tornar verdadeiramente cristã. Em cada fronteira atravessada, em cada bandeira utilizada como escudo contra a injustiça, o Nome de Cristo é novamente proclamado como Rei e Senhor.
Assim, a liberdade cristã não se fecha em individualismo nem em utopia. Ela se faz cultura, instituição e caminho comum. Um novo lar em terras distantes, nos méritos de Cristo, por Cristo e para Cristo.
Referências:
AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. Trad. de Luigi Pedrollo. São Paulo: Vozes, 1990.
ARISTÓTELES. Política. Tradução de Nestor Silveira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
PIO XI. Divini Redemptoris: sobre o comunismo ateu. Roma, 1937. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html. Acesso em: 11 jun. 2025.
SUÁREZ, Francisco. De Legibus ac Deo Legislatore. Lyon: Anisson, 1612.
VITÓRIA, Francisco de. Relectiones Theologicae. Madrid: BAC, 1955.
Notas de rodapé:
¹ PIO XI, Encíclica Divini Redemptoris (1937), §20, disponível em Vaticano: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19370319_divini-redemptoris.html
² SUÁREZ, Francisco. De Legibus ac Deo Legislatore, 1612; VITÓRIA, Francisco de. Relectiones Theologicae, 1955. Tratam do Ius Gentium e da supremacia da lei natural sobre as leis humanas.
³ AGOSTINHO, Santo. Cidade de Deus, Livro XIX, cap. 16: o cristão é peregrino e exilado no mundo, mas não se conforma com a injustiça.
⁴ ARISTÓTELES. Política, Livro III, cap. 7. Tradução de Nestor Silveira. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
⁵ ENS, Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 2004, §188-190, sobre o princípio da subsidiariedade.
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