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terça-feira, 10 de junho de 2025

O Japão em queda: o cofrinho do mundo está se esvaziando

Resumo

Este artigo analisa a trajetória recente da economia japonesa, destacando os fatores estruturais que levaram ao aumento exponencial da dívida pública, à estagnação prolongada e à crise demográfica que compromete a sustentabilidade fiscal do país. Também se examina a importância do Japão para o equilíbrio dos mercados financeiros internacionais, especialmente no contexto do chamado carry trade do iene. A partir de 2024, mudanças nas políticas monetárias e demográficas, sob a liderança do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, sinalizam uma transição crítica que pode ter impactos globais.

1. Introdução

Durante décadas, o Japão desempenhou um papel central no financiamento da economia mundial. A robustez de seus fundos de pensão, a estabilidade de seu sistema bancário e a confiabilidade de seu governo o tornaram um dos principais credores do planeta. No entanto, mudanças profundas no cenário interno — notadamente o envelhecimento populacional e o aumento da dívida pública — colocam em risco essa posição histórica. A pergunta que se impõe é: o Japão está à beira de um colapso econômico ou atravessa um processo de reorganização estrutural?

2. A Dívida Pública e a Sustentabilidade Fiscal

O Japão possui, atualmente, a maior relação dívida/PIB entre as economias desenvolvidas: cerca de 260% do Produto Interno Bruto¹. Isso representa mais do que o dobro do montante da economia real do país. Para fins de comparação, os Estados Unidos, frequentemente criticados por seu elevado endividamento, apresentam um índice em torno de 125% no mesmo período².

Segundo declarações do próprio primeiro-ministro Shigeru Ishiba, empossado em outubro de 2024, a situação fiscal do Japão é mais grave do que a da Grécia no auge da crise do euro, em 2010³. Esse diagnóstico, vindo da maior autoridade política nacional, reforça a urgência de reestruturar as finanças públicas e enfrentar desafios de longo prazo.

3. Demografia e Crise Populacional

A estrutura demográfica japonesa passou por uma transformação acelerada nas últimas décadas. Em 2024, o número de nascimentos no país foi de 720,9 mil, enquanto o número de óbitos superou 1,62 milhão⁴. Esse desequilíbrio implica uma retração populacional contínua, agravada pela baixa taxa de fecundidade — atualmente em torno de 1,2 filho por mulher, muito abaixo da taxa de reposição populacional (2,1).

As projeções demográficas indicam que a população japonesa, que era de 128 milhões em 2010, deve cair para menos de 105 milhões em 2050, podendo atingir 87 milhões em 2060⁵. Essa transformação resulta em três efeitos diretos: queda na força de trabalho, redução da base arrecadatória e aumento dos gastos com aposentadorias e saúde. O resultado é um ciclo de retroalimentação negativa, no qual o Estado precisa gastar mais com menos recursos.

4. A Era da Estagnação: “Décadas Perdidas”

O estouro da bolha imobiliária no início da década de 1990 marcou o início de uma longa fase de estagnação econômica no Japão, conhecida como as **"décadas perdidas"**⁶. Nesse período, o crescimento do PIB foi anêmico, os índices de consumo caíram e o governo passou a sustentar artificialmente a economia por meio de déficits fiscais e obras públicas.

Mesmo em momentos de bonança, como na década de 2000, o orçamento japonês manteve-se em desequilíbrio. A estratégia de financiamento por endividamento foi intensificada após eventos de impacto, como a crise financeira de 2008, o terremoto de 2011, o acidente nuclear de Fukushima e a pandemia de COVID-19. A combinação de gastos emergenciais e arrecadação fraca empurrou o país para o atual estado crítico.

5. Política Monetária e o Carry Trade do Iene

Para controlar a estagnação, o Banco do Japão adotou políticas monetárias não convencionais, como taxas de juros negativas e flexibilização quantitativa, o que significa, na prática, imprimir dinheiro para comprar títulos da dívida pública⁷. Essa estratégia visava reduzir o custo do crédito e estimular a economia, o que foi possível por décadas graças à confiança dos investidores e à inflação praticamente nula.

Esse contexto facilitou o surgimento do chamado carry trade do iene, um fenômeno em que investidores internacionais tomam empréstimos em ienes com juros quase nulos e investem em ativos de maior rendimento no exterior, como os títulos do Tesouro dos EUA, da Austrália ou do Brasil⁸. Isso gerou um fluxo massivo de capitais japoneses para fora do país.

Contudo, em 2024, com o aumento da inflação doméstica e a valorização dos salários, o Banco do Japão foi forçado a mudar de rumo. Sob a liderança do novo governador Kazuo Ueda, elevou a taxa de juros para 0,25% em julho daquele ano, pondo fim à era das taxas negativas⁹. Isso causou turbulência nos mercados, com o desmonte de posições de carry trade e a repatriação de recursos.

6. Riscos Sistêmicos e Repercussões Internacionais

O Japão detém mais de 1,1 trilhão de dólares em títulos do Tesouro norte-americano, o que o torna o maior credor estrangeiro dos Estados Unidos¹⁰. Com o aumento dos rendimentos dos títulos japoneses, esses investimentos perderam atratividade. A venda em massa desses ativos pode elevar os juros americanos, prejudicando o financiamento global e impactando os mercados emergentes.

Embora seja improvável que o Japão entre em colapso de forma abrupta — como ocorreu com a Grécia — os riscos de um declínio lento e contínuo são concretos. A desvalorização do iene, o aumento gradual da inflação e a perda de poder de compra da população são efeitos visíveis de uma economia em desgaste.

7. Considerações Finais

O Japão é, hoje, uma das economias mais endividadas do mundo e enfrenta um dos colapsos demográficos mais acelerados da história moderna. A combinação desses fatores impõe desafios monumentais ao governo de Shigeru Ishiba, cuja administração se vê obrigada a lidar simultaneamente com pressões internas e repercussões internacionais.

Por mais que o Japão tenha fundamentos institucionais sólidos, uma crise fiscal prolongada pode abalar os pilares do sistema financeiro global. Como alerta o antigo ditado: se o Japão espirra, o mundo pega um resfriado — e talvez estejamos diante de algo mais grave que um resfriado: uma crise silenciosa com alcance global.

Notas de Rodapé

  1. FMI. World Economic Outlook, 2024.

  2. Ibidem.

  3. Declaração de Shigeru Ishiba à imprensa, Tóquio, out. 2024.

  4. Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão. Estatísticas Demográficas, 2024.

  5. National Institute of Population and Social Security Research. Population Projections for Japan, 2023.

  6. OECD. Economic Survey of Japan, 2023.

  7. Banco do Japão. Monetary Policy Statement, jul. 2024.

  8. BIS – Bank for International Settlements. Carry Trade and Global Financial Stability, 2020.

  9. Banco do Japão. Press Release, 31 jul. 2024.

  10. U.S. Treasury Department. Major Foreign Holders of Treasury Securities, dez. 2023.

Referências Bibliográficas

BANCO DO JAPÃO. Monetary Policy Statement. Tóquio: BOJ, jul. 2024.

BIS – BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Carry Trade and Global Financial Stability. Basel: BIS, 2020.

FMI. World Economic Outlook. Washington, D.C.: International Monetary Fund, 2024.

MINISTÉRIO DA SAÚDE, TRABALHO E BEM-ESTAR DO JAPÃO. Estatísticas Demográficas Anuais. Tóquio: MHLW, 2024.

NATIONAL INSTITUTE OF POPULATION AND SOCIAL SECURITY RESEARCH. Population Projections for Japan. Tóquio: NIPSSR, 2023.

OECD. Economic Survey of Japan 2023. Paris: OECD Publishing, 2023.

TESOURO DOS ESTADOS UNIDOS. Major Foreign Holders of Treasury Securities. Washington, D.C., 2023. Disponível em: https://www.treasury.gov. Acesso em: 10 jun. 2025.

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