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segunda-feira, 9 de junho de 2025

O fim da Constituição? A crítica de Aldo Rebelo ao STF e a crise da legalidade no Brasil

Em uma declaração que ressoou com força nos meios políticos e jurídicos do país, Aldo Rebelo — ex-ministro e uma das figuras mais lúcidas do cenário nacional — afirmou categoricamente: “Nós não temos mais Constituição. Temos onze Constituições ambulantes.” A crítica, direta e contundente, lança luz sobre uma crise silenciosa, mas profunda: a desfiguração do Estado de Direito pela hipertrofia interpretativa do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Rebelo, cada ministro da Corte Constitucional interpreta a Constituição conforme sua própria visão, criando, na prática, um sistema jurídico de múltiplas constituições particulares, mutantes e personalizadas. O que deveria ser a salvaguarda última da ordem legal se torna, sob essa ótica, um arquipélago de vontades individuais.

A personalização da Justiça

A crítica de Rebelo não recai sobre indivíduos, mas sobre a instituição em sua atual configuração. O STF, outrora símbolo da estabilidade jurídica, transformou-se — na leitura do ex-ministro — num organismo fragmentado, onde cada magistrado atua como legislador autônomo, usurpando competências e fragilizando os princípios da separação dos poderes e da legalidade.

Essa constatação traz consigo uma inquietante conclusão: a Constituição de 1988 teria esgotado seu ciclo histórico. Produzida em um momento de transição e abertura democrática, ela já não daria conta dos desafios institucionais contemporâneos.

Do Emendão à Nova Constituinte

Para enfrentar o impasse, Rebelo propõe dois caminhos:

  1. O “emendão” — uma grande e abrangente emenda constitucional que reorganize as relações entre os poderes da República, contenha os excessos interpretativos e restabeleça a autoridade da letra constitucional.

  2. Uma nova Constituinte — uma medida mais ambiciosa e ousada, que representaria a refundação do pacto político nacional, criando uma nova Carta Magna em sintonia com os desafios do presente.

Ambas as propostas, no entanto, carregam riscos e exigem cautela. O emendão pode se tornar um remendo apressado, sem resolver os vícios estruturais do sistema. Já a convocação de uma Constituinte abre um campo de incertezas, podendo tanto corrigir rumos quanto agravar divisões.

O STF como Poder Moderador de fato

Há, por trás da denúncia de Rebelo, uma constatação de ordem prática: o Supremo Tribunal Federal se tornou o verdadeiro poder moderador da República, com autoridade para intervir nos demais poderes, reinterpretar normas de forma criativa e até mesmo, em certos casos, legislar por meio de decisões monocráticas.

A ausência de freios e contrapesos eficazes à atuação do STF transforma o poder que deveria garantir a Constituição em um órgão constituinte permanente, o que corrói a previsibilidade do direito e mina a confiança popular nas instituições.

Conclusão: entre a lei e a vontade

A fala de Aldo Rebelo é, mais que uma denúncia, um chamado à lucidez. O Brasil vive uma encruzilhada institucional: ou restabelece os fundamentos do Estado de Direito, com uma Constituição respeitada e aplicada segundo critérios objetivos, ou sucumbe ao voluntarismo togado, em que o poder de um juiz suplanta a vontade do povo expressa na lei.

O debate proposto não é de esquerda ou de direita. É uma questão de ordem, de justiça e de sobrevivência do regime republicano. O Brasil precisa, com coragem e sabedoria, decidir se ainda quer viver sob uma Constituição impessoal e estável, ou sob o império mutável de onze vontades individuais.

Bibliografia

  1. REBELO, Aldo.
    Declarações públicas sobre o Supremo Tribunal Federal e a Constituição Brasileira.
    Fonte: Entrevista transcrita, 2025.
    — Base principal do artigo, onde o autor expressa a ideia de que o STF atua como onze constituições ambulantes e propõe um “emendão” ou uma nova constituinte como solução.

  2. MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
    Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
    — Obra clássica que trata da hermenêutica constitucional e da atuação do STF. Útil para compreender o papel original do tribunal e os limites da interpretação judicial.

  3. VILLA, Marco Antonio.
    Julgamento do Mensalão: o dia a dia do mais importante julgamento da história política do Brasil. São Paulo: LeYa, 2012.
    — Documenta o momento em que o STF passou a ganhar protagonismo político, ajudando a entender a transição do tribunal para um poder moderador de fato.

  4. CARVALHO, Olavo de.
    O Jardim das Aflições. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2015.
    — Embora de natureza filosófica, a obra explora os fundamentos da ordem política e do poder judiciário, com críticas à tecnocracia e à hipertrofia institucional.

  5. BONAVIDES, Paulo.
    Teoria Constitucional da Democracia Participativa. São Paulo: Malheiros, 2001.
    — Fundamenta a ideia de soberania popular como critério de legitimidade constitucional. Serve de contraponto crítico ao ativismo judicial.

  6. SILVA, José Afonso da.
    Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2020.
    — Referência segura sobre os princípios constitucionais e a evolução histórica da Constituição de 1988. Ajuda a entender as fragilidades apontadas por Aldo Rebelo.

  7. CANOTILHO, J. J. Gomes.
    Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.
    — Obra essencial para compreender a diferença entre jurisdição constitucional e governo dos juízes, uma distinção fundamental no debate sobre o STF.

  8. ARANTES, Rogério B.
    O Judiciário no Brasil. São Paulo: FGV, 2007.
    — Analisa o processo histórico que levou ao empoderamento do Judiciário no Brasil, incluindo os aspectos sociopolíticos da atuação do STF.

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